terça-feira, 30 de outubro de 2018

Capacidade civil e deficiência mental: novas perspectivas na vigência da lei 13.146/2015

Por Angeline Altair da Silva, do núcleo de Inovação e Gestão Jurídica do IEAD

Publicado por Instituto de Estudos Avançados em Direito

Lei 13.146/15 – que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), advinda da aprovação do texto da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Nova York, 2007) – é assunto polêmico na comunidade jurídica e vem sendo explorado por cuidar de tema que causa grande impacto não somente no âmbito jurídico, mas também na sociedade como um todo; pois, agora, os indivíduos portadores de qualquer deficiência, inclusive mental (independente do grau), até mesmo psicopatas, passam a ter capacidade plena, podendo inclusive, constituir união estável, casar e exercer guarda e curatela de outrem.

Aborda-se a relação existente entre capacidade civil e deficiência mental, bem como os avanços, retrocessos ou simplesmente, as novas perspectivas, na vigência da Lei 13.146/15. A teoria das capacidades (de fato e de direito), os elementos que caracterizam a capacidade civil¹ do indivíduo, e sua correlação com a insuficiência mental, de modo a verificar se a alteração legislativa promoveu proteção (dignidade-vulnerabilidade) ou se houve tão somente igualdade (dignidade-liberdade) e/ou inversão dos institutos já previstos nos artigos e , e 114 a 116, CC/02.

Na antiga redação do art. , CC/02, eram absolutamente incapazes: os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Com a entrada em vigor da Lei n. 13.146/15 – todos os três incisos do art. , CC, foram revogados, exceto o que tange ao menor de 16 anos, este continua a ser absolutamente incapaz quanto aos atos da vida civil.

O conteúdo do art. , CC, também foi alterado. A redação previa que eram relativamente incapazes a certos atos, ou à maneira de os exercer: os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo e os pródigos.

São considerados relativamente incapazes os ébrios habituais e os viciados em tóxico e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não possam exprimir sua vontade. Verifica-se que os indivíduos portadores de qualquer deficiência (inclusive mental) passam a ter capacidade plena, podendo inclusive, constituir união estável, casar e exercer guarda e tutela de outrem (previsão expressa no art. , Lei 13.146/15).

Flávio Tartuce explica que da alteração legislativa se extrai que, agora, somente os menores de dezesseis anos serão considerados como absolutamente incapazes, de modo que não há maiores absolutamente incapazes e o escopo da Lei foi a “plena inclusão da pessoa com algum tipo de deficiência, tutelando a dignidade humana dela”. O antigo Estatuto da Pessoa com deficiência bem como o Código Civil, e demais legislações, tratavam tais pessoas como vulneráveis, no entanto, a nova sistemática substituiu a dignidade-vulnerabilidade pela dignidade-liberdade.

Na acepção da dignidade-vulnerabilidade, protege-se a dignidade da pessoa considerando-a vulnerável em relação aos demais. O antigo art. , incisos II e III, CC, então, conferia incapacidade absoluta (além dos menores de dezesseis anos) àqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem o necessário discernimento e àqueles que, por causa transitória, não pudessem exprimir a própria vontade, isto é, caso praticassem pessoalmente os atos da vida civil, estes seriam nulos² de pleno direito pelo ordenamento pátrio (art. 166, inciso I, CC). O art. , CC, também sofreu alterações pontuais diante da vigência da Lei 13.146/2015, mas continua conferindo o instituto da incapacidade relativa, ou seja, caso os atos da vida civil sejam pessoalmente praticados, tais atos são anuláveis³ (art. 171, inciso I, CC).

Interessante observar que as seguintes expressões foram completamente abolidas: “deficiência mental”, “excepcionais”, “sem desenvolvimento mental completo” e “discernimento reduzido”. O Professor Cristiano Sobral sintetizou algumas situações: i) não há falar em ação de interdição absoluta no sistema civil; ii) todos que eram absolutamente incapazes passam a ser, em regra plenamente capazes, valorizando, assim, a chamada dignidade-liberdade e se afastando a dignidade-vulnerabilidade; iii) podemos em certos casos, chamar de relativamente incapazes, aqueles que eram absolutamente incapazes 4 .

Para os Juízes de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em exercício na Vara de Família, Infância, Juventude e idoso, Aline Maria G. Massoni da Costa e Eric Scapim Cunha Brandão (denominados COSTA e BRANDÃO) 5, a Lei 13.146/15 teve o claro objetivo de promover os direitos humanos das pessoas com deficiência, proporcionando integração e inclusão destas na sociedade, de modo a garantir seus direitos e liberdades fundamentais, plena e equitativamente.

O art. 12 (Convenção), prevê que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, em diversos aspectos da vida. COSTA e BRANDÃO entendem que, para fins de incapacidade absoluta, o legislador apenas utiliza o critério cronológico; pois, abole-se o critério biológico/psíquico/intelectual, o qual rotulava como absolutamente incapaz os indivíduos com alguma enfermidade mental. Ademais, os juízes acima mencionados sustentam que foram materializados os objetivos da Convenção Interamericana, na legislação infraconstitucional brasileira, de modo que afirmam: “(...) nada mais razoável que a pessoa com deficiência seja plenamente capaz para o exercício dos direitos pessoais, não dependendo de terceira pessoa para praticar atos jurídicos; desde que este possa expressar sua vontade, este é considerado plenamente capaz”.

Interessante observar a ressalva feita por COSTA e BRANDÃO, a qual a pesquisadora do presente trabalho concorda, no sentido de que isso não significa que as alterações promovidas aniquilaram o instituto jurídico das incapacidades, no caso das pessoas com enfermidade ou deficiência mental. Embora a regra seja a da “capacidade”; quando o indivíduo não puder exprimir sua vontade de forma livre e consciente, dever-se-á reconhecer e decretar a incapacidade daquele indivíduo.

COSTA e BRANDÃO salientam que, em momento algum, desprestigia-se os objetivos alcançados com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência física e, pelo Novo Estatuto. O escopo maior é garantir dignidade e proteção ao indivíduo. Caso este não possa expressar a própria vontade, encontrando-se, obviamente, vulnerável, de modo que se deve sim aplicar a ele a teoria das incapacidades, que, aliás, tem caráter protetivo. Referida teoria não aniquila a almejada inclusão, ao contrário, garante maior proteção a quem continua a exercer direitos e deveres na sociedade, ainda que com o auxílio de terceiro.

O art. 84, § 1º, Lei 13.146/15, expressamente consigna que o indivíduo com deficiência, quando necessário, deverá submeter-se à curatela, com isso, verifica-se claramente, que a efetivação da inclusão deve ser analisada caso a caso. Conclui-se que para a maioria das deficiências (exemplo: física, sensorial ou motora), pode aplicar a dignidade-liberdade, contudo, em se tratando de doença ou deficiência mental, defende-se que ainda prevaleça o instituto da dignidade-vulnerabilidade, de modo a evitar atropelos e incoerências, sociais ou jurídicas.

Angeline Altair da Silva é advogada, atua no escritório Marques Sandre e em processos particulares – cíveis e trabalhistas, pós-graduação em direito civil e processual civil, Membro do núcleo de Inovação e Gestão Jurídica do Instituto de Estudos Avançados em Direito, Membro da Comissão Especial de Estudos Processuais da OAB-Goiás, Palestrante em escolas públicas do Estado de Goiás.

Seu e-mail para contato é angeline@apjur.adv.br
Está no instagram como @angelinejur e no Facebook como Angeline Altair da Silva.

1 Capacidade civil é o grau de aptidão da pessoa para adquirir direitos e praticar, por si ou por outrem, atos não proibidos. (FREITAS, 1952, p. 24-25).

2 O ato NULO padece por vício insanável, não pode ser convalidado, não produz efeitos válidos entre as partes, e compromete direito de terceiro. Disponível em: <http://www.forumconcurseiros.com/forum/forum/disciplinas/direito-administrativo/atos-administrativos.... Acesso em: jan. 2018.

3 O ato ANULÁVEL possui vício sanável e pode ser convalidado, diante disso, produz efeitos válidos entre as partes, e não compromete direito de terceiro. Loc. Cit. Acesso em: jan. 2018.

4 PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Código Civil anotado. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Editora JusPodivm, 2017. Disponível em: < https://www.editorajuspodivm.com.br/cdn/arquivos/e7d051808de2d218d2a34dd00f7c9e99.pdf>. Acesso em: jan. 2018.

5 COSTA, Aline Maria Gomes Massoni da, e BRANDÃO, Eric Scapim Cunha. Artigo: As alterações promovidas pela Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da pessoa com deficiência) na teoria das incapacidades e seus consectários. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/documents/ 10136/3543964/artigo-interdicao.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2018.

Fonte: https://ieadireito.jusbrasil.com.br/artigos/643324112/capacidade-civil-e-deficiencia-mental-novas-perspectivas-na-vigencia-da-lei-13146-2015?utm_campaign=newsletter-daily_20181030_7746&utm_medium=email&utm_source=newsletter&fbclid=IwAR1jy1jMHDblz0SjvzlY9j2GpWULypgw-PbU0mPqi75Vk-mccKW2dipg3M8

Reajuste de plano de saúde coletivo por idade tem respaldo normativo e na realidade da vida

Decisão é do TJ/DF.
segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A 1ª Turma Cível do TJ/DF manteve sentença que entendeu não ser abusivo reajuste da mensalidade de plano de saúde coletivo tendo por base critério etário.
O cerne da controvérsia tratou da aferição da legalidade do reajuste da mensalidade do plano de saúde coletivo contratado após atingida a última faixa etária - 59 anos ou mais. A parte alegou violação ao Estatuto do Idoso, diante de tratamento discriminatório com base no critério etário.
Em 1º grau, os pedidos foram julgados improcedentes porquanto “visam apenas manter o equilíbrio atuarial do sistema, para que o patrocínio não se torne oneroso, também em face de outros participantes, permitindo a continuidade da cobertura”.
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O relator da apelação, desembargador Teófilo Caetano, consignou que nos planos de saúde coletivos os índices de reajuste por variação de custos são definidos com observância de cálculos atuariais, não estando sujeitos à aprovação nem vinculados aos parâmetros firmados pela ANS.
A compartimentação dos reajustes das mensalidades do plano de saúde de conformidade com a variação etária do participante encontra respaldo normativo e na realidade da vida, que é refletida na base atuarial manejada pelas seguradoras com lastro precipuamente no aumento da sinistralidade decorrente do simples incremento da idade, não se afigurando viável que, sem comprovação de previsão discriminatória desguarnecida de lastro atuarial, seja reputada como abusiva a aplicação do reajustamento previsto para a derradeira faixa etária desde que convencionado o plano e estabelecidas as faixas etárias na conformidade da regulação suplementar (Lei nº 9.656/98, arts. 15 e 16, IV; Resolução ANS nº 63/03).
Conforme o relator, no caso em exame, o contrato firmado entre as partes previra expressamente o incremento da contraprestação dos beneficiários em função da mudança de faixa etária.
Destarte, considerando que o contrato fora firmado em 2008, a aplicação do reajuste por faixa etária nele estabelecida não é ilegal, porquanto observara as faixas etárias e os limites percentuais entre elas, conforme previsto na Resolução ANS 63/2003.”
O desembargador também anotou no voto que em se tratando de plano de saúde coletivo, não se lhe aplicam os limites percentuais de reajustes fixados pelas resoluções da ANS, porquanto se referem a reajustes de planos individuais de saúde.
A decisão do colegiado em negar provimento à apelação foi unânime, e incluiu também a majoração dos honorários advocatícios impostos à apelante.
O escritório Advocacia Fontes Advogados Associados S/S atuou na causa pela Vision Med Asssistencia Médica Ltda.
Veja o acórdão.

Resolução define com clareza conceito de violência contra animais

Pela 1ª vez, resolução estabelece definições como “crueldade” e “maus-tratos” contra animais.
terça-feira, 30 de outubro de 2018

Foi publicado no DOU desta segunda-feira, 29, a resolução 1.236/18, que define e caracteriza conceitos como crueldade, abuso e maus-tratos contra animais. É a 1ª vez que uma norma conceitua e exemplifica estes tipos de violência.
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De acordo com a resolução, os seguintes conceitos são definidos como:
  • Maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais;
  • Crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus tratos continuamente aos animais;
  • Abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual.
A resolução considera maus-tratos quem, por exemplo, mantém o animal sem acesso adequado a água, alimentação e temperatura compatíveis com as suas necessidades (art. 5º, VIII). Outra conduta considerada como maltrato é a submissão do animal a eventos, ações publicitárias, filmagens, exposições e/ou produções artísticas e/ou culturais para os quais não tenham sido devidamente preparados física e emocionalmente ou de forma a prevenir ou evitar dor, estresse e/ou sofrimento.
A norma também define os deveres de médicos veterinários e o zootecnistas. Pela norma, os médicos veterinários e zootecnistas têm o dever de "previnir e evitar atos de crueldade, abuso e maus-tratos" por meio da recomendação de procedimentos "alinhados com as necessidades fisiológicas, comportamentais, psicológicas e ambientais das espécies".
Veja a íntegra da resolução.