segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Caso Brumadinho e a responsabilidade penal da pessoa jurídica

Eudes Quintino de Oliveira Júnior
Pode se dizer que se trata de uma tragédia anunciada, em razão da negligência com os protocolos básicos de segurança e falha no gerenciamento de risco.
domingo, 3 de fevereiro de 2019

O povo brasileiro, atônito mais uma vez, ainda com as recentes notícias da tragédia de Mariana, assiste diariamente às imagens aéreas dos bombeiros se arrastando na pesada lama garimpando corpos das vítimas soterradas em razão do rompimento da barragem de Brumadinho. Pode se dizer que se trata de uma tragédia anunciada, em razão da negligência com os protocolos básicos de segurança e falha no gerenciamento de risco, que também provocaram a catástrofe anterior, ceifando vidas humanas e deteriorando o meio ambiente em toda sua extensão. Tanto é que o presidente da Vale, após constatar a precariedade do sistema adotado, afirmou que dez barragens a montante da companhia, como as duas que romperam, serão desativadas, justamente porque o reservatório é construído "em degraus", quer dizer, é edificado de acordo com o volume maior de rejeitos que vão se acumulando.
Foi desencadeada pelo Ministério Público de Minas Gerais uma operação para perquirir os crimes de homicídio qualificado, ambientais e falsidade ideológica, com a expedição de ordem de prisão temporária para os engenheiros e funcionários responsáveis por atestarem recentemente a idoneidade e a segurança da barragem que ruiu.
Mas, indaga-se, qual a providência criminal com relação à pessoa jurídica que representa a empresa, já que dela deriva toda iniciativa de ação ou omissão?
Controvérsia momentosa e acalorada que tem sido travada entre os juristas que se dedicam ao estudo da matéria ambiental é justamente a admissibilidade, à luz de vigente comando constitucional e do texto expresso da Lei dos Crimes Ambientais (lei 9.605/98), da responsabilização penal de pessoas jurídicas poluidoras ou degradadoras do meio ambiente.
Prima facie, tem-se que a pessoa jurídica pode ser definida com base na Teoria da Realidade Objetiva (ou Teoria Orgânica), adotada por Pontes de Miranda e Beviláqua, nos moldes do Direito alemão, no sentido de que as pessoas jurídicas são compostas por órgãos, que por sua vez são representados por pessoas físicas que expressam a vontade da pessoa jurídica. Ou seja, pode-se afirmar que as pessoas jurídicas possuem vida própria, cuja existência é totalmente distinta das pessoas físicas que a compõem, de acordo com a inteligência do artigo 45, do Código Civil. A Carta Magna brasileira de 1988, no art. 125, § 3º, preceitua que:
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
A interpretação de precitado dispositivo constitucional tem cindido a doutrina pátria.
Juristas da maior nomeada têm sustentado que aludido comando constitucional encerra uma norma de eficácia contida e de imediata e plena aplicabilidade, tornando possível a sujeição criminal das pessoas jurídicas que atuem de forma lesiva ao meio ambiente, sugerindo a sua natureza de bem jurídico difuso indispensável à sadia qualidade de vida a adoção imediata, ampla, efetiva e eficaz tutela jurídica, inclusive penal, com imposição de sanções pecuniárias e de medidas restritas de direitos (interdição de atividade, do estabelecimento, etc.) às pessoas jurídicas, sob pena de manifesta inutilidade de questionado preceito constitucional.
Já outros autorizados lidadores do direito ambiental afirmam que referido dispositivo constitucional contém uma norma de eficácia programática, revelando-se necessária a superveniência de legislação infraconstitucional para que as pessoas jurídicas possam ser processadas no âmbito criminal, até mesmo em obediência ao cristalizado e precedente princípio constitucional da legalidade ou da reserva legal (art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal).
De outra parte, há também juristas que dizem não ter a Constituição Federal previsto a responsabilização penal da pessoa jurídica, entes morais destituídos da capacidade de ação, de culpabilidade e de pena. Ausentes tais requisitos, não há margem no direito brasileiro para amparar excogitada responsabilidade criminal. Tal posicionamento, todavia, parece não mais se sustentar ante a expressa previsão constitucional (artigos 173, § 5º e 125, § 3º).
O fato é que, seguindo a tendência da legislação e doutrina estrangeira, surge no plano nacional um movimento doutrinário inclinado ao reconhecimento e consagração da responsabilidade penal da pessoa jurídica no tocante às infrações ambientais e relativamente aos delitos contra o mercado de consumo e contra a ordem financeira e tributária. Assim é que a citada Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, contempla explicitamente a responsabilização penal das pessoas jurídicas, dispondo textualmente no seu art. 3º:
Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, coautoras ou partícipes do mesmo fato.
Saliente-se que, a despeito de aludidas disposições legais, a responsabilidade penal das pessoas coletivas continua sendo tema conflituoso em nosso sistema penal, permanecendo a doutrina reticente quanto ao seu fundamento jurídico, uma vez que impera no Direito Penal o princípio da culpabilidade.
A corrente de estudiosos contrária a tal ideia sustenta, basicamente, que se o crime pressupõe uma conduta (nullum crimem sine conducta), é possível afirmar que a pessoa jurídica não pode delinquir, porque lhe falta capacidade de conduta. Que ação ou omissão poderia cometer? Como ficaria o princípio da relação de casualidade se societas delinquere non potest? Ademais, dizem os adeptos desse pensamento, a vontade humana é um fenômeno psíquico inconcebível na pessoa jurídica, faltando-lhe também a capacidade de culpabilidade (agir com dolo ou culpa no sentido estrito) e somente por arte mágica é que se lhe pode imputar a prática de crime. Como suportaria o ente coletivo o caráter aflitivo da sanção penal?
O próprio legislador reconheceu que a pessoa jurídica não pode sozinha delinquir, ao preceituar que ela somente será penalmente responsabilizada se a infração for cometida por decisão do seu representante legal ou contratual e desde que no interesse ou benefício da sua entidade (art. 3º, lei 9.605/98). A responsabilização surge, pois, por via oblíqua.
Entretanto, não há como não reconhecer que certos crimes admitem, pela sua própria formatação típica, que a pessoa jurídica possa ser sujeito ativo do delito, justamente porque atua por meio de seus órgãos, representados por pessoas físicas, plenamente aptas a realizar determinada conduta típica. Logo, mister a incidência de uma sanção penal - posto restar caracterizada a subsunção do fato à norma - que pode ser perfeitamente conjugada com outras medidas administrativas como, por exemplo, as medidas compensatórias firmadas em Termo de Ajustamento de Conduta ou então a responsabilização civil e administrativa das pessoas jurídicas ligadas à corrupção, conforme a lei 12.846/2013.
Enfim, segundo o escólio dessa respeitável corrente de juristas que se posicionam contrários à ideia da responsabilização penal da pessoa jurídica, somente após profundas alterações de toda uma construção lógico-jurídica do Direito Penal pátrio, fundada na capacidade de conduta, culpabilidade e imputabilidade, é que seria concebível tal proposta.
Já os corifeus da corrente contrária sustentam, em minoria, que a Constituição Federal de 1988 (art. 125, § 3º) e a lei 9.605/98 (art. 3º) consagra a responsabilidade penal das pessoas jurídicas no plano ambiental e, isso, mediante a adoção do sistema de dupla imputação ou da coautoria entre agente individual e coletivo. A empresa, por si mesma, não pratica diretamente atos delituosos e sim por intermédio de uma pessoa natural que com ela mantenha vínculo (representante legal ou contratual), sem a exclusão da responsabilidade penal deste último, considerado coautor. Vislumbra-se com bastante clareza que nosso legislador reconhece que um órgão da pessoa jurídica é quem toma as decisões e que pratica atos. Mesmo assim, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a da pessoa natural que tenha atuado no mesmo contexto fático.
Assim, somente haverá a persecução penal contra a pessoa jurídica se o ato delituoso for perpetrado em seu beneficio e por pessoa física que mantenha estreita ligação com o ente moral ou coletivo, e com o auxílio da influência ou poderio da empresa não se deixará de verificar a existência de um concurso de pessoas, terminando o legislador por adotar respostas penais específicas e adequadas à punição das pessoas jurídicas, somente pecando ao deixar de estabelecer mecanismos mais concretos no plano procedimental.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

Indenização de terceiro - vítima de acidente - embriaguez

Seguradora deve indenizar terceiro vítima de acidente mesmo em caso de embriaguez de condutor? O advogado Guilherme Galhardo Antonietto responde a questão.

por Guilherme Galhardo Antonietto

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019


https://www.migalhas.com.br/PapoJuridico/119,MI295625,81042-Indenizacao+de+terceiro+vitima+de+acidente+embriaguez

PL permite que filho fora do casamento more com casal mesmo sem consentimento de cônjuge

Autor do PL destacou que CF veda tratamento discriminatório em relação aos filhos, sejam biológicos ou afetivos.
sábado, 2 de fevereiro de 2019

Tramita em caráter conclusivo na Câmara dos Deputados o PL 10.845/18, que exclui a necessidade de consentimento de um dos cônjuges para que filho havido fora do casamento e reconhecido pelo outro resida no lar conjugal. 

A proposta tem por objetivo alterar o CC e é de autoria do deputado Rubens Pereira Júnior. Para o autor, por mais que o diploma legal seja bem-intencionado, ele está “eivado de inconstitucionalidade”.
O parlamentar destacou dispositivos da CF que protegem os interesses das crianças, adolescentes e jovens e vedam o tratamento discriminatório em relação aos filhos, sejam biológicos ou afetivos.
O PL será analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Consumidor que não conseguiu trocar milhas por passagem será indenizado

TJ/DF manteve sentença que condenou empresas aéreas por propaganda enganosa.
domingo, 3 de fevereiro de 2019

A 1ª turma Cível do TJ/DF, por unanimidade, manteve que condenou a Tam Linhas Aéreas e a Qatar Airways ao pagamento de R$ 7 mil pelos danos morais causados diante de negativa em emitir passagens aéreas por pontos obtidos em programa de milhagens.

O autor ajuizou ação na qual narrou que conforme as regras do programa de milhagem da TAM (Multiplus) é possível adquirir pontos para trocá-los por passagens de todas as companhias aéreas do grupo Oneworld. Explicou que a requerida Quatar faz parte do mencionado grupo, opera o voo que pretendia pegar para a viagem de celebração de sua lua de mel, entre São Paulo e Ilhas Seychelles, e que há no site do programa de milhagem de publicidade expressa com referência à possibilidade de emissão de bilhetes pela companhia Quatar.
Todavia, ao tentar emitir as passagens por meio do site do programa de benefícios, recebeu informação de que o aeroporto pretendido não estava sendo encontrado, tornando inviável a emissão dos almejados bilhetes. O autor fez reclamação junto às rés, mas recebeu resposta de que o trecho só poderia ser adquirido por meio de compra e não por resgate de pontos. Assim, requereu liminar para garantir a emissão dos bilhetes, bem como a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais.
A Tam apresentou contestação e defendeu que não é parte legitima para figurar na ação e que não cometeu nenhum ilícito que pudesse ensejar em danos morais. A Quatar também contestou e alegou que não possui responsabilidade por passagens emitidas pelo site de outra empresa e que há número limitado de assentos para resgate por milhas, fato que afasta sua obrigação de emitir as passagens solicitadas pelo autor. Também sustentou que a culpa pela não emissão seria da TAM, e que não cometeu ato passível de condenação em indenização por dano moral.
Em 1º grau, o magistrado deferiu a liminar e condenou as empresas ao pagamento de R$ 7 mil, a título de danos morais.
"Compulsando as provas acostadas aos autos tenho que razão assiste à parte autora. É fato incontroverso nos autos que o autor está inscrito no programa Multiplus, que permite a emissão de passagens utilizando o site da LATAM; que por sua vez é integrante da aliança ONE Word, assim como a QATAR Airways. Portanto, a segunda requerida é empresa parceira da primeira ré no mencionado programa de benefícios. É incontroverso, ainda, que o autor possuía pontos suficientes para a emissão das passagens. Compulsando as provas constantes nos autos tenho que as rés violaram o Código de Defesa do Consumidor, tanto no que toca a publicidade enganosa como no que toca a violação ao direito de informação, pois não há informação pública do número de assentos disponível para passagens prêmio."
O autor apresentou recurso no intuito de majorar o valor fixado pelos danos morais. Contudo, os desembargadores entenderam que a sentença deveria ser integralmente mantida, visto que a indenização fixada "atende a finalidade compensatória, punitiva e preventivo-pedagógica do dano extrapatrimonial".
Veja a decisão.

Do instituto da outorga uxória


(...)
DO INSTITUTO DA OUTORGA UXÓRIA

A outorga conjugal ou uxória diz respeito a uma autorização que é dada por um dos cônjuges a fim de que o outro possa realizar atos de disposição do seu patrimônio. Trata-se, pois, de um instituto do direito civil para assegurar as transações patrimoniais de um casal, a fim de garantir ciência dos atos de disposição à ambos e evitar prejuízo ou indução à erro de eventual terceiro adquirente (Benedito e Oliveira, 2017).

De acordo com Rocha (2014), como norma jurídica, a outorga conjugal teve sua origem no Direito Germânico. O Morgengabe é uma parte dos bens do marido que é doado à esposa exatamente no dia seguinte ao do matrimonio. Como após a morte do marido seria garantida a posse desses bens à mulher, exigia-se, a outorga da esposa para alienação dessa parte do patrimônio enquanto o marido estivesse vivo.

Essa linha de pensamento podemos destacar que na sociedade brasileira, por séculos, a mulher casada era vista como que uma propriedade do marido e isso refletia no direito civil que a considerava relativamente incapaz, não podendo dispor sobre os bens do casal, daí a necessidade de outorga conjugal para de certa forma, proteger o patrimônio da esposa.

O objetivo da outorga uxória, consentimento de ambos os companheiros para o aval ou a fiança, é prevenir a dilapidação do patrimônio do casal por um dos conviventes, ou seja, caso um dos companheiros venha a prestar fiança ou aval, deverá obter a permissão do outro companheiro, para evitar futuros conflitos em uma eventual partilha, bem como preservar o terceiro de boa-fé envolvido. Quanto à sua necessidade no regime de união estável não há nada expresso no ordenamento jurídico brasileiro e tampouco uma definição doutrinária ou jurisprudencial, fato que traz grande dilema quanto a validade dos contratos celebrados por apenas um dos companheiros.

Isto se justifica, de acordo com Lapazine e Cardoso (2018) pelo fato de que a união estável não é um ato jurídico formal no qual se tem a publicidade do estado civil dos contratantes, pois mesmo existindo uma escritura pública entres os conviventes, esta nem sempre relata o início e o termino da união, bem como não altera o estado civil dos mesmos. Assim, pertinente a discussão se é anulável ou não a fiança prestada por convivente em união estável.

Para Tartuce (2011), com base no artigo 5º da Lei 9278/96 e artigo 1725 do Código Civil, diz que, os bens adquiridos onerosamente durante a união estável, pertencem a ambos os companheiros de forma igualitária e caso o terceiro, de boa-fé, tenha conhecimento de vínculo existente entre os companheiros, o mesmo deve exigir a anuência de ambos para que a alienação de bens tenha garantia plena.

Ainda segundo o autor, se a aplicação do artigo 1725 do CC é extensiva à união estável, sendo forma de entidade familiar, não pode sofrer limitações ou discriminações em comparação ao casamento civil, bem como, é válido dizer, que a união estável não pode gozar de privilégios processuais pelo fato de não ter regras específicas assim como o casamento civil.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma inovação que não resolve de imediato a questão da alienação de bens sem consentimento do companheiro. Na verdade, o novo código trouxe à tona uma nova polêmica que, no âmbito jurisprudencial parece ser a mais acertada a decisão que considerar a publicidade da União Estável para a aplicação ou não no art. 73 do referido dispositivo. Vale a leitura do art. 73 a saber:

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;
II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;
III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;
IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos.

Neste sentido, alerta Benedito e Oliveira (2017) que, ao solicitar ao Cartório de Registro de Imóveis as certidões atualizadas dos imóveis, bem como as certidões de ônus e ações reais reipersecutórias, o terceiro interessado estará ciente da situação existente que poderá tornar nulo o contrato.

Ainda, segundo Benedito e Oliveira (2017) exigir do contratante a busca por informações referentes a União Estável do fiador, é conferir a ele tarefa quase impossível que além de prejudicar os atos contratuais, irá prejudica-lo demasiadamente no âmbito econômico, posto que, dessa maneira, estar-se-ia criando uma maneira pela qual é possível agir de má fé e beneficiar-se, utilizando-se da lei. Em consonância, o Juiz, nas ações que versarem sobre imóveis de conviventes fica impossibilitado de saber a existência da união estável sem que o autor o declare ou que esta esteja averbada à margem do registro do imóvel objeto do litígio.

A matéria da necessidade da outorga uxória na união estável sempre foi acompanhada de incertezas e com isso foi reconhecida juridicamente como uma união de fato, posteriormente criando seus efeitos legais. A união estável busca se adaptar à evolução dos costumes e da sociedade; é reconhecida como entidade familiar, sendo uma situação fática decorrente do cotidiano. Na prática, conforme Lapazine e Cardoso (2018) o Direito tem o dever de conciliar os efeitos legais de duas pessoas que se relacionam. A formação da união estável é livre e o legislador deve respeitar a liberdade pela qual optaram. Situação na qual é fundamental apara a resolução dos problemas existentes entre os próprios companheiros com terceiros.

Nesse sentido, ainda segundo Lapazine e Cardoso (2018) é imprescindível uma normatização da união estável para que o julgador possa analisar o caso e buscar a solução mais justa. E por ter falta de regulamento, é um instituto frágil, pois os companheiros tomam suas decisões livremente sem a interferência do legislador e é dever do Direito de Família cuidar dos efeitos que essas relações causam perante a sociedade e até mesmo ao Estado. É importante ter como base a redação da Constituição Federal que considera a união estável como uma entidade familiar.

Boa parte da doutrina entende pela a validade da fiança prestada por fiador em união estável, sem a anuência de seu companheiro. Quanto às jurisprudências, boa parte das decisões, dizem que não é nula nem anulável a fiança prestada por pessoa convivente em união estável sem a anuência de outro companheiro. , Desse maneira, entende-se a não incidência da Súmula 332 do STJ "A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia" .à união estável, devido O STJ entender que a fiança prestada sem a outorga do companheiro é válida, pelo fato de ser impossível ao credor saber se o fiador vive ou não em união estável com alguém.
(...)
MELLO, Antonio Cesar; MELO, Raquel de. A outorga uxória na união estávelRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24n. 56942 fev. 2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/70221>. Acesso em: 2 fev. 2019.

Efeitos patrimoniais da união estável em relação ao casamento

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EFEITOS PATRIMONIAIS DA UNIÃO ESTÁVEL EM RELAÇÃO AO CASAMENTO

Para aquele que constituiu, o Código Civil permite a escolha do regime de bens dentre os que estão elencados doas Art. 1.658 a 1.688. Através do pacto antenupcial os nubentes podem optar por umas das opções constantes na lei, ou estabelecer o que melhor lhes aprouver sem que haja afronta ao texto legal, de acordo com a orientação do Art. 1.655 do Código Civil.

Entretanto não acontece da mesma forma com a União Estável, pois a constituição desta relação não necessita de qualquer declaração ou manifestação de vontade para que ela exista. Isso significa também que a sua constituição pode ser tácita, sem necessariamente, precisar ser escrita. (Oliveira e Benedito, 2017).

Dessa maneira, os conviventes têm a possibilidade de firmar contrato de convivência não havendo obrigatoriedade neste sentido. O Código Civil, nos artigos 1.725 e 1.640, determina que, havendo o silêncio no que condiz á escolha do regime ou contrato de convivência o regime adotado será, obrigatoriamente, o da comunhão parcial de bens (regime legal vigente) (Oliveira e Benedito, 2017). Esse regime está previsto nos artigos 1.658 a 1.666 do mesmo código.

Conforme preceitua Maria Berenice Dias (2015, p. 340) “quer no casamento, quer na união estável, o patrimônio adquirido durante o período de convívio pertence a ambos em partes iguais. A presunção é que foram adquiridos pela comunhão de esforços para amealhá-los”. E continua a autora, afirmando que cada um é titular da metade e tem direito à meação ele cada um dos bens. Esta copropriedade recebe o nome ele mancomunhão[4].

É importante ressaltar que os bens alcançados pela meação[5] são os adquiridos onerosamente na constância da relação, não havendo, necessidade de comprovação de esforço comum pois isso é presumido de forma absoluta pela lei, o que não permite um ou outro companheiro demonstrar que o outro não contribuiu para adquirir determinado bem.

Dessa maneira, a doutrina atual entende que é irrelevante a dependência econômica entre os parceiros ou, sendo ambos economicamente independentes, se um contribui mais do que o outro. Não se cuida, aqui, de assistência, nem de averiguar necessidade. Presumir condomínio implica descartar prova da colaboração para a aquisição patrimonial. Importa é haver ou ter havido família.

Vale fazer um adendo para dizer que os bens que entram na meação do casal são os bens adquiridos à título oneroso, como por exemplo, compra e venda, ou a título eventual, como nos casos de prêmios de loteria, bem como daqueles que se sub-rogarem em seu lugar.

O art. 1.659 do Código Civil trata dos bens que não se comunicam, ou seja, que não entram na meação daqueles que escolheram o regime parcial de bens, que é o caso da união estável, são eles:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Contribuindo com a solidificação desse entendimento o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que os rendimentos do trabalho recebidos durante a vigência ela sociedade conjugal integram o patrimônio comum na hipótese de dissolução do vínculo matrimonial, desde que convertida em patrimônio mensurável de qualquer espécie, imobiliário, mobiliário, direitos ou mantidos em pecúnia[6].

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MELLO, Antonio Cesar; MELO, Raquel de. A outorga uxória na união estávelRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24n. 56942 fev. 2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/70221>. Acesso em: 2 fev. 2019.

Da união estável

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INTRODUÇÃO
É assegurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 226, § 3º (Brasil, 2018), às pessoas que vivem em união estável, a mesma proteção jurídica conferida àquelas que optam pelo casamento. Pretende o Estado tutelar as entidades familiares, com intuito principal de garantir-lhes a dignidade, independentemente da forma familiar escolhida pelas partes. Assim, toda entidade familiar, independente de matrimônio, merece especial proteção, sem distinção a descriminação.

Nessa linha de pensamento e seguindo o entendimento da Constituição Federal de 1988, algumas leis infraconstitucionais específicas foram criadas na intenção de regulamentar a união estável nas suas diferentes formas (Neto, 2016). De início, a Lei nº 8971/94 que trazia o direito dos companheiros aos alimentos e à sucessão, já a lei nº 9278/96 foi pioneira no que diz respeito à definição e trouxe também alguns dos direitos e deveres dos companheiros, bem como regulamenta os aspectos patrimoniais da relação estável (Neto, 2016).

O dispositivo indica que os bens tanto móveis quanto imóveis, adquiridos pelo casal ao longo da relação e a título oneroso, pertencem a ambos em condomínio e em partes iguais, exceto se houver documento escrito determinando diferente (Neto, 2016). Além disso, a lei disciplina sobre o companheiro ter direito de habitação, a possibilidade de conversão da união estável em casamento e a competência das Varas de Família para conhecer tais.

Por sua vez, o Código Civil de 2002, no que diz respeito a esse tipo de relação, qual seja, a união estável, tem ampliando as garantias no campo patrimonial dos conviventes. Em seu art. 1725, o referido Código, prediz que em regimes de união estável aplica-se a comunhão parcial de bens, se não existir contrato escrito entre as partes (Brasil, 2018). Aqui encontra-se a questão chave e objetivo desse artigo, pois tendo a possibilidade da incidência das regras da comunhão parcial na união estável, questiona-se se há necessidade de outorga uxória[3] para que um dos companheiros possa celebrar contratos, acordos que importem alienação de bens imóveis do casal que foram adquiridos de forma onerosa na constância da união estável e que estão registrados somente em nome de um deles.

Para tanto, foi usado o método de pesquisa qualitativo, onde buscou-se informações em materiais e obras que tratam do assunto, com o intuito de aprofundar os conhecimentos sobre a temática sem é claro esgotar as informações sobre a mesma.

DA UNIÃO ESTÁVEL
Anteriormente chamada de concubinato, a união estável tem gênese no Direito Romano (Guimaraes 2003). Numa sociedade em que ricos e pobres não podiam casar-se, juntavam-se e viviam de maneira extramarital. Posteriormente a França, na idade contemporânea deu enfoque ao tema, tornando-se assim um referencial em princípios da sociedade (Manisk, 2014).

No Brasil, em se tratando de diplomas legais pode ser destacado o Código Civil de 1916, que trouxe vários atos discriminatórios, mas não aquém da realidade da sociedade da época. Nele ficou estipulado que família seria apenas a formada com o casamento (Dias, 2015).

Tal código trouxe vários atos discriminatórios, como por exemplo, não se tratar de uma forma legítima de família e ser discriminada pela sociedade civil. Com o advento da Constituição Federal de 1988 tais atos não foram recepcionados pela mesma. A Carta Magna em seu artigo 226, parágrafo 3º, diz que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua convenção em casamento” (Brasil, 2018).

Por sua vez, o Código Civil de 2002 tratou expressamente do concubinato/união estável. Todavia, as mudanças trazidas pelo então Novo Código Civil não foram significativas no que se refere à união estável, apenas acompanhando as tendências doutrinária e jurisprudencial, seguindo, basicamente, as Leis 8.971/94 e 9.278/96(Manisk, 2014).

Para Manisk (2014), a formação da sociedade conjugal entre um homem e uma mulher independe de normas pré-estabelecidas, bastando o interesse preponderantemente de cunho pessoal por parte dos conviventes. Nenhum regramento tem o condão de inibir essa forma natural de relacionamento. Ainda segundo Manisk (2014), a família resultante desta união informal de homem e mulher, sem as solenidades do casamento de papel passado vivendo como se marido e mulher fossem, denominava-se “concubinato”, significando uma vida em comum com aparência de casamento.

Para Coelho (2012) “A união estável caracteriza-se pela convivência entre o homem e a mulher desimpedidos, como se casamento fosse, baseada pela convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família, entre homem e mulher desimpedidos para o casamento. Dessa maneira, a união estável é a convivência entre duas pessoas desimpedidas mas para que para que seja caracterizada como tal, necessita cumprir alguns requisitos que a difere apenas do simples namoro.

Para findar a parte conceitual da união estável, vale mencionar a definição de Azevedo (2000) segundo o qual, a união estável é a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato.

Do ponto de vista prático, alerta Filho (2013) que a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal parece ser a mais sensata, uma vez que dada as grandes transformações a que se submeteu o mundo moderno, várias são as situações em que pessoas legalmente casadas não convivem sob o mesmo teto pelos mais variados motivos, e isto não faz com que esteja descaracterizado o casamento.

Ainda segundo Filho (2013), como a união estável é considerada entidade familiar pela Constituição Federal (art. 226, § 3º) e Código Civil (art. 1.723), não seria correto descriminá-la nesse ponto em relação ao casamento civil, e negar a sua existência pelo simples fato de não existir coabitação entre os companheiros.

Assim, para facilitar o entendimento do acima exposto, segue os referido dispositivos :

Art. 226 da CF/88 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Art. 1.723 do CC/02 – É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Assim, se antes para ser reconhecida a união estável era necessário um lapso temporal de cinco anos de convivência entre os cônjuges, hoje, por sua vez, os tribunais pátrios não têm fixado um tempo mínimo, bastando apenas que exista uma convivência reconhecida de forma pública.
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MELLO, Antonio Cesar; MELO, Raquel de. A outorga uxória na união estávelRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24n. 56942 fev. 2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/70221>. Acesso em: 2 fev. 2019.