terça-feira, 18 de outubro de 2016

Você já ouviu falar da teoria da perda de uma chance?

Esta teoria vem ganhando espaço rapidamente na jurisprudência pátria.

Publicado por Thiago Henrique Boaventura

Durante os Jogos Olímpicos de 2004, o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, que liderava a prova que disputava foi, surpreendentemente, agarrado por um terceiro que havia invadido a pista, impedindo que o brasileiro conquistasse a medalha de ouro para o nosso país.

Pergunta-se: poderia o terceiro, que invadiu a pista onde estava sendo realizada a prova, ser responsabilizado civilmente por conta deste ato?

Classicamente, a doutrina civilista não admitiria tal possibilidade, visto que a prova ainda não havia acabado, não sendo possível garantir, com total certeza, que o atleta continuaria em primeiro lugar até o fim da disputa.

Entretanto, surge na França, em meados do século passado, a chamadaperte d´une chance, conhecida no Brasil como Teoria da perda de uma chance.

Sobre esta teoria, elucida Sérgio Cavallieri Filho: “Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um beneficio futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante."

Aliás, sobre a última situação exposta pelo autor, parece oportuna a observação de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: " Na busca do diagnóstico da conduta do advogado que perpetrou um dano ao seu cliente, inevitável é a ocorrência de situações em que a lesão ao patrimônio jurídico do cliente tenha se dado por uma conduta omissiva do profissional. "

A doutrina estabelece que, para que se reconheça tal teoria no caso concreto, é necessário verificar se a chance perdida é real e séria, ou seja, se de fato, não havendo a interferência, a situação futura se concretizaria.

Ademais, cumpre observar a natureza jurídica do dano.

É ponto comum na doutrina civilista que o dano pode ser emergente ou compreender lucros cessantes. A verdade é que o objeto aqui estudado não compreende qualquer das categorias acima elencadas. Entende-se que este corresponde a um" meio termo "entre os dois, sendo, pois, a perda da possibilidade de se alcançar objetivo mais vantajoso em decorrência da interferência de terceiro.

Corroborando, eis o julgado do STJ:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. 1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. (STJ. 4ª Turma, REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2010)

Por fim, é primordial analisarmos o" quantum debeatur ", que consiste na fixação do valor de uma eventual indenização no caso em que se aplique a teoria em estudo.

Considerando que se trata de um resultado que possivelmente aconteceria sem uma interferência, não podendo-se assegurar com total certeza a sua concretização, a indenização, de acordo com a doutrina majoritária, deve ser adotado um critério de probabilidade na sua fixação, de modo que o julgador analise quais eram as chances do resultado almejado pela vítima acontecer, se não houvesse a intervenção de terceiro.

O julgamento do STJ, no REsp 788459, sob a relatoria do Min. Fernando Gonçalves, serve perfeitamente como exemplo prático para o que foi exposto:

Recurso Especial. Indenização. Impropriedade de pergunta formulada em programa de televisão. Perda da oportunidade. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que aConstituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.

"Quanto ao valor do ressarcimento, a exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, tenho que ao tribunal é permitido analisar com desenvoltura e liberdade o tema, adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o enriquecimento sem causa de uma parte ou o dano exagerado da outra. A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00) – equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma ‘probabilidade matemática’ de acerto da questão de múltipla escolha com quatro itens, reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida”

REFERÊNCIAS:

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Dizer o Direito: Teoria da Perda de uma Chance. Publicado em 13 de jul de 2013. Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2013/07/teoria-da-perda-de-uma-chance.html>

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008;

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil, volume 3. 10º edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

GONDIM, Glenda Gonçalves. A Reparação Civil na Perda de uma Chance. São Paulo: Clássica Editora, 2013. Disponível em: <http://www.editoraclassica.com.br/novo/ebooksconteudo/pdf_teoria_perda.pdf> Acesso em out 2016.

OLIVEIRA, Katiane da Silva. A teoria da perda de uma chance: Nova vertente na responsabilidade civil. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 83, dez 2010. Disponível em: <http://www.ambito-jurídico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8762&revista_caderno=7>. Acesso em out 2016.

www.stj.jus.br


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