terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

O comércio eletrônico e o crime de receptação - cuidado com a sua ingenuidade!

Publicado por Carlos Bina

Há algumas semanas, me ligou uma pessoa demonstrando relevante nervosismo, tal o qual relatou que estava sendo “intimada” a comparecer na delegacia e prestar esclarecimentos, tendo em vista que havia sido flagrada em posse de um celular fruto de uma suposta prática criminosa.

A pessoa me relatou que adquiriu o smartphone por intermediação de um dos famosos sites de eCommerce (Comércio eletrônico). Com aquelas informações preliminares, passei a considerar portanto, que ela teria supostamente praticado o crime de receptação na modalidade culposa.

Com o intenso nervosismo, a pessoa insistiu reiteradamente que adquiriu o bem em questão de boa-fé, estando certo da legalidade do objeto, bem como não desconfiou daquele que com ele estabeleceu o negócio.

A partir deste introito, não se aprofundando, entretanto, no caso concreto suprarrelatado, questiona-se o grau de confiabilidade que pode atribuir a esses negócios intermediados por sites de comércio eletrônico. Alem disso, quando estabelecerá a responsabilidade penal do comprador se o bem adquirido tem a origem de conduta delituosa, e o adquirente por sua vez não desconfia.

Pois bem, inicialmente é necessário ressaltar que o presente artigo não visa criminalizar os sites de eCommerce, pois o serviço utilizado sub a luz da legalidade, nos proporciona inúmeras vantagens. O presente artigo, por sua vez, busca discorrer sobre a imputação do crime de receptação nas compras realizadas na internet, quando o receptador, suspeitando ou não da origem do produto, incorre neste tipo penal.

Quando ocorre?

O código penal pune aquele quem “Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso”, trata-se do crime de “receptação” na modalidade culposa.

Art. 180 [...]
§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

Para fins de elucidação, discorre Luiz Regis Prado que “adquirir” é a forma de “de obter a propriedade da coisa, de forma onerosa, como na compra [...]”. Partindo deste pressuposto, a compra é uma das etapas para configurar o crime de receptação.

Somado ao verbo adquirir, é necessário que o produto tenha a origem de conduta criminosa, ou que o comprador, percebendo as condições do objeto e a desproporção entre o preço e valor desconfie da transação.

Nesse sentido entende Rogério Greco:
“É claro que, nesse raciocínio, todos os detalhes devem ser considerados, a exemplo da comparação entre o produto novo e o usado, o seu estado de conservação, o tempo de uso da coisa, enfim, tudo aquilo que deva ser compreendido para apurar o real preço de mercado. Deve existir, portanto, como diz a lei penal, desproporção entre o valor e o preço, de tal forma que dada essa aberração, o sujeito deveria ter desconfiado daquilo que lhe estava sendo oferecido”. 1

Portanto, tem-se a consumação do crime de receptação culposa, a conduta de adquirir ou receber coisa que na circunstancia que se encontra, é perceptível a sua origem duvidosa, seja em razão da forma em que adquire ou recebe, seja pela demasiada desproporção do seu preço e valor.

Vejamos os seguintes exemplos:
Exemplo 1
Tício, procurando ter um smartphone de ultima geração, mas não querendo comprometer o seu orçamento, encontra em um dos sites de eCommerce equipamento desejado, classificado como novo (embalagem lacrada), desacompanhado , entretanto, da nota fiscal e com preço de R$200,00, sabido que o real preço de mercado do mesmo objeto é de R$4.000,00.

Exemplo 2
Mévio, pesquisando por carros em um dos sites de eCommerce, identifica anunciante vendendo veículo usado avaliado em R$35.000,00, ao preço de R$27.000,00. O anunciante ressalta, contudo, que o referido automóvel não acompanhará de qualquer documento, não esclarecendo o motivo.

Nos dois exemplos acima, poderão configurar o crime de receptação culposa caso os negócios se concretizem: o primeiro porque o objeto de venda apresenta uma relevante diferença entre o preço de mercado e o oferecido pelo vendedor, não obstante, o vendedor informa que trata-se de um smartphone novo, razão pela qual é motivo de desconfiança ; no segundo exemplo, em que pese o valores não apresentarem diferenças anormais, vez que o veículo oferecido é usado, o anunciante informa que o objeto não acompanhará quaisquer documentos.

Ora, salvo raras exceções (e que nessas exceções, o autor deste artigo desconhece), não há promoções como poderia ser no caso, em que se dá 95% de desconto na venda de um smartphone, e caso existisse, a nota fiscal seria o mínimo exigível, de sorte que, não se compra automóvel desacompanhado de documentos, visto as formalidades existente para a transferência de veículo de pessoa para outra.

O Código Penal, ao prever o crime de receptação, buscou abarcar se não todas, mas inúmeras situações da prática deste crime, dentre essas hipóteses, está presente a conduta culposa.

Para excluir quaisquer resquícios de dúvidas se haveria ou não a adequação do crime de receptação nos exemplos acima, disserta Eugênio Pacelli sobre o que é culpa:
“Pode-se afirmar, portanto, que a culpa constitui uma conduta voluntária, sem intenção de produzir um resultado típico, porém, previsível. Trata-se, em suma, da inobservância do dever de diligência, do cuidado ao realizar condutas, para que estas não causem danos a bens jurídicos alheios. Ou seja, é a ausência do chamado cuidado objetivo exigível nas relações em sociedade. A conduta torna-se típica a partir do instante em que não se tenha manifestado o cuidado necessário nas relações, vale dizer, a partir do instante em que não corresponda ao comportamento que teria adotado uma pessoa colocada nas mesmas circunstâncias que o agente, e que com a devida atenção teria evitado”.

Em outras palavras, a culpa é perceptível no crime de receptação, diante a falta de certeza quanto à licitude do objeto almejado, bem como da inobservância do dever de cuidado do momento em que percebe-se as condições anormais da proposta de venda.

A pena

O crime de receptação é um pratica delitiva constante, contudo, o encarceramento decorrente a essa prática não é elevada (veja aqui o levantamento de encarceramento por crimes cometidos). Isso se dá em razão da pena aplicável na espécie de receptação tratada aqui, direcionar ao rito sumaríssimo, isso é, trata-se de um crime de menor potencial ofensivo, de competência do Jecrim (leia mais sobre o Juizado Especial Criminal), pois a sanção prevista na modalidade discorrida, é de detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as pena.

O Perdão Judicial

O Perdão Judicial é a faculdade do Juiz em deixar de aplicar a pena, ponderada com determinadas circunstâncias. A Jurisprudência predominante está alinhada no sentido que é imprescindível que o receptador desconheça efetivamente as condições obscuras do negócio jurídico, afastando assim, o dolo - é necessário também que o Réu seja primário - do contrário, não se cogita a concessão do perdão judicial.

Aprofundando nesse tema, Rogério Greco discorre:
“No entanto, se ao avaliar todas as circunstâncias que levaram o agente a adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferecia, devia presumir-se obtida por meio criminoso, o julgador entender, embora havendo provas suficientes para uma condenação, que a medida mais adequada será a aplicação do perdão judicial, poderá fazê-lo fundamentando, sempre, sua decisão, a fim de extinguir a punibilidade através do perdão judicial”.

Assim tem entendido os Tribunais:
Receptação culposa - Desproporção entre o valor do objeto adquirido e o preço pago - Imprudência e descautela do adquirente - Crime caracterizado - Agente primário, com bons antecedentes - Coisa devolvida a seu proprietário - Concessão do perdão judicial (Inteligência do artigo 180, § 3o. do CP)- Recurso provido (Apelação criminal n. 27.744, de São Francisco do Sul, rel. Des. Marcio Batista).

RECEPTAÇAO -O dolo que informa a conduta descrita no art. 180, caput do Código Penal, não pode ser o eventual. Não basta que o agente tenha motivos para saber que a coisa que recebe é produto de crime. É indispensável que saiba, efetivamente, que a coisa é produto de crime. Assim, deve responder por receptação culposa quem recebe coisa que, pela desproporção entre seu valor e o preço pago, pela condição de quem a oferece, deva presumir-se ter origem ilícita. DESCLASSIFICAÇÃO - A desclassificação do crime para a modalidade culposa é possível, sempre que a denúncia, embora afirmando o dolo direto, chegue a descrever a modalidade culposa. Se ela menciona a desproporção entre o valor da coisa e o preço pago ou a condição de quem vende, possibilitada está a desclassificação. PERDÃO JUDICIAL - O apelante é primário e o bem era de pequeno valor. As circunstâncias do crime e a ausência de antecedentes do agente autorizam a aplicação do perdão judicial, nos termos do art. 180, § 5o, primeira parte, do Código Penal. Apelo parcialmente provido. (TJ-SP - ACR: 1199580370000000 SP, Relator: Ericson Maranho, Data de Julgamento: 14/08/2008, 6ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 22/08/2008)

Portanto, a primariedade do réu, além de circunstancias subjetivas julgadas pelos Magistrados, são os requisitos para a concessão do perdão judicial. No que tange aos requisitos subjetivos avaliados pelo Juiz, não há o alinhamento nesse sentido, pois para alguns, o pequeno valor do bem são consideradas; para outros a devolução do bem ao proprietário, e outros entendimentos ponderam no sentido do conhecimento ou não do agente quanto a origem do objeto adquirido, bem como da desproporção do preço e valor.

Conclusão

O presente artigo abordou especificadamente o crime de receptação na modalidade culposa nas transações comerciais estabelecidas eletronicamente. Concluiu que esta prática criminosa se dá no momento em que o comprador adquire coisa que devera perceber como duvidosa, vez que as circunstancias e descrições daquela compra, levam a crer que há incerteza no que tange a licitude do objeto, seja pela natureza do bem, seja pela desproporção entre o valor e o preço do objeto, bem como pelas condições de quem o oferece.

Tendo em vista que o crime de receptação culposa se dá por motivos da culpa do comprador face a sua inobservância no dever de diligência, o legislador impôs um sanção penal mais branda comparado com as demais formas de receptação, possibilitando inclusive, a extinção da punição através do perdão judicial.

Destarte o discorrido, conclui-se que o eCommerce, em que pese as facilidades proporcionadas nas compras e vendas pela internet, é meios também de práticas criminosas.

A cautela deve ser utilizada nos negócio via internet, devendo apoiar-se em alguns fatores, dentre as quais são: 1 – Conhecer aquele com quem realiza o negócio (saber o histórico de vendas, reclamações, a clareza nas informações), de modo que o objeto e preço exposto na “vitrine” se coadunem com a real proporção do valor do objeto; 2 – a falta de transparência no negócio, não passa da tentativa de induzir uma vontade a uma realidade comprometedora.

Por tudo isso, o velho ditado na é em vão, pois a possibilidade do “barato sair caro” é real, pois ainda que não custe a sua liberdade, fará você sentir o gosto amargo do processo penal.
Referências:
Greco, Rogério. Código Penal: comentado / Rogério Greco. – 11. ed. – Niterói, RJ:Impetus, 2017, pag. 1046
Pacelli, Eugênio Manual de direito penal: parte geral / Eugênio Pacelli, André Callegari. – 2. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2016.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 2, p 621.

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