sábado, 19 de janeiro de 2013

A garantia de inamovibilidade

1 CONCEITO DE INAMOVIBILIDADE

A Constituição Federal[1] não apresenta definição para o termo “inamovibilidade”, apenas traz as previsões dos cargos por ela beneficiados: Defensoria Pública (artigo 134, § 1º); juízes (art. 95, II); e membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, b). Carrega em si hipóteses em que esta garantia será quebrada, porém, em nome do interesse público.
Segundo o Dicionário Jurídico[2], inamovibilidade é “a situação do servidor público civil, vitalício, que não é sujeito a remoção ou transferência”.
Sobre o tema, aponta SILVA[3]:
Inamovibilidade. Refere-se à permanência do juiz no cargo para o qual foi nomeado, não podendo o tribunal e menos ainda o governo designar-lhe outro lugar, onde deva exercer suas funções (art. 95, II). Contudo, poderá ser removido por interesse público em decisão pelo voto da maioria absoluta do tribunal a qual estiver vinculado (art. 93, VIII). No entanto, o magistrado pode ser removido, a pedido ou por permuta com outro magistrado de comarca de igual entrância, atendidas, no que couber, as regras previstas nas alíneas a, b, c e e do inc. II do art. 93, referentes às promoções; mas pode também ser removido compulsoriamente, por interesse público por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa.
Os membros do Ministério Público, diante da necessidade de ampla liberdade funcional, assim como maior resguardo para o desempenho de suas funções, contam com as garantias de inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, uma vez que são “necessárias ao pleno exercício de suas elevadas funções.”[4]
Tal garantia também é prevista constitucionalmente para os Defensores Públicos. Segundo MENEZES[5], a inamovibilidade prevista como sanção em legislação infraconstitucional é inconstitucional:
A inamovibilidade encontra sede constitucional no parágrafo único do art. 134 e consiste na vedação da remoção do Defensor Público do órgão de atuação onde o mesmo esteja lotado para qualquer outro independentemente de sua vontade, ou seja, de forma compulsória. Conclui-se, pois, que a remoção compulsória prevista como sanção no art. 50, § 1°, inciso III e § 4° da Lei Complementar n° 80/94 é inconstitucional, pois estabeleceu em nível infraconstitucional limitação à garantia da inamovibilidade, quando a norma constitucional não prevê qualquer restrição.
Se o constituinte pretendesse estabelecer limites à inamovibilidade, teria, no art. 134, parágrafo único, feito as mesmas ressalvas previstas em relação aos membros da Magistratura (art. 95, inciso II) e do Ministério Público (art. 128, § 5°, inciso I, alínea “b”). Não podendo a norma infraconstitucional restringir garantias estabelecidas pela Constituição Federal. A garantia da inamovibilidade dos Defensores Públicos só pode ser encarada como absoluta.
Segundo BÓZI[6], a inamovibilidade é conceito que “abrange a própria função, ou seja, as respectivas atribuições, não devendo ser encarada do ponto de vista geográfico apenas”. Aliás, a garantia atinge “o cargo e a função, pois seria um contrassenso subtrair as respectivas funções aos próprios cargos”.
A fim de compreender melhor tal garantia, se faz necessário estudar quais são as hipóteses autorizadoras da remoção. Para JUSTEN FILHO[7], a remoção se caracteriza por “ato administrativo unilateral, praticado a pedido ou ofício, impondo ao servidor o desempenho de suas atribuições em local geográfico distinto daquele em que se encontrava até então sediado”, ou seja, seu conceito não abrange a função desempenhada pelo agente.
Outra hipótese é se a remoção do agente resultar de um pleito particular, a exemplo da previsão do art. 36, parágrafo único, da L. 8.112/90[8], que determina que o servidor público federal será removido a pedido quando o cônjuge ou companheiro, também servidor público, tiver sido removido no interesse da Administração.[9] Entretanto, para SILVA[10], só pode ser admitida a remoção que atender o interesse público, devendo ser assegurada a ampla defesa.
O interesse público, doutrinariamente chamado de princípio do interesse público ou da finalidade pública, é um dos denominados princípios reconhecidos, vez que não é expresso pelo art. 37, CF.
Para MEIRELLES[11], o princípio do interesse público é de observância obrigatória pela Administração Pública, estando intimamente ligado ao princípio da finalidade, uma vez que a primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal, já que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral.
Sobre a questão, JUSTEN FILHO[12] aponta que o interesse público não se confunde com o interesse estatal, ou seja, não se confunde com o interesse do aparato administrativo, ou seja, nenhum “interesse público” se configura como “conveniência egoística da administração pública”. Adiciona que o interesse público também não se identifica com o interesse do agente público, ou seja, do interesse privado do sujeito que exerce a função administrativa. Por outro lado, deduz que o interesse público não é um interesse privado comum a todos os cidadãos[13].
Já CARVALHO FILHO[14] é taxativo ao apontar que para ser obedecido o princípio da supremacia do interesse público, as atividades administrativas devem ser desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade.
Relevante observar a existência de uma relação intrínseca entre os princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade, uma vez que há entre eles instrumentalização recíproca, conforme apregoa MEDAUAR[15]:
Assim, a impessoalidade configura-se meio para atuações dentro da moralidade; a publicidade, por sua vez, dificulta medidas contrárias à moralidade e impessoalidade; a moralidade administrativa, de seu lado, implica observância a impessoalidade e da publicidade.
O princípio da supremacia do interesse público também é chamado de princípio da finalidade pública por Di PIETRO[16], que anota que ele está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento de sua execução pela Administração Pública.
Em síntese, pode-se dizer que há supremacia do interesse público quando este prevalece face ao interesse do particular isoladamente. Tal predominância, porém, é de se asseverar, é relativa, uma vez que ao particular é sempre garantido o contraditório e ampla defesa.
A íntima relação existente entre os princípios do interesse público e da impessoalidade pode ser percebida na finalidade pública, que está implícita em ambos.
A finalidade pública [que] deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento.[17]
É de se observar que a remoção de servidor público é ato da Administração Pública decorrente da investidura em cargo ou emprego público, uma vez que estes guardam com o Estado relação jurídica de subordinação a regime jurídico de direito público, “caracterizado pela ausência de consensualidade para instauração tal como para a determinação de direitos e deveres.”[18]
Ressalte-se que a investidura em cargo efetivo está condicionada, conforme exige a Constituição Federal, ao pressuposto do concurso público, composto por provas ou por provas e títulos. O objetivo de se realizar concurso público para seleção dos titulares de cargos de provimento efetivo é assegurar que o princípio da impessoalidade seja observado. Ademais, a prova deve ser realizada de modo a selecionar aqueles que apresentem as qualidades e capacidades consideradas ideais para o exercício da função.[19]
Os atos da Administração Pública em relação a seus servidores estão sujeitos ao princípio do interesse público, inclusive quando da tomada da decisão de remover seus agentes.
Esse princípio vem apresentado tradicionalmente como o fundamento de vários institutos e normas do direito administrativo e, também, de prerrogativas de decisão, por vezes, arbitrárias, da Administração Pública. Mas vem sendo matizado pela ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada circunstância, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou conciliação dos interesses, com a minimização de sacrifícios. O princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do preceito, pois implica, entre outras decorrências, a busca da providência menos gravosa, na obtenção de um resultado.[20]
Do mesmo modo, deve ser, então, considerado requisito da remoção a observância do princípio da impessoalidade, assim como das capacidades pessoais, no momento de se decidir a remoção do servidor, conforme aponta JUSTEN FILHO[21]:
Nada impede, no entanto, que a Administração submeta a remoção à avaliação da conveniência dos servidores, tomando em vista o princípio de que o melhor desempenho funcional dependerá da satisfação pessoal do servidor. Assim, diante da necessidade de remoção de algum servidor para determinado local, a Administração consulta os diversos servidores para verificar qual deles se dispõe a “aceitar” a remoção. Obviamente, não se trata propriamente de um consenso de vontades, mas de identificar o voluntário para certo encargo que deverá ser executado de modo necessário.
Diante do exposto, conclui-se que para que a remoção do Delegado de Polícia esteja de acordo com o interesse público, deve conjugar o princípio da impessoalidade com a finalidade pública, a fim de atender ao interesse da coletividade e possibilitar que o servidor público exerça suas funções de maneira plena.

POLIZELLI, Denise Vichiato. A ausência da garantia de inamovibilidade para Delegados de Polícia . Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3488, 18 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23484>. Acesso em: 19 jan. 2013.

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