quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Os contratos públicos

O primeiro problema tem origem na própria doutrina, quanto à conceituação e distinção de contratos públicos. Existem ao menos três teorias sobre a origem dos contratos públicos, não sendo as mesmas objeto deste estudo, no entanto, a teoria amplamente adotada, conhecida como teoria mista, defende que a Administração pode celebrar contratos totalmente regidos pelo direito público e também contratos de direito privado, embora mitigado. Justamente no ponto atenuado do direito privado que reside certa dificuldade de diferenciação entre os contratos administrativos, como bem versa Pietro (2010, p.256):
Embora de regimes jurídicos diversos, nem sempre é fácil a distinção entre os contratos privados da Administração e os contratos administrativos, pois, como os primeiros têm regime de direito privado parcialmente derrogado pelo direito público, essa derrogação lhes imprime algumas características que também existem nos da segunda categoria.
Não parece razoável que contratos celebrados perante o regime privado, onde se deveria prevalecer a bilateralidade - contratos são atos jurídicos bilaterais -, sejam derrogados ao ponto da “Administração Pública utilizar-se essencialmente de atos administrativos unilaterais, com características exorbitantes do direito comum, tais como as prerrogativas e sujeições que constituem o regime administrativo”, segundo PIETRO (Op. Cit., p.254), ainda que o objeto do contrato seja comum, comerciável, com afastamento do princípio da continuidade, impondo-se ao particular, v.g., mero locador, a possibilidade de ver seu bem imóvel sediando uma repartição pública sem a devida contraprestação pecuniária, inclusive de difícil aferição do interesse público na inadimplência da Administração.
A questão apontada ganha maior relevância - ainda que nos contratos de regime jurídico de direito público -, diante da invocação das prerrogativas que, em tese, deveria ocorrer com base na proporcionalidade e razoabilidade, pois aparenta o inverso e imoderado em relação ao particular locador.
Quanto à compatibilização da função social com a inoponibilidade da exceção do contrato não cumprido, há de se analisar que de fato certas competências públicas não podem ser promovidas por contratos sem prerrogativas especiais, pois, visando-se a persecução do bem-estar social, não poderia a Administração ficar a esperar pelo particular, sem que diante da situação possa ter um maior controle, afinal são atividades estatais próprias. Todavia, ainda que se mencione contrato administrativo, cujo objeto é um serviço ou obra pública essencial, o cumprimento ou não da função social deve ser aferido na própria atuação da Administração Pública, observando a razoabilidade e a proporcionalidade, como também na fundamentação da decisão que suspende a contraprestação ou mesmo rescinde o contrato.
Neste sentido, entende Mello (2007, p.609) que o contrato puro e simples jamais poderia ser a via idônea para propiciar ao administrado senhoria sobre a disponibilidade de serviço ou utilização de bem público, pois não se poderia envolver em uma relação contratual um bem ou serviço fora do comércio, ou seja, não passível de ser um objeto de avença.
Por outro lado, a Lei 8.666 de 1993, estendeu as principais prerrogativas da Administração aos contratos por ela celebrados perante o regime jurídico de direito privado, porém, não determina o momento e em qual medida aquelas poderiam ser invocadas, abrindo espaço para que gestor decida, de forma discricionária, quando invocar. Trata-se, portanto, de uma situação temorosa por, inclusive, afrontar a segurança jurídica.
Observando-se que a função social visa aproximar as partes, objetivando a boa-fé, o equilíbrio, evitando-se o abuso de direito e enriquecimento ilícito, torna-se inaceitável deixar um contrato de direito privado, mesmo regulando um objeto de menor complexidade, sem uma normatização mais objetiva e clara, pondo na mão de uma das partes um poder decisório desmoderado. Encontra-se dificuldade de compreensão quanto ao interesse público no inadimplemento da Administração Público, inserindo-se, ademais, nesta questão a atual face que o Estado moderno possui nas grandes Democracias, ou seja, com grande autonomia gerencial, administrativa, orçamentária, tributária, financeira e funcional.
Na pertinente lição de Medauar (2009, p.221), cabe a Administração tomar todas as providências ao seu alcance para que o contrato seja bem executado, competindo à mesma o atendimento do interesse público. Portanto, excluindo-se as faltas do particular - que autorizem outras atitudes como a rescisão unilateral, v.g., -, a Administração tem que promover o planejamento orçamentário, a licitação, a contratação, a fiscalização e os pertinentes procedimentos para acompanhar a execução do contrato de início ao fim, não fazendo sentido que por culpa da mesma, invoque as prorrogativas diante do manto acalentador do interesse público.

RAMOS, Luiz Gustavo de Oliveira. A função social e a inoponibilidade da exceptio non adimpleti contractus nos contratos públicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3779, 5 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25678>. Acesso em: 7 nov. 2013.

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