segunda-feira, 15 de maio de 2017

Opinião: Não se constrói uma elite negra nacional sem a participação da iniciativa privada


Conversa Constitucional nº 30 - segunda-feira, 15 de maio de 2017

Abrindo o voto que proferiu semana passada no pleno do STF, na ADC 41, o ministro Alexandre de Moraes chamou a atenção para o papel da iniciativa privada na inadiável missão de combater os persistentes efeitos dos séculos de escravidão negra no Brasil. Essa ação, visava à reafirmação da constitucionalidade da lei Federal 12.990/2014, a chamada Lei de Cotas, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública Federal direta e indireta. Já há cinco votos pela sua constitucionalidade. O ministro Alexandre de Moraes, em breve comentário, anotou o seguinte: "Lá atrás, em 2002, quando eu fui secretário da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, em várias comissões, nós tratamos de ações afirmativas. Uma delas, que é importantíssima, ações afirmativas para a iniciativa privada, é a questão tributária de compensações tributárias para aquelas empresas que pratiquem ações afirmativas".

O comentário apresenta a nova vertente dessa justa disposição de desobstruir os espaços capazes de erguer uma grande elite negra no país. Como se sabe, em abril de 2012, o STF, por unanimidade, considerou constitucional a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB), ao apreciar a ADPF 186. Em 2012, entrou em vigor, então, a lei 12.711/2012, que dispõe sobre cotas para o ingresso nas universidades Federais e nas instituições Federais de ensino técnico de nível médio. 

Tanto a política de cotas voltada às universidades públicas, quanto àquela destinada ao serviço público, são temporárias e trazem exceções. São medidas importantes que representam a maior conquista da comunidade afro-descendente no Brasil nesse século. Todavia, ainda são medidas insuficientes para colocar de pé um projeto maior. O comentário do ministro Alexandre de Moraes é oportuno porque insere, nesse projeto, os atores sem os quais dificilmente os negros ocuparão instâncias de poder numa democracia capitalista: a iniciativa privada. De fato, não se muda uma realidade tão profundamente injusta sem o envolvimento intenso dos atores privados. 

Daí surge a deixa para uma nova frente a ser levantada, que é a de uma lei nacional de alcance geral obrigando que pessoas jurídicas de direito privado tenham cotas para os negros em seus organogramas. Essas cotas não devem se restringir às funções de menor complexidade. Não haveria qualquer transformação social se assim o fosse. Os negros precisam estar nos postos mais relevantes nas estruturas de grandes pessoas jurídicas. 

A África do Sul implementou o Black Economic Empowerment (BEE), uma política nesse sentido. Evidentemente, transformações profundas não se dão sem efeitos colaterais. Na África do Sul, com a implementação do BEE, pessoas jurídicas de direito privado se viram obrigadas a terem negros ocupando funções de destaque em seus organogramas. Como não havia capital humano preparado para essa nova realidade, as fraudes se tornaram frequentes. Espécies de "laranjas" passavam a ser usados para que emprestassem seus nomes a contratos sociais e, assim, ajudassem essas empresas a pontuarem nos rankings estabelecidos pelo programa. Quanto mais pontos, mais acesso as empresas têm a linhas de créditos, programas de investimento, cursos de formação e outras iniciativas. Descobertas as fraudes, a própria iniciativa privada percebeu que não havia outra coisa a fazer que não fosse formar esse capital humano. O resultado foi virtuoso. Floresceram bolsas de estudos para todas as universidades, escolas de negócios foram abertas, as próprias empresas criaram seus centros de formação, programas para financiar jovens aprovados em universidades estrangeiras passaram a pipocar e, então, havia, uma grande massa de negros qualificados e preparados para conduzir os rumos da iniciativa privada no país. O Brasil olhou inicialmente para as universidades públicas Federais. Depois, para o serviço público Federal. Agora, é hora de trazer a iniciativa privada para esse tabuleiro da Justiça e da equidade.

Saul Tourinho Leal é advogado sênior em Brasília e doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP. Foi premiado com a bolsa Vice-Chancellor Fellowship pela Universidade de Pretória, para realizar estudos de pós-doutoramento junto ao ICLA, Institute of Comparative Law in Africa. Saul foi clerk do juiz Edwin Cameron, na Corte Constitucional sul-africana e presidiu o Comitê para Relações com a África do Sul, do Conselho Federal da OAB, que lhe outorgou o Troféu de Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. É tradutor das obras do jurista Albie Sachs, indicado por Nelson Mandela para a Corte Constitucional.

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