segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Do instituto da outorga uxória


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DO INSTITUTO DA OUTORGA UXÓRIA

A outorga conjugal ou uxória diz respeito a uma autorização que é dada por um dos cônjuges a fim de que o outro possa realizar atos de disposição do seu patrimônio. Trata-se, pois, de um instituto do direito civil para assegurar as transações patrimoniais de um casal, a fim de garantir ciência dos atos de disposição à ambos e evitar prejuízo ou indução à erro de eventual terceiro adquirente (Benedito e Oliveira, 2017).

De acordo com Rocha (2014), como norma jurídica, a outorga conjugal teve sua origem no Direito Germânico. O Morgengabe é uma parte dos bens do marido que é doado à esposa exatamente no dia seguinte ao do matrimonio. Como após a morte do marido seria garantida a posse desses bens à mulher, exigia-se, a outorga da esposa para alienação dessa parte do patrimônio enquanto o marido estivesse vivo.

Essa linha de pensamento podemos destacar que na sociedade brasileira, por séculos, a mulher casada era vista como que uma propriedade do marido e isso refletia no direito civil que a considerava relativamente incapaz, não podendo dispor sobre os bens do casal, daí a necessidade de outorga conjugal para de certa forma, proteger o patrimônio da esposa.

O objetivo da outorga uxória, consentimento de ambos os companheiros para o aval ou a fiança, é prevenir a dilapidação do patrimônio do casal por um dos conviventes, ou seja, caso um dos companheiros venha a prestar fiança ou aval, deverá obter a permissão do outro companheiro, para evitar futuros conflitos em uma eventual partilha, bem como preservar o terceiro de boa-fé envolvido. Quanto à sua necessidade no regime de união estável não há nada expresso no ordenamento jurídico brasileiro e tampouco uma definição doutrinária ou jurisprudencial, fato que traz grande dilema quanto a validade dos contratos celebrados por apenas um dos companheiros.

Isto se justifica, de acordo com Lapazine e Cardoso (2018) pelo fato de que a união estável não é um ato jurídico formal no qual se tem a publicidade do estado civil dos contratantes, pois mesmo existindo uma escritura pública entres os conviventes, esta nem sempre relata o início e o termino da união, bem como não altera o estado civil dos mesmos. Assim, pertinente a discussão se é anulável ou não a fiança prestada por convivente em união estável.

Para Tartuce (2011), com base no artigo 5º da Lei 9278/96 e artigo 1725 do Código Civil, diz que, os bens adquiridos onerosamente durante a união estável, pertencem a ambos os companheiros de forma igualitária e caso o terceiro, de boa-fé, tenha conhecimento de vínculo existente entre os companheiros, o mesmo deve exigir a anuência de ambos para que a alienação de bens tenha garantia plena.

Ainda segundo o autor, se a aplicação do artigo 1725 do CC é extensiva à união estável, sendo forma de entidade familiar, não pode sofrer limitações ou discriminações em comparação ao casamento civil, bem como, é válido dizer, que a união estável não pode gozar de privilégios processuais pelo fato de não ter regras específicas assim como o casamento civil.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma inovação que não resolve de imediato a questão da alienação de bens sem consentimento do companheiro. Na verdade, o novo código trouxe à tona uma nova polêmica que, no âmbito jurisprudencial parece ser a mais acertada a decisão que considerar a publicidade da União Estável para a aplicação ou não no art. 73 do referido dispositivo. Vale a leitura do art. 73 a saber:

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;
II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;
III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;
IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos.

Neste sentido, alerta Benedito e Oliveira (2017) que, ao solicitar ao Cartório de Registro de Imóveis as certidões atualizadas dos imóveis, bem como as certidões de ônus e ações reais reipersecutórias, o terceiro interessado estará ciente da situação existente que poderá tornar nulo o contrato.

Ainda, segundo Benedito e Oliveira (2017) exigir do contratante a busca por informações referentes a União Estável do fiador, é conferir a ele tarefa quase impossível que além de prejudicar os atos contratuais, irá prejudica-lo demasiadamente no âmbito econômico, posto que, dessa maneira, estar-se-ia criando uma maneira pela qual é possível agir de má fé e beneficiar-se, utilizando-se da lei. Em consonância, o Juiz, nas ações que versarem sobre imóveis de conviventes fica impossibilitado de saber a existência da união estável sem que o autor o declare ou que esta esteja averbada à margem do registro do imóvel objeto do litígio.

A matéria da necessidade da outorga uxória na união estável sempre foi acompanhada de incertezas e com isso foi reconhecida juridicamente como uma união de fato, posteriormente criando seus efeitos legais. A união estável busca se adaptar à evolução dos costumes e da sociedade; é reconhecida como entidade familiar, sendo uma situação fática decorrente do cotidiano. Na prática, conforme Lapazine e Cardoso (2018) o Direito tem o dever de conciliar os efeitos legais de duas pessoas que se relacionam. A formação da união estável é livre e o legislador deve respeitar a liberdade pela qual optaram. Situação na qual é fundamental apara a resolução dos problemas existentes entre os próprios companheiros com terceiros.

Nesse sentido, ainda segundo Lapazine e Cardoso (2018) é imprescindível uma normatização da união estável para que o julgador possa analisar o caso e buscar a solução mais justa. E por ter falta de regulamento, é um instituto frágil, pois os companheiros tomam suas decisões livremente sem a interferência do legislador e é dever do Direito de Família cuidar dos efeitos que essas relações causam perante a sociedade e até mesmo ao Estado. É importante ter como base a redação da Constituição Federal que considera a união estável como uma entidade familiar.

Boa parte da doutrina entende pela a validade da fiança prestada por fiador em união estável, sem a anuência de seu companheiro. Quanto às jurisprudências, boa parte das decisões, dizem que não é nula nem anulável a fiança prestada por pessoa convivente em união estável sem a anuência de outro companheiro. , Desse maneira, entende-se a não incidência da Súmula 332 do STJ "A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia" .à união estável, devido O STJ entender que a fiança prestada sem a outorga do companheiro é válida, pelo fato de ser impossível ao credor saber se o fiador vive ou não em união estável com alguém.
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MELLO, Antonio Cesar; MELO, Raquel de. A outorga uxória na união estávelRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24n. 56942 fev. 2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/70221>. Acesso em: 2 fev. 2019.

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