quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Democracias corruptas: como os endinheirados “compram” os parlamentares (Luiz Flávio Gomes)

01. NUNCA ANTES NESTE PAÍS se tornou tão evidente o poder corruptivo do dinheiro como elemento destrutivo e esmagador da democracia. Todas as democracias do mundo sofrem com a corrupção (alguns menos, outros mais). Mas em países como o Brasil, no entanto, o dinheiro e seu poder estão desvirtuando completamente a vontade do povo. O “cada cabeça, um voto” só aparentemente representaria a igualdade entre todos os eleitores. Isso, no entanto, é um mito. Essa igualdade não existe porque o dinheiro dos “grandes eleitores” “compra” muitos parlamentares que passam a lutar pelos interesses privados dos mais influentes, que quase nunca se correspondem evidentemente com os interesses gerais da nação. O dinheiro corruptivo, desde logo, desequilibra a disputa eleitoral, cujas campanhas (desavergonhadamente marqueteiras) tornaram-se caríssimas. Quem não tem dinheiro dificilmente consegue se eleger. É absurdamente desproporcional a campanha eleitoral de quem é bafejado pelo dinheiro dos poderosos, que interferem não somente nas disputas eleitorais, senão também no próprio funcionamento do Congresso.

02. Nas CPIs, por exemplo, em incontáveis vezes, os poderosos “compram” a impunidade, sobretudo por meio da omertà (o silêncio dos mafiosos) em relação às suas falcatruas, impedindo (na esfera política) a investigação e a descoberta da verdade. Em maio/14, conforme matéria do Estadão, na CPI mista da Petrobras, a base aliada do governo e a oposição (juntos) chegaram ao consenso de impedir ações e quebras de sigilos das empreiteiras (oito delas doaram em 2014, já nas primeiras apurações, R$ 182 milhões para as campanhas dos parlamentares). Na contabilidade final esse número será muito maior. Os fornecedores da Petrobras foram “blindados” pelos integrantes da CPI, em 16/7/14 (situação e oposição se uniram uma vez mais para não descobrir a verdade) (Estadão 15/11/14). No dia 5/11/14, PT e PSDB deliberaram (na CPI da Petrobras) não convocar nenhum dos seus “protegidos” para depor. Essas são algumas maneiras de interferir corruptivamente no funcionamento da democracia. Mas há outras.

03. Os financiadores endinheirados, que são os grandes eleitores, “doam” recursos para os políticos e para os partidos e depois “cobram” (caro) esse investimento. Eis um primeiro exemplo (Estadão11/11/14): algumas empresas fizeram doações “legais” de R$ 400 mil ao diretório do PMDB de Alagoas, que repassou o dinheiro para a campanha de Renan Calheiros (de 2010); três meses depois tais empresas “doadoras” cobraram o retorno dos “investimentos” feitos e obtiveram contratos suspeitos (de bilhões) com a Transpetro (que era dirigida por Sérgio Machado, afilhado político de Renan Calheiros). O grupo vencedor das licitações (ERT) agora está acusado de fraude. A malignidade dessas operações criminosas produz não somente efeitos financeiros (enriquecimento sem causa), senão também políticos (porque corrompem a democracia).

04. Outro estrondoso exemplo de “compra” (financiamento) dos parlamentares reside no escândalo tsunâmico da Petrobras (de efeitos e consequências imprevisíveis), cujas primeiras revelações (delações) já são mais do que suficientes para desmoronar toda estrutura (historicamente frágil) da nossa democracia. O dinheiro e seu poder conseguem subornar os políticos (e seus partidos) e, dessa forma, ditar políticas públicas favoráveis aos seus “negócios”, fragilizando a própria democracia (que é o pior de todos os regimes, como sabemos, com ressalva dos demais, como dizia Churchill – 1874-1965). O edifício da democracia, laboriosamente reconstruído nos últimos três séculos (no Brasil, particularmente nas últimas três décadas), vira pó quando o voto do parlamentar (corrompido) é resultado não dos seus ideais, das suas convicções e dos seus compromissos assumidos durante a campanha, sim, do dinheiro que foi gasto em sua disputa política (“doado legalmente”, se diz) ou dos recursos dos grandes poderosos (grandes eleitores) que ditam as decisões do Estado, impedindo que os governos e os parlamentos eleitos deem cumprimento aos seus projetos eleitorais.

05. Nas democracias corruptas (escandalosamente “compradas” pelos endinheirados) a sociedade não é governada pelas maiorias que saem das urnas (muita gente não tem a mínima ideia disso), sim, pelo dinheiro das grandes empresas (e/ou dos grandes empresários), que são (no final) os “governantes” reais do país. A questão de fundo, na verdade, nem é o dinheiro em si, sim, os interesses, normalmente escusos (quando não escatológicos), que ele representa. Os exemplos dessa nefasta anomalia política (que é a democracia corrupta) se multiplicam, no nosso país, infinitamente. Para citar apenas mais dois deles, basta prestar atenção no que está ocorrendo hoje (26/11/14) na Câmara dos Deputados, com as discussões do novo Código da Mineração assim como do PL 3722/12, do deputado Peninha Mendonça, que revoga o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03). Em ambos as comissões que estão discutindo tais assuntos foram majoritariamente “compradas” (financiadas) pelos respectivos segmentos empresarias (que doam dinheiro para as campanhas eleitorais e depois cobram o retorno no momento da aprovação de projetos dos seus interesses). Mais corrupção da democracia que isso é impossível imaginar.

06. Mesmo com as receitas momentaneamente em queda, as empresas mineradoras e de metalurgia “doaram” na campanha deste ano (2014) R$ 47,7 milhões e ajudaram eleger 166 dos 513 deputados federais e 14 dos 27 senadores (Valor 22, 23 e 24/11/14). Está em pauta o novo Código da Mineração. Não é por acaso que sete dos dez deputados eleitos que mais receberam verbas do setor ocupam assento (onde?) na comissão especial da Câmara que discute o novo código. Que isenção têm esses deputados (G. Mussi-PP-SP: recebeu do setor 3.140 milhões; Leonardo Quintão-PMDB-MG: 1.488 milhão; Luiz F. Faria- PP-MG: 1.461 milhão; Paulo Abi-Ackel-PSDB-MG: 1.100 milhão; Iracema Portella-PP-PI: 980 mil; Marcos Montes-PSD-MG: 957 mil; Rodrigo de Castro-PSDB-MG: 851 mil; César Souza-PSD-SC: 720 mil; Otávio Germano-PP-RS: 717 mil; Jutahy Magalhães-PSDB-BA: 710 mil) ou senadores (Rose de Freitas-PMDB-ES: 2.904 milhões; Antonio Anastasia-PSDB-MG: 2.346 milhões; José Serra-PSDB-SP: 1.147 milhão; Ronaldo Caiado-DEM-GO: 1.080 milhão; Tasso Jereissati-PSDB-CE: 750 mil) para discutirem o novo Código da Mineração? Lutar por interesses setoriais é do jogo democrático (muitos possuem lobby para isso). O problema não é o pedido das empresas, sim, a falta de isenção do parlamentar para discutir assunto do interesse de quem o “financiou” (Vale, CSN, ArcelorMittal, CBMM, Gerdau, Ibar, Votorantim, Cooper Trading, Ibrame e Usiminas).

07. Passa-se a mesma coisa com o Estatuto do Desarmamento, que está na pauta de discussão da Câmara dos Deputados (com audiência pública marcada para 26/11/14). As empresas do setor ajudaram a eleger vários deputados e senadores (a famosa “bancada da bala”), conforme levantamento inédito do Sou da Paz. Para discutir o PL 3722/12 que propõe a revogação do Estatuto do Desarmamento foi criada uma Comissão Especial. Composta por quem? Majoritariamente (10 em 19) pelos integrantes da referida bancada. Repita-se: que isenção têm esses parlamentares para discutir um assunto que envolve diretamente seus “financiadores”? Mais um deplorável exemplo de “doação” que é, na verdade, investimento. Quem monopoliza a área de armas e munições? Taurus e CBC, justamente as que doaram (em 2014 – 57% e 43% respectivamente) R$ 1.730.000 para financiar campanhas de 30 candidatos (deputados federais, estaduais, senadores e governadores) de vários partidos. Mais de 70% dos candidatos foram eleitos (14 deputados federais e 7 estaduais). PMDB e DEM receberam 50% das doações. RS e SP ficaram com 50% das “prendas”.

08. O que os financiadores da bancada da bala estão pretendendo? Incrementar os seus negócios (afinal, fizeram investimentos para isso). Que tal se mais categorias puderem receber porte de armas? Num país que é campeão mundial em mortes violentas (números absolutos, 70% por meio de arma de fogo), não é difícil “vender” o produto da disseminação geral das armas de fogo. O PL 3722 revoga o Estatuto do Desarmamento, que impõe várias restrições à fabricação e comércio das armas de fogo no país (foi o consenso a que se chegou depois do referendo de 2005). Com isso, pretende-se que os cidadãos andem armados nas ruas com mais liberdade. É tudo o que muita gente está querendo! Ocorre que o Brasil hoje, pelos números que apresenta, já é um caos em termos de violência. Estão agora pretendendo o abismo, porque o problema terrível das armas de fogo não são armas (elas não disparam sozinhas), sim, os seus portadores (em geral despreparados para o seu uso). A polícia da Islândia usa armas de fogo e somente depois de 67 anos matou a primeira pessoa (recentemente, num caso de extrema necessidade). Uma arma nas mãos de um islandês preparado para seu uso é bem diferente de uma arma nas mãos de quem não tem preparo suficiente, de quem vive em uma guerra civil não declarada, de quem transita pelas ruas ou estradas extremamente conflitivas (o que dá ensejo a muitas mortes fora da legítima defesa).

09. O Estado não cumpriu suficientemente sua parte (depois do Estatuto) e não desarmou todos que estão armados para matar, roubar e estuprar. Solução? Em lugar de exigirmos do Estado o cumprimento do seu dever, pretende-se armar massivamente a população civil. Joga-se gasolina na fogueira que já está em chamas candentes. Assuntos tão delicados como esses exigem uma discussão isenta, racional, prudente e equilibrada. Claro que a bancada da bala não tem isenção para isso. Por meio de uma manobra regimental ela está conseguindo levar adiante o projeto (sem passar pelas comissões de costume). E da Comissão Especial, claro, fazem parte os que foram financiados pela indústria interessada no tema. Grandes partidos, com dezenas e dezenas de parlamentares, no momento da indicação para discutir a matéria, elegem os que receberam doações da Taurus ou da CBC. Essa é uma forma de conspurcar ou macular a democracia, que se corrompe diante do poder do dinheiro. O escopo da Comissão é aprovar rapidamente o projeto em tramitação, sem uma discussão ampla com a sociedade civil (precisamente a que vai entrar na linha de tiro quando as armas foram prodigalizadas).

10. Por meio da flexibilização dos requisitos necessários para se alcançar um porte de arma, facilita-se seu acesso a praticamente todos os cidadãos. Para dizer a verdade, é isso mesmo que muitos estão querendo, mesmo sem ter nenhuma habilidade (ou equilíbrio emocional) para manuseá-las. Biopolítica da tanatologia (pró incremento da violência tsunâmica). O mesmo fenômeno que se passa hoje com os carros (45 mil mortos por ano) pode ocorrer com as armas de fogo. Da mesma maneira que hoje não habilitamos corretamente as pessoas para usarem veículos (daí os motoristas brasileiros serem responsáveis por 93% dos acidentes, pouco importando se tem o primário ou curso superior, se é um pedreiro ou um doutor), o que se pretende agora é disseminar a posse das armas de fogo sem rigorosos testes para aferir a habilidade do usuário.

11. Com a eliminação da renovação do registro, novos exames psicológicos e técnicos deixarão de ser feitos. Quem deixa uma arma de fogo nas mãos de quem é psicologicamente problemático é, no mínimo, um enorme imprudente. Sem a renovação, muitos possuidores começarão a ter antecedentes criminais e continuarão portando arma de fogo (normalmente). Cada cidadão vai poder ter 9 armas de fogo. O limite de munições passa de 50 por ano para 50 por mês (sociedade do consumo e da tanatologia). Quem tem 9 armas poderá comprar anualmente 5.400 munições (que melhor negócio existe para os fabricantes?). Pretende-se diminuir as penas para quem faz comércio ilegal de armas e elimina-se a perda do porte para quem é surpreendido embriagado ou drogado portando uma arma de fogo. Em 2010 as empresas do setor “investiram” nas campanhas dos candidatos R$ 3,2 milhões (ajudaram a eleger 32 deputados federais e senadores). O financiamento das campanhas eleitorais pelas empresas se transformou no maior inimigo da democracia, que está completamente corrompida.

12. É inaceitável (como vem sublinhando o Sou da Paz) “que um projeto de lei fruto de anos de debate público com o potencial de impacto sobre a vida de todos os brasileiros seja analisado em uma única comissão que se reuniu apenas três vezes, não apresentou nenhum relatório e realizará uma única audiência pública que, de fato, é apenas simbólica, uma vez que já há data prevista para votação. Toda a tramitação nesta comissão é apenas processual, não há esforços deliberativos e sequer simulação de representatividade”. De se observar que na última pesquisa Datafolha 69% da população manifestou-se contra a posse de arma de fogohttp://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2013/10/1358017-48-dos-brasileiros-se-identificam-com-valores-ideologicos-de-direita.shtml.

13. Sabemos que as taxas de sucesso na reação a crimes entre pessoas com treinamento parco e pontual é mínima. Seriam apenas feridos com mais gravidade ou mortos e fontes mais fáceis de obtenção de armas para os criminosos. O substitutivo, ademais, rebaixa a idade mínima hoje determinada em 25 anos para 21, sendo que inúmeros estudos apontam que a faixa etária que mais se envolve na violência é entre 18 e 24 anos. Redefine a validade de registro de 3 para 5 anos, sem qualquer justificativa.

14. Lista dos candidatos beneficiados pela indústria das armas.

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