O Código Civil de 2002 não explicita o que considera fontes das
obrigações, no livro próprio (arts. 233 a 420, optando por disciplinar
diretamente as modalidades (obrigações de dar, de fazer, de não fazer,
alternativas, divisíveis, solidárias), que não são, propriamente,
espécies de fontes, mas modos de ser das variadas obrigações. O Código
Civil italiano de 1942, e os que por ele foram influenciados, destinou
um capítulo introdutório ao livro Das Obrigações, definindo
explicitamente as fontes das obrigações (contrato, fato ilícito e outros
eventos indicados pelo ordenamento), o caráter patrimonial da
obrigação e o princípio da boa-fé objetiva (regole della correteza).
Igualmente, os Códigos Civis mais recentes tendem a defini-las. Código
português (1966): contratos, negócios unilaterais, gestão de negócios,
enriquecimento sem causa e responsabilidade civil. Código peruano
(1984): contratos, gestão de negócios, enriquecimento sem causa,
promessa unilateral e responsabilidade extracontratual. Código Paraguaio
(1987): contratos, promessas unilaterais, gestão de negócios alheios,
enriquecimento sem causa, pagamento indevido, responsabilidade civil.
Código de Québec (1994): contratos e todos os atos ou fatos a que a lei
atribua efeitos de obrigação.
No Livro I, da Parte Especial (arts. 421 a 965), o
Código Civil brasileiro regula determinadas obrigações, a saber, o
contrato, a responsabilidade civil por danos imputáveis (doravante, por
conveniência didática, apenas denominada responsabilidade civil), os
atos unilaterais e os títulos de créditos. Não são fontes, mas espécies
ou tipos abertos de obrigações. Outras espécies podem ser consideradas,
desde que se enquadrem nas modalidades gerais. Por outro lado, o Livro
III da Parte Geral do Código Civil (arts. 104 a 232), destinado aos
fatos jurídicos, fornece os requisitos mais gerais de identificação das
obrigações civis.
As espécies de contratos, previstas no Código Civil,
não esgotam a ampla possibilidade criativa de outras, pelas partes
contratantes, em virtude do princípio do auto-regramento da vontade e da
regra de tutela da atipicidade (art. 425), estejam ou não disciplinadas
em leis especiais. Ou seja, podem as partes criar novas espécies de
contratos, não previstos em lei, desde que observem as normas gerais,
inclusive os princípios da função social, da boa-fé e da equivalência
material. A atipicidade não se confunde com arbitrariedade, pois cada
espécie contratual nova haverá de contar com um mínimo de “tipicidade
social”, segundo expressão de Emílio Betti[14],
assim entendida a que se desenvolve e é acolhida no tráfico jurídico,
remetendo para as valorações econômicas ou éticas da consciência social,
para além dos interesses meramente individuais, contingentes,
variáveis, contraditórios, socialmente imponderáveis.
A responsabilidade civil (também predicada como
extranegocial ou aquiliana) é obrigação derivada da violação do dever de
não causar dano a outrem. O direito brasileiro consagrou,
definitivamente, a reparação não apenas do dano material, mas igualmente
do dano moral, máxime com o advento da Constituição Federal (art. 5º,
X), do Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VI) e do art. 186 do
Código Civil. Todavia, não é o dano a fonte da obrigação, mas o fato
jurídico que se constituiu com a violação do dever de não causar dano,
do qual derivou a relação jurídica obrigacional, entre o credor (a
vítima) e o devedor (o imputável pelo dano).
As espécies de atos unilaterais tratadas pelo Código
Civil (arts. 854 a 886), sob essa denominação genérica, são diferentes
entre si, tendo em comum apenas o fato de não se enquadrarem nos
contratos ou na responsabilidade civil extranegocial. Com efeito, a
promessa de recompensa é negócio jurídico unilateral; a gestão de
negócio pode ser ato jurídico em sentido estrito (ou ato jurídico
lícito, segundo a terminologia utilizada pelo art. 185 do Código Civil),
quando realizada segundo a vontade presumida do dono do negócio, ou
pode ser ato ilícito (art. 186 do Código Civil), quando realizada contra
a vontade presumida do dono do negócio; o pagamento indevido é ato
ilícito, em relação a quem o recebeu; e o enriquecimento sem causa é
fato jurídico em sentido estrito, pois o enriquecimento pode decorrer
sem qualquer manifestação de vontade das partes envolvidas, a exemplo da
avulsão (art. 1.251 do Código Civil).
Os títulos de crédito são, também, atos unilaterais,
nesse sentido amplo. Na atualidade, assumiram natureza eminentemente
empresarial, razão porque melhor se qualificariam como obrigações
mercantis.
O Código Civil de 2002 unificou, no plano legal, as
obrigações de direito privado. Contudo, no plano didático, permanece
adequada a classificação entre obrigações eminentemente civis e
obrigações mercantis, cuja natureza radica em sua inserção predominante
na atividade empresarial. Assim, são contratos mercantis aqueles nos
quais o direito exige que um dos figurantes seja empresa (sociedade
empresária ou empresário individual). Por exemplo, o Código Civil de
1916 incluía o contrato de seguro entre os contratos civis, mas a
legislação subseqüente tornou esse contrato objeto exclusivamente de
atividade empresarial fiscalizada; o parágrafo único do art. 757 do
Código Civil é a culminância dessa trajetória, ao estabelecer que
somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade
para tal fim legalmente autorizada.
LÔBO, Paulo. Fatos jurídicos como fontes das obrigações. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3761, 18 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25366>. Acesso em: 19 out. 2013.
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