quarta-feira, 6 de junho de 2018

Posso resolver um contrato por falta de pagamento?

A resposta é depende! Entenda o porquê.

Publicado por Lauren J. L. F. Teixeira Alves

ORIGEM DA OBRIGAÇÃO

Em razão de um acordo de vontades, pela manifestação unilateral de uma só vontade ou até mesmo por ato ilícito, a pessoa se compromete a dar, fazer ou não fazer alguma coisa. Essa obrigação assumida constitui um ônus cujo cumprimento é, via de regra, obrigatório.

EFEITOS DA OBRIGAÇÃO

Nascida a obrigação, cria-se para o devedor o encargo de realiza-la e para o credor o direito de recebê-la, nos moldes contratados. No decorrer dessa relação obrigacional e até mesmo do cumprimento das obrigações, quando por vezes parceladas, diversas situações podem ocorrer.

Desse modo, o devedor pode simplesmente cumprir com sua obrigação ou pode deixar de assim proceder, ficando obrigado à indenização dos prejuízos sofridos pelo credor, salvo se o não cumprimento se deu por ato ou fato alheios à sua vontade.

EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO

Cumprida a prestação por parte do devedor, tem-se a extinção da obrigação e o contrato resolvido. Contudo, e se o devedor não cumprir com a obrigação, posso resolver o contrato?

EXTINÇÃO DO CONTRATO PELO NÃO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO.

Nos contratos denominados por bilaterais, onde surgem obrigações para ambas as partes contratantes, é sabido que cada um deve cumprir com a obrigação que lhe cabe.

Ocorre que, algumas vezes, uma das partes não cumpre, de forma total ou parcial, a obrigação que originou o contrato, permanecendo o credor prejudicado pela inércia da parte contrária frente a obrigação assumida. Pode, assim, a parte prejudicada ensejar a resolução do contrato.

Existe nesses contratos uma cláusula denominada por resolutiva tácita, prevista de forma a evitar que uma das partes seja prejudicada pelo inadimplemento da outra e prevista no art. 475 do Código Civil.

Essa primeira cláusula está SUBENTENDIDA no contrato e precisa de interpelação judicial. Por outro lado, existe a cláusula resolutiva expressa, descrita claramente no contrato, denominada como pacto comissório e com o mesmo objetivo da primeira. (art. 474 do Código Civil).

Mas será que não há limites para extinção por tal caso?

ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL E SUA APLICAÇÃO

O adimplemento substancial se trata de um instituto cuja aplicação pode, eventualmente, restringir a prerrogativa da resolução contratual autorizada pela primeira parte do art. 475 do CC/2002. E mesmo quando prevista cláusula expressa sobre a extinção do contrato no caso da falta de pagamento, a clausula poderá ser julgada INEFICAZ.

Esse instituto nasce a partir da observação da desproporcionalidade que pode resultar uma resolução contratual aplicada de forma incondicional em determinadas situações, em especial aquelas nas quais a obrigação havia sido cumprida pelo devedor de modo praticamente integral, evidenciando a insignificância do inadimplemento.

Otavio Luiz Rodrigues Junior (Revisão Judicial dos contratos: Autonomia da vontade e teoria da imprevisão . 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006), citando a obra de Edward Errante, refere-se a um exemplo hipotético de adimplemento substancial que também permite compreender esse instituto em sua concepção inglesa, vejamos:
“a) Uma empreiteira foi contratada para construir uma mansão, “tendo o contratante fornecido o projeto e as especificações da obra”. No prazo de sua entrega, a empreiteira “apresentou a casa ao proprietário, ficando evidente a observância de todas as indicações arquitetônicas e o uso dos materiais acordados, exceto por faltarem maçanetas em duas portas”.
b) Nesse caso, “considerou-se ter havido o cumprimento substancial da obrigação” pela empreiteira, “dada a insignificância das maçanetas no contexto da empreitada”.
c) Assim, o contratante “não estaria liberado da prestação que lhe imputava o contrato – que é o pagamento da obra. Ser-lhe-ia lícito, porém, deduzir o valor das peças ausentes e o custo da instalação por terceiros”.
d) De tal modo, em situações tais, a parte não poderá resolver a avença invocando a exceção do contrato não cumprido e será compelida a cumprir a sua respectiva prestação.”

O Direito português impede a resolução do negócio "se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse [do credor], tiver escassa importância"(art. 802, 2, do Código Civil). A "Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias" (Viena, 1980) autoriza que o comprador declare resolvido o contrato, mas apenas se "a inexecução pelo vendedor (...) constituir uma infração essencial (...)" (art. 49, 1, a).

No direito brasileiro esse instituto ainda não ganhou previsão expressa, mas é adotado largamente pelos tribunais, em especial o STJ. Acontece que existe uma controvérsia de sua base quanto aos princípios como a função social do contrato, a boa-fé objetiva, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa.

O primeiro acórdão do STJ que registra abordagem sobre o tema é o Resp n. 76.362/MT, julgado em 11 de dezembro de 1995 pela Quarta Turma (DJ de 01/04/1996). Vejamos sua ementa:
"SEGURO. INADIMPLEMENTO DA SEGURADA. FALTA DE PAGAMENTO DA ULTIMA PRESTAÇÃO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. RESOLUÇÃO. A COMPANHIA SEGURADORA NÃO PODE DAR POR EXTINTO O CONTRATO DE SEGURO, POR FALTA DE PAGAMENTO DA ÚLTIMA PRESTAÇÃO DO PRÊMIO, POR TRÊS RAZÕES: A) SEMPRE RECEBEU AS PRESTAÇÕES COM ATRASO, O QUE ESTAVA, ALIÁS, PREVISTO NO CONTRATO, SENDO INADMISSÍVEL QUE APENAS REJEITE A PRESTAÇÃO QUANDO OCORRA O SINISTRO; B) A SEGURADA CUMPRIU SUBSTANCIALMENTE COM A SUA OBRIGAÇÃO, NÃO SENDO A SUA FALTA SUFICIENTE PARA EXTINGUIR O CONTRATO; C) A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DEVE SER REQUERIDA EM JUÍZO, QUANDO SERA POSSÍVEL AVALIAR A IMPORTÂNCIA DO INADIMPLEMENTO, SUFICIENTE PARA A EXTINÇÃO DO NEGOCIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO." (REsp 76.362/MT, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 11/12/1995, DJ 01/04/1996, p. 9917)

No seu turno, nos casos onde o contexto fático está devidamente delineado nas decisões proferidas anteriormente, o STJ veio invocando a teoria do adimplemento substancial para afastar os efeitos da mora:
a) Atraso na última parcela: REsp. 76.362/MT.
b) Inadimplemento de 2 parcelas: REsp. 912.697/GO.
c) Inadimplemento de valores correspondentes a 20% do valor total do bem: REsp. 469.577/SC.
d) Inadimplemento de 10% do valor total do bem: AgRg no AgREsp 155.885/MS.
e) Inadimplemento de 5 parcelas de um total de 36, correspondendo a 14% do total devido: Resp. 1.051.270/RS.

A questão é que o entendimento dos tribunais brasileiros vem sendo de forma a analisar minuciosamente cada caso apresentado, medindo-se a extensão, intensidade e demais características do inadimplemento e do contrato em jogo.
“O uso do instituto da substantial performance não pode ser estimulado a ponto de inverter a ordem lógico-jurídica que assenta o integral e regular cumprimento do contrato como meio esperado de extinção das obrigações. Definitivamente, não. A sua incidência é excepcional, reservada para os casos nos quais a rescisão contratual traduz solução evidentemente desproporcional. Sua aplicação, ademais, exige o preenchimento dos seguintes requisitos, bem delineados no julgamento do antes mencionado Recurso Especial n. 76.362/MT: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. É a presença dessas condições que justifica a excepcional intervenção do Judiciário na economia do contrato.” (STJ - MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA)

Dessa forma, a teoria do adimplemento substancial não pode ser utilizada de forma a ferir os direitos do credor e modificar a relação oriunda do contrato. A verdade é que, a longo prazo, os efeitos colaterais dessa medida podem encarecer os custos do contrato, “socializando os prejuízos da inadimplência praticada por alguns em detrimento de todos”. (STJ - MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA)
“O Direito dos Contratos e a liberdade contratual não são fins em si mesmos. São meios para permitir às partes exercer seu direito de autodeterminação. Evidentemente, um contrato deve ser o resultado de um ato de autodeterminação de ambas as partes. E o Direito precisa garantir que ambas as partes de fato possam tomar uma decisão autodeterminada" (RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. RODAS, Sérgio. Entrevista com Reinhard Zimmermann e Jan Peter Schimidt. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 5. ano 2. p. 329/362. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais).

Conclui-se que a regra é que as partes que celebram um contrato se obrigam aos parâmetros contratados, sendo responsáveis por seus atos e inércias frente aos direitos e deveres oriundos dessa relação. A aplicação do instituto do adimplemento substancial é uma EXCEÇÃO e deve ser sempre avaliada pelo magistrado a significância do inadimplemento para sua efetivação.

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