imagem por Thomas B. por Pixabay / Reprodução
A professora Anna Valéria de Miranda Araújo, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, e a doutoranda e estudante de Direito Leila Maria Chagas Serra assinam o artigo científico "Análise da natureza jurídica dos animais de estimação numa dissolução conjugal no âmbito de família eudemonista". O trabalho integra a 36ª edição da Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões.
O objetivo das autoras é compreender o status dos animais de estimação em uma dissolução conjugal em face das decisões judiciais. Para isso, consideram que esses "novos membros" se inserem em um modelo de família eudemonista, ou seja, baseada nas relações afetivas e na busca por realização pessoal.
O artigo apresenta concepções acerca da família eudemonista, realça abordagens sobre o princípio da afetividade em uma constituição familiar e explica a natureza jurídica dos animais de estimação quando há dissolução de relação conjugal.
No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça – STJ entendeu que, na dissolução das uniões, o ordenamento jurídico não pode desprezar a relação do homem com seu animal de estimação. “Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade” (Recurso Especial 1.713.167).
Famílias multiespécies
“A família eudemonista busca a realização plena de seus membros, caracterizando-se pela comunhão de afeto e respeito mútuos entre todos os seus membros, independentemente do vínculo biológico. Isso porque a afetividade é o princípio que baseia o Direito das Famílias”, explica Anna Valéria.
“Assim, os animais de estimação, ao entrarem no convívio familiar, passam a ocupar um espaço muito especial, contribuindo para o bem-estar e alegria dos donos, ressaltado ou mesmo aflorando o afeto nessa relação entre homem e animal, passando a ser tratados como integrantes da relação familiar”, acrescenta a professora.
A relação recíproca de afeto entre homem e animal, com cuidado e proteção, leva ao surgimento de uma família multiespécie. Nesse contexto, segundo Leila Maria, deve haver concomitância entre os direitos do animal e os dos humanos.
“O diálogo entre ambos os direitos dar-se-á inicialmente quanto à sua proteção como bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Dentro dessa tutela, especificamente aos direitos do animal, destaca-se o artigo 225, §1º, inciso VII da Constituição Federal de 1988, que realça acerca da vedação de submissão ou crueldade aos animais. Isso implica na interferência do Estado protetor e também da sociedade quanto da aplicabilidade e efetividade da norma”, observa a estudante.
Anna Valéria destaca ainda que o art. 225, §1º, VII, da Constituição Federal, trata da proteção aos animais. A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da ONU, também estipulou, em seus artigos 2º e 5º, que cada animal “tem direito ao respeito” e “o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprias de sua espécie”.
Ausência de legislações específicas
Casos de dissolução conjugal na família multiespécie ainda enfrentam a falta de uma legislação específica e acabam envoltos em disputas judiciais. “A solução não é das mais fáceis, principalmente quando inexiste consenso entre as partes. A melhor solução, portanto, consiste na preservação dos interesses dos animais de estimação, devendo as partes envolvidas comprovarem as melhores condições psicológicas, afetivas e financeiras em prol do animal”, defende Anna Valéria.
Leila observa que as decisões também costumam preservar e garantir os direitos fundamentais da pessoa humana. “Nesse âmago, insere-se o vínculo afetivo com os animais de estimação quando são integrantes e/ou agregados ao ciclo familiar. Tais decisões representam efeitos da evolução social quanto ao surgimento de modelo de família multiespécie, que se coloca no contexto de ‘felicidade’ interna familiar e resulta na exteriorização do afeto e cuidado com aqueles animais, por exemplo”, avalia a estudiosa.
Para Leila, o Brasil necessita de legislação sobre o tema. “Os animais domésticos não são considerados sujeito de direito. Este status é adotado somente às pessoas humanas e jurídicas”, diz. Ela lembra, ainda, que o Código Civil de 2002 apresenta a natureza jurídica dos animais de estimação em termos de “coisa” e “propriedade”, algo já superado nos novos tempos.
“Depreende-se que (o Código Civil) não previu a adaptação dos animais como sujeitos de direito no contexto da dinâmica social e evolução do Direito em face daquele. Busca-se o reconhecimento desses animais como seres sencientes que, por vez, podem interagir na sua afetividade com os seres humanos”, defende Leila.
Enunciado do IBDFAM baseou Projeto de Lei do Senado
O Enunciado 11 do IBDFAM diz: “Na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal.” O pressuposto deu origem ao Projeto de Lei do Senado 542/2018, de autoria da senadora Rose de Freitas (PODEMOS/ES).
Para Anna Valéria, a proposta, que altera o Código de Processo Civil, é oportuna e necessária. “A família multiespécie é uma realidade e as demandas decorrentes da sua dissolução também”, pontua. “Cada vez mais há demandas judiciais envolvendo a família multiespécie e a falta de legislação sobre a matéria gera insegurança jurídica e angústia para aqueles que se veem cerceados do convívio com seus animais de estimação”, atenta Anna Valéria.
“Com o Projeto (PLS 542/18), estaremos alinhados com o entendimento já consolidado internacionalmente de que animais não podem mais ser definidos como objetos ou coisas, mas seres que necessitam de afeto, atenção e cuidado, e que não podem ser prejudicados pela alternância constante de residência”, assinala a professora.
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