domingo, 29 de julho de 2012

Dos financiamentos agrícolas na economia brasileira

No tópico anterior, procurou-se evidenciar o grande interesse político no segmento do agronegócio e a presença do Estado como principal agente normatizador, regulador e importante financiador dessa atividade.
Assim foi que entre as décadas de 60 e 70, experimentou-se um significativo aumento na oferta de crédito agrícola no país, facilitando a modernização da agricultura brasileira, em parte pelo financiamento dos bancos privados, que por lei eram obrigados a aplicar no setor um percentual em torno de 10% de seus depósitos, em conformidade com os direcionamentos do Sistema Nacional de Crédito Rural - SNR, criado pela lei 4.595/64 e montado pela Resolução do Conselho Monetário Nacional, de 22 de setembro de 1967.
Há que se registrar que o Sistema Nacional de Crédito Rural - SNR carregava uma orientação estratégica de modernização conservadora do agronegócio brasileiro, ou seja, os recursos eram direcionados fortemente para produtos que estivessem integrados à agroindústria, aos grandes produtores, ao custeio da safra e bastante concentrados nas regiões Sul e Sudeste.
Até meados da década de 80 o modelo de financiamento ao setor do agronegócio envolvia recursos do Tesouro Nacional com juros subsidiados que eram repassados pelos agentes financeiros estatais e de economia mista, mediante o ajuste das taxas de juros via equalização, ou seja, os bancos, notadamente o Banco do Brasil, efetuavam os empréstimos à juros mais baratos do que os custos de captação e, posteriormente, faziam o ajuste da diferença do custo do dinheiro no mercado, à débito do Tesouro Nacional. (REZENDE, 2003).
Para tanto, havia sido instituído um mecanismo chamado Conta Movimento, onde o Banco do Brasil sacava os recursos, à ordem do Tesouro Nacional, na medida necessária para atender às demandas de crédito para cada período de safra, de modo a garantir a continuidade dos negócios da espécie. (GREMAUD, VASCONCELOS E TONETO JR, 2002).
Este modelo encontra exaustão na década de 80, também chamada pelos economistas da década perdida. No início da década o mundo enfrentou a segunda crise do petróleo, com consequências econômicas negativas como aumento das taxas de juros internacionais e o inevitável aumento do déficit público e da inflação.
Já em 1986, o governo federal decide encerrar o mecanismo da Conta Movimento em função da deterioração das contas públicas, uma vez que os saques, agora a descoberto por falta de recursos do Tesouro, tinham um efeito nefasto sobre a inflação. O que se viu foi uma redução drástica dos recursos subsidiados e a consequente redução da oferta de crédito ao agronegócio.
Aliado a esse movimento de acerto das contas públicas, viu-se o produtor rural diante de um quadro complexo e de difícil solução, pois além da redução do volume de recursos para financiamento de suas atividades, os preços dos produtos, diante da crise mundial, também foram fortemente deprimidos e o setor viu seus lucros reduzirem em patamares preocupantes (SERVILHA, 1994).
A saída encontrada pelo sistema político foi, ainda em 1986, aumentar os percentuais das exigibilidades de financiamento dos bancos, sobre seus saldos de depósitos à vista, para até 30% nos casos dos grandes bancos, 20% para os médios e 10% para os pequenos, tendo como reflexo um aumento superior a 80% nos recursos destinados ao agronegócio. (GASGUES E VILLA VERDE, 1996).
Paralelamente, conforme leciona Servilha (1984), a edição da Resolução n? 937 do Conselho Monetário Nacional, de 1? de agosto de 1984, havia permitido aos bancos comerciais realizarem operações de crédito rural com seus recursos de conta própria (também ditos livres), ou seja, fora da regra das exigibilidades, de acordo com seus interesses comerciais e estratégicos, além de poderem praticar taxas de mercado.
Em função da redução de recursos, ainda em 1986, foi autorizada a criação da Caderneta de Poupança Rural[10], também chamada Poupança Verde, que de um lado aliviava a pressão por recursos oriundos do Tesouro Nacional e de outro, dotava o sistema financeiro de uma poderosa fonte de captação de recursos destinados ao financiamento agrícola.
Mas, para Gasgues e Villa Verde (1996), os problemas não foram resolvidos, muito pelo contrário, agravaram-se em função da situação econômica pela qual passava o país, bem como por uma decisão tomada em 1989, pelo Conselho Monetário Nacional, que determinou a proibição da cobrança de taxas de juros acima de 12% a.a. nos empréstimos lastreados pela Poupança Rural, diminuindo ainda mais, já em 1990, para 9% a.a. o teto máximo, o que causou sérios prejuízos aos bancos, obrigando o Tesouro Nacional a cobrir a diferença.
Com isso, a safra 1989/90 apresentou um péssimo desempenho, bem abaixo das previsões esperadas, provocando redução no abastecimento interno e pressões inflacionárias. Com o objetivo de sanar os problemas até então vividos, em agosto de 1990, decide-se aumentar os preços mínimos de garantia de alguns produtos, como arroz, feijão e milho, além de corrigir os valores básicos de custeio, que norteiam os financiamentos agrícolas, para a safra 1990/91. (IPEA, 2000)
Todavia, em função do confisco de ativos ocorrido no governo Collor, há época dessas medidas, a escassez de recursos obrigou o Conselho Monetário Nacional a prorrogar, pelo prazo de uma safra, os financiamentos originados com lastro na Poupança Rural[11].
Além disso, foram necessárias medidas adicionais como a criação de uma nova linha de crédito que pudesse ser garantida por caução de apólice de seguro ou de contrato de venda no mercado futuro, como forma de incentivar o sistema financeiro a usar seus recursos livres, mas com riscos mitigados.
Portanto, a partir do agravamento da crise fiscal brasileira, ocorrida na década de 80, conforme observado por Massuquetti (1999), o que se viu foi a drástica redução de recursos públicos destinados ao suprimento das demandas de crédito do setor agrícola, e, já nos anos 90, percebe-se uma clara opção política pela redução das intervenções estatais na economia, passando esta a ficar cada vez mais vinculada ao mercado, o que resultou em um aumento da participação da iniciativa privada nos financiamentos da espécie.
Dos exemplos acima se pode perceber a dependência do setor de agronegócios de financiamentos, quer para custeio, investimentos e mesmo para comercialização, sendo que tais demandas não podem mais ser supridas apenas com recursos governamentais, ainda que estes sejam imprescindíveis.
A recente estabilização da economia brasileira, que teve início com o advento do Plano Real, ainda no Governo Sarney, tendo continuidade assegurada nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, parece continuar no atual governo da presidente Dilma, como se pode verificar pelo artigo publicado pelo renomado periódico inglês, Financial Times, elogiando as medidas políticas e econômicas brasileiras, reconhecendo, ainda, nossa desenvoltura, tanto no mercado interno, quando no externo, a despeito da crise mundial atual.[12]
Este período de estabilidade dos últimos anos deu impulso considerável ao agronegócio brasileiro, como já demonstrado anteriormente pelos relevantes números que apresenta. A existência de perspectivas ainda mais promissoras acaba por estimular novos investimentos em tecnologia e aumento da produtividade, o que de fato tem ocorrido safra após safra.
Assim, desse mercado evoluído também participa o sistema financeiro, desenvolvendo uma série de novas soluções que possibilitem ao empresário do agronegócio viabilizar seus projetos com novas fontes de captação de recursos, fugindo das formas tradicionais de financiamento, aliviando as contas públicas e deixando para o governo os financiamentos que de fato são de relevância social, como, por exemplo, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF[13] que busca o desenvolvimento da agricultura familiar.
Cada vez mais o financiamento da atividade do agronegócio advém dessas novas fontes de captação, bem como pelo financiamento de outros entes privados que participam da extensa cadeia desse segmento, como, por exemplo, as grandes esmagadoras de grãos que acabam por antecipar os recursos necessários aos produtores, assegurando o fornecimento de sua matéria-prima.
A emissão de papéis oriundos da comercialização dos produtos, como CDCA[14], ou mesmo vinculados à safra futura, como as LCA’s[15], são exemplos de mecanismos modernos que o sistema financeiro coloca à disposição do agronegócio, além de soluções de proteção de preços, frente às volatilidades do mercado internacional, também são exemplos de apoio ao agronegócio.
Assim, dada a grande complexidade que as operações de agronegócio demandam, bem como da extensa cadeia produtiva envolvida nesse segmento econômico, tem sido cada vez mais relevante e essencial ao desenvolvimento desses negócios, o financiamento bancário, quer por vias convencionais, com ou sem subsídios estatais, quer por modernas e intrincadas engenharias financeiras envolvendo grandes fundos de pensões, nacionais e estrangeiros.
Podemos depreender dessa relação cada vez mais complexa, que as instituições financeiras demonstrem crescente interesse nesses mercados, ofertando soluções creditícias também cada vez mais elaboradas e, naturalmente, cada vez mais lucrativas para os partícipes desse setor econômico, particularmente aos bancos, pois sua atuação se dá em todas as fases do processo, desde a produção, comercialização, industrialização até a distribuição[16].

SANTOS, Marcos Alex Silva dos. O financiamento do agronegócio e a responsabilidade dos agentes financeiros nos impactos ambientais. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3299, 13 jul. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22207>.

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