segunda-feira, 28 de março de 2022

Reflexões sobre a renúncia do cônjuge à concorrência sucessória

 Priscila Corrêa da Fonseca

Na renúncia à concorrência sucessória, a par de não haver transação sobre herança de pessoa viva, o cônjuge declina de um direito, eliminando, destarte, qualquer interesse acerca da não preservação da vida do consorte.

quarta-feira, 23 de março de 2022

 

I - A INDESEJADA E INCONVENIENTE CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO CUJA UNIÃO É PRESIDIDA PELO REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS


O Código Civil, no artigo 1829, deferiu a concorrência sucessória ao cônjuge. Por consequência, todos aqueles casados sob o regime da comunhão parcial, como também aqueles consorciados sob a égide do regime da separação de bens passaram a concorrer com os descendentes - e, na falta destes, com os ascendentes-, à herança deixada por aquele que, em primeiro lugar, vier a falecer. 


Rompendo, desse modo, com a tradição de nosso direito e chocando frontalmente com as regras que permitem aos nubentes optar pelo regime de bens que melhor lhes aprouver, entre eles o da separação total de bens, o Código Civil outorgou ao cônjuge ou companheiro sobrevivente do consórcio presidido pelo regime da separação total a condição de herdeiro concorrente com os descendentes do consorte falecido.


Ou seja, muito embora pelo regime da separação convencional não se comuniquem os bens pertencentes a cada um dos consortes, mantendo-se eles, durante o matrimônio ou união estável, sob 


a exclusiva administração e livre disposição de cada um deles, o Código Civil conferiu ao cônjuge ou companheiro sobrevivente do relacionamento celebrado sob tal regime a condição de herdeiro em concorrência com os descendentes do falecido.


Tudo sob o pálio de não relegar aquele que já se achava desprovido de meação à míngua. Ora, ainda que o argumento pudesse prevalecer - o que não ocorre porque o mesmo e idêntico direito foi conferido ao cônjuge casado sob o regime da comunhão parcial que, como cediço, sempre teve como seu direito a meação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união -, o certo é que, ao assim estatuir, eliminou o Código Civil a única possibilidade de - por livre escolha - lograrem os consortes fazer reger a união por um regime de plena e total incomunicabilidade. Com a superveniência da regra do art. 1.829, I, do Código Civil, deixou o direito brasileiro de contemplar um único regime que pudesse ser alcunhado de plena e total separação de bens. Aquele atualmente regulado pelo art. 1.687, do Código Civil é de separação de bens em vida, de nada valendo, post mortem, a vontade externada em pacto. 


Ora, se os nubentes subscrevem o pacto almejando sacramentar o regime de absoluta separação de bens, permitir a quebra dessa manifestação de vontade após a morte de quem a externou significa, por óbvio, vilipendiá-la.


Não obstante, a observância literal, estrita e cega da norma do art. 1.829, I, do Código Civil, reina absoluta em nossa jurisprudência.


É bem verdade que, no ano de 2009, ou seja, após quase oito anos do início da vigência do Código Civil, o STJ fez proclamar, por duas vezes, que admitir que o consorte unido ao falecido sob o regime da separação convencional de bens se tornasse herdeiro, significaria 'clara antinomia entre os artigos 1.829, I, e 1.687 do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados dispositivos. No processo analisado [...] a ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo direito patrimonial da família, não pode ser toldada pela imposição fleumática do direito das sucessões porque o fenômeno sucessório 'traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida'1. 


Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.

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1 STJ, REsp 992749, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01.12.2009. "[...] No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido, sendo apenas afastada a concorrência quanto ao regime de separação legal de bens previsto no art. 1.641, do Código Civil [...]" (STJ, REsp 1.830.753-RJ, 3ª Turma, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 03.12.2019); "O convivente sobrevivente vinculado ao regime de separação convencional de bens, diferentemente do regramento correlato à separação obrigatória, ostenta a condição de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do falecido, a teor do que dispõe o art. 1.829, I, do CC/2002. Precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça. Determinação de confecção de novo plano de partilha, com a inclusão da agravante na qualidade de herdeira concorrente dos bens adquiridos após a firma do contrato de convivência. Os bens adquiridos anteriormente deverão ser considerados objeto de meação, inclusive para fins tributários, ante a impossibilidade de concessão de efeitos retroativos ao pacto correspondente ao regime patrimonial de regência da união estável" (TJSP, AI 2060912-65.2019.8.26.0000, 2ª Câm. Dir. Privado. Rel. Des. Rosangela Telles, j. 28.11.2019). 


Atualizado em: 23/3/2022 08:07


 https://www.migalhas.com.br/depeso/362139/reflexoes-sobre-a-renuncia-do-conjuge-a-concorrencia-sucessoria

domingo, 20 de março de 2022

Em seis dias, pai consegue na Justiça do Rio exoneração de alimentos pagos ao filho de 23 anos

 17/03/2022

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM
imagem por Photomix Company no Pexels

Em apenas seis dias, um pai conseguiu na Justiça do Rio de Janeiro a exoneração de alimentos pagos ao filho de 23 anos. O pleito teve a concordância do rapaz, o que, aliado a uma série de fatores, favoreceu a rapidez da sentença de procedência. A célere decisão é da 3ª Vara de Família da Regional da Barra da Tijuca do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ.

A maioridade civil, com a extinção do poder familiar, foi causa de extinção da obrigação alimentar, com base nos artigos 5º e 1.635, inciso III, do Código Civil.

“Considerando que o alimentando está atualmente com 23 anos, informa que concluiu seu curso superior e concordando com o pedido, declaro extinta a obrigação alimentar”, resumiu a juíza Marcia de Andrade Pumar. “Oficie-se à fonte pagadora determinando o cancelamento do desconto em folha”, concluiu a magistrada.

Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o advogado Leonardo Gomes Ferreira atuou no caso. “Ao contrário do que ocorre na maioria dos trâmites dos processos judiciais, o caso foi resolvido de forma célere, cuja sentença de procedência do pedido foi prolatada em apenas seis dias”, destaca.

Pontos importantes para a celeridade processual

O advogado elenca três pontos que foram importantes para obter do Poder Judiciário a prestação do serviço jurisdicional de forma rápida:

1. O advogado deve estar atento aos requisitos da petição inicial e os documentos obrigatórios que devem instruir a peça, contidos no artigo 319 e 320 do Código de Processo Civil. Isto porque, caso o dispositivo legal não seja atendido, haverá substancial perda de tempo para a emenda da petição, novo processamento e nova abertura de conclusão, o que demandará mais tempo.

2. Em respeito ao assoberbamento do Poder Judiciário e à insuficiência de servidores diante do número excessivo de processos judiciais, o advogado deve redigir uma petição inicial concisa e objetiva, contendo apenas os dados relevantes, elaborando pedidos claros e determinados.

3. Especificamente no caso concreto, isto é, quando o alimentando está de acordo com o fim do pensionamento, é de suma importância que se instrua a petição inicial com uma declaração dele neste sentido, além de procuração com poderes especiais para o mesmo advogado, de modo a evitar o ato da citação e abertura de prazo para resposta, o que, sem sombra de dúvida, irá fazer com que a marcha processual se protraia no tempo.

Segundo Leonardo, por se tratar de uma exoneração consentida, a ausência de resistência por parte do filho também fez com que o processo chegasse ao seu fim de forma mais rápida. “Contudo, os pontos a que chamei atenção acima reforçam a ideia de que o advogado é indispensável para administração da Justiça, conforme previsto no artigo 133 da Constituição Federal. Somam-se a isso servidores atentos e diligentes, imbuídos na missão de entregar o direito aos jurisdicionados em tempo razoável, como determina o princípio insculpido no artigo 4º do Código de Processo Civil – CPC”, conclui.

Leia a decisão no Banco de Jurisprudência do IBDFAM (acesso exclusivo para associados).

Processo 0001068-66.2022.8.19.0209


Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br

https://ibdfam.org.br/noticias/9460/Em%20seis%20dias,%20pai%20consegue%20na%20Justi%C3%A7a%20do%20Rio%20exonera%C3%A7%C3%A3o%20de%20alimentos%20pagos%20ao%20filho%20de%2023%20anos?utm_source=sendinblue&utm_campaign=Boletim%20IBDFAM%20705%20STJ%20julga%20possibilidade%20de%20reconhecimento%20de%20parentesco%20socioafetivo%20post%20mortem&utm_medium=email

STJ julga possibilidade de reconhecimento de parentesco socioafetivo post mortem

 17/03/2022

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do Migalhas e www.rodrigodacunha.adv.br)
magem por Son Bom no Pexels

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ vai definir se é possível o reconhecimento do parentesco socioafetivo post mortem entre “irmãos de criação”. O caso concreto trata-se de irmãos e uma mulher já falecida, criada pelos pais deles, que também já morreram. O julgamento está suspenso após pedido de vista do relator, ministro Marco Buzzi.

O pedido dos autores foi negado em primeiro e segundo grau, com o entendimento de que a “irmã de criação” e os pais não buscaram tal reconhecimento em vida. Para o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, a parentalidade socioafetiva “não pode servir unicamente para atribuir direitos sucessórios aos autores”.

O relator no STJ, ministro Marco Buzzi, já havia votado para dar provimento ao recurso dos irmãos. No entanto, na retomada do julgamento na terça-feira (15), sinalizou que pode reajustar o seu voto e, por isso, pediu vista. Já votou o ministro Raul Araújo, para quem não é possível o reconhecimento do parentesco.

Segundo Araújo, a lei civil estabelece que a existência do parentesco colateral exige, necessariamente, o ascendente comum. Pontuou que não há prévio reconhecimento de filiação socioafetiva entre a falecida e os supostos pais, também falecidos, seguindo o mesmo entendimento das instâncias ordinárias.

O ministro divergiu do voto inicial do relator, negando provimento ao recurso. “Ainda que se tenha como possível, em abstrato, a pretensão ao reconhecimento de parentesco socioafetivo, este somente se admite a partir da existência da prévia relação entre ‘pai e filho’ e ‘filho e filha’, com base na posse do estado de filho.”

REsp 1.674.372

Tese de fraternidade socioafetiva

A tese de fraternidade socioafetiva foi apresentada pelo advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, em julgamento de 2006. No caso pioneiro, três irmãs que conviveram durante 30 anos com um “irmão de criação” pediam a declaração de socioafetividade e reconhecimento de última vontade testamental.

Rodrigo lembrou do caso em entrevista concedida em 2020: “Ele era solteiro, não tinha descendentes, ascendentes e nem irmãos biológicos. Ao falecer, seus parentes mais próximos moravam fora do país, e só souberam da morte dele muito tempo depois, pois não tinham nenhum vínculo de afeto. Apesar disto, pela regra do Código Civil, eles seriam os herdeiros desse homem, que mal conheciam”.

Em testamento, o homem havia deixado todos os seus bens para as irmãs socioafetivas, mas não chegou a concluir o documento. “Nós, advogados, devemos entrar em cena para defender o justo, ainda que em detrimento da regra rígida e fria da lei. Aliás, esse é o nosso velho dilema: entre o justo e o legal, nem sempre coincidentes, é nossa posição ética ir atrás daquilo que é justo”.

Socioafetividade já está sedimentada na doutrina e jurisprudência

Segundo o advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do IBDFAM, a possibilidade de reconhecimento post mortem de irmandade socioafetiva ainda é uma questão nova sob o ponto de vista jurisprudencial. A conclusão dos ministros do STJ deverá ter grande utilidade para a comunidade jurídica, de acordo com o especialista.

“O reconhecimento de vínculo socioafetivo como passível de estabelecer um parentesco já é algo sedimentado na doutrina e na jurisprudência brasileira há mais de três décadas. Os vínculos mais conhecidos e reiterados certamente são os de paternidade, que deram impulso a essa temática. Também se tornaram mais comuns os casos de maternidade socioafetiva. Usualmente, temos as referências doutrinárias e jurisprudenciais mais atrelados aos laços filiais”, comenta Calderón.

Recentemente, decisões que procuram declarar judicialmente outros vínculos socioafetivos, para além da filiação, têm-se tornado recorrentes. Em janeiro, uma mulher teve reconhecida, na Justiça de Minas Gerais, a avosidade socioafetiva estabelecida com neta biológica de seu marido.

“O consolidado reconhecimento da afetividade como um princípio do Direito de Família brasileiro demonstra que, em abstrato, é possível a postulação de outras espécies de vínculos de parentesco lastreados no mesmo elo, como é o caso de uma irmandade socioafetiva. A doutrina especializada já defende isso e percebemos, agora, que os casos vêm chegando com mais frequência aos tribunais.”

Contornos fáticos da situação sub judice

Merece relevo, no caso concreto em análise pelo STJ, os contornos fáticos dessa situação sub judice. “Em tese, parece que não existem óbices jurídicos para um reconhecimento de outros laços parentais para além da filiação, mas é necessário analisar o caso concreto para que se verifique se a dada situação justifica uma declaração judicial dessa magnitude”, destaca Ricardo Calderón.

“O pedido de reconhecimento post mortem é uma peculiaridade que não pode ser ignorada, de acordo com o advogado. Além disso, há um litígio quanto à declaração desse vínculo, o que também precisa ser observado. Por fim, ao que me parece, não há uma demonstração ou prova clara e contundente da relação declarada nos autos entre os supostos irmãos socioafetivos, nem mesmo da filiação socioafetiva desses irmãos com o pais da falecida.”

O advogado acrescenta: “Essas delineações demonstram a importância da prova fática e da existência dos elementos necessários para o reconhecimento dos vínculos socioafetivos. Esse aspecto é central em casos do estilo em Direito de Família. Ao que se noticia, o STJ está se debruçando sobre as provas e elementos fáticos para dar a deliberação final”.

Há uma preocupação para que a pretensão não tenha como objetivo único e exclusivo a questão patrimonial. “A consolidação dos laços socioafetivos, consagrada no Direito brasileiro, não pode ser utilizada de modo abusivo, distorcido ou apenas a conferir direitos patrimoniais indevidos ou descabidos. Esse pano de fundo noticiado nos contornos dessa causa pode também tensionar a decisão para um lado ou outro.”

“Essa discussão também traz essa temática de uma pretensão patrimonial sucessória, um dos escopos da demanda. O interesse patrimonial também será levado em conta pelos julgadores para verificar a adequação ou inadequação do pleito apresentado. Há uma atenção para se evitar uma patrimonialização excessiva da declaração de vínculos afetivos. O contexto fático vai orientar os ministros no encontro da melhor solução.”

STJ deve dar sinalização importante sobre o tema

O especialista lembra que a possibilidade de reconhecer uma irmandade socioafetiva post mortem vai além desse caso em análise. “Não podemos perder de vista que o STJ julga casos concretos e também fica vinculado à situação que é posta e, em especial, às provas que são ou não apresentadas nos casos sob julgamento”, ressalta Ricardo Calderón.

“A postulação de uma irmandade socioafetiva é certamente inovadora. Traz, a reboque, diversas questões jurídicas profundas que demandam certa reflexão, lembrando que os aspectos fáticos também permeiam o entendimento final sobre essa causa. Tanto é assim que os ministros estão analisando minuciosamente a demanda.”

O pedido de vista apresentado pelo relator, ministro Marco Buzzi, indicando possível mudança de entendimento, demonstra a riqueza do tema. “Em breve, deveremos ter uma sinalização importante sobre um tema novo e que pode servir de orientação para outras causas do estilo.”


Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br

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O ente público pode intervir incidentalmente na ação possessória entre particulares?

 Jammil Holanda Freitas

Publicado em .

É possível alegar incidentalmente o domínio em ação possessória?

Imagine determinada situação: um indivíduo ajuíza ação de reintegração de posse em face de outra pessoa, alegando que esta invadiu sua propriedade. A União, por sua vez, apresenta oposição, alegando que a propriedade objeto da lide, em verdade, pertence ao Poder Público. Aqui um detalhe: ocupação de bem público não constitui posse, mas mera detenção, de natureza precária (Súmula 619 do STJ).

Voltando ao exemplo proposto, o Juízo ao analisar o pleito da União, negou a intervenção do ente estatal, com base no artigo 557 do Código de Processo Civil. De acordo com o Magistrado, mesmo se tratando de bem público, na ação possessória não se discute propriedade (domínio). Cabe a indagação: acertou o juízo? 

Antes de analisar a questão, veja-se o teor do mencionado dispositivo processual:

"Art. 557. Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa.

Parágrafo único. Não obsta à manutenção ou à reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa."

O dispositivo processual supra tem por objetivo obstar a ampliação do escopo das demandas possessórias, a fim de que nelas não haja discussão sobre o direito de propriedade. Caso não houvesse tal vedação, a celeridade dessas ações estaria comprometida. Fica evidente, assim, que o ordenamento pátrio promove uma clara distinção entre posse e propriedade, de forma que tais elementos não se confundem.

O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça. A Corte esclareceu que, no caso, a União não quer ver declarada a sua propriedade; em verdade, ela usa a demonstração da propriedade, apenas incidentalmente, para alegar seu direito à posse.

Ao tratar dos bens públicos, não se pode exigir dos entes estatais que demonstre o poder físico sobre eles, a fim de caracterizar a posse dos referidos bens. Tal procedimento se revela incompatível com amplitude das terras públicas, sobretudo quando se leva em consideração bens de uso comum e dominicais.

A posse do Estado sobre seus bens deve ser considerada permanente, apartada de atos materiais de ocupação, sob pena de tornar inviável conferir aos bens públicos a proteção possessória. A decorrência lógica disso é que a ocupação de tais bens por particulares não consubstancia somente um ato contrário à propriedade estatal, mas, outrossim, um verdadeiro ato de esbulho contra a posse da Administração Pública sobre esses bens.

Na ocasião, a Corte Especial registrou que a interpretação literal do artigo 557 do CPC/15 no sentido de que, pendente ação possessória, é vedada discussão fundada no domínio parece, de certa forma, afrontar a garantia do acesso à justiça, prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Não se pode conceber, segundo o STJ, que o Ente Público, sendo titular do direito de exercício de posse sobre o bem estatal, possa ser inibido de postular em juízo a observância do direito, simplesmente, pelo fato de particulares se anteciparem e discutirem a posse do bem entre eles.

Com o escopo de se encontrar para o artigo 557 uma interpretação em consonância com as garantias constitucionais, é preciso compreender a vedação nele contida de forma restrita, não ampliativa.

Não há, portanto, proibição de se alegar incidentalmente o domínio em ação possessória. Em outras palavras, não se pode admitir que a literalidade do referido preceito normativo possa inviabilizar a prestação de tutela jurisdicional para a defesa da posse dos bens públicos pelo titular do direito material em disputa.


REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 17 fev. 2022.

Súmula 619 do STJ: A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias.

Súmula 637 do STJ: O ente público detém legitimidade e interesse para intervir, incidentalmente, na ação possessória entre particulares, podendo deduzir qualquer matéria defensiva, inclusive, se for o caso, o domínio.

STJ. Corte Especial. EREsp 1.134.446-MT, Relator Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 21/03/2018.

Fonte: FREITAS, Jammil Holanda. O ente público pode intervir incidentalmente na ação possessória entre particulares?Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27n. 683519 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96895. Acesso em: 20 mar. 2022.

segunda-feira, 7 de março de 2022

Campanha visa alterar certidões de nascimento com o pai ausente: em um ano, 168 mil crianças foram registradas sem a paternidade

 VitorTobias

Apenas de janeiro de 2021 a janeiro de 2022, cerca de 168 mil crianças foram registradas no país sem o nome do pai. Buscando enfrentar esse vácuo nas certidões de nascimento, uma campanha nacional desenvolvida pelo Colégio Nacional das Defensoras Defensores Públicos-Gerais (Condege) se apresenta como um alternativa para resolver casos simples e complexos.

Reprodutor de vídeo de: YouTube (Política de PrivacidadeTermos)

"Esse cenário tem múltiplas explicações. Há pais que não sabem que têm filhos, que não os reconheceram voluntariamente, que às vezes não estiveram presentes no nascimento. Há também pais que faleceram antes e as pessoas não tiveram a compreensão e o entendimento de que podem fazer constar", explica Domilson Rabelo da Silva Júnior. Defensor público-geral do estado de Goiás e vice-presidente do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), ele é também o coordenador nacional da campanha Meu Pai Tem Nome.

Após uma triagem, os interessados poderão ser convocados para o mutirão, que na maioria dos estados será no dia 12 de março (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)© Fornecido por Bolavip Brasil Após uma triagem, os interessados poderão ser convocados para o mutirão, que na maioria dos estados será no dia 12 de março (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Os interessados na alteração da certidão de nascimento devem se inscrever. O procedimento é realizado junto às Defensorias Públicas de cada estado, geralmente através da internet ou pelo telefone. É preciso ficar atento aos prazos que não é unificado no país. Por exemplo, no Rio de Janeiro, a inscrição está aberta até segunda-feira (7) e, em Santa Catarina, até quarta-feira (9). Após uma triagem, os interessados poderão ser convocados para o mutirão, que na maioria dos estados será no dia 12 de março. No últimos dias, diferentes órgãos têm anunciado que as metas estão sendo superadas. No Ceará, por exemplo, já há quase 500 agendamentos.

Segundo o Portal da Transparência do Registro Civil mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), entre o início de 2016 e o fim de 2021, 874 mil crianças foram registradas no Brasil sem o nome do pai. As regiões Sudeste e Nordeste concentram o maior volume de ocorrências: juntas elas respondem por 65% do total. Mas é no Norte onde há proporcionalmente mais casos: o pai está ausente em 8% das certidões de nascimento.

Fonte: https://www.msn.com/pt-br/esportes/futebol/campanha-visa-alterar-certid%C3%B5es-de-nascimento-com-o-pai-ausente-em-um-ano-168-mil-crian%C3%A7as-foram-registradas-sem-a-paternidade/ar-AAUH03a?ocid=msedgdhp&pc=U531