segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Dano por inscrição indevida no SPC prescreve em 10 anos

Com base no princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição e a decadência só começam a contar quando o titular do direito violado toma conhecimento de fato e da extensão de suas consequências, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu sobre o tempo do prazo prescricional para ajuizamento de ação indenizatória por cadastro irregular no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito). Para os ministros, o prazo tem início quando o consumidor toma ciência do registro. Como esse tipo de caso não se ajusta a nenhum dos prazos específicos do Código Civil, a prescrição ocorre em 10 anos, quando o dano decorre de relação contratual.

A Turma decidiu que um cliente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) poderia apresentar pedido de dano moral três anos depois de um episódio pela inclusão indevida de seu nome do SPC.

Mesmo tendo pago todas as prestações de um empréstimo com o banco, o nome do consumidor foi parar no cadastro de inadimplentes, em 2003. Sem ter sido comunicado do registro no SPC, ele só tomou conhecimento após três anos, quando tentou financiar um automóvel em outra empresa. No mesmo ano, em 2006, apresentou ação de reparação de dano moral.

No recuso levado ao STJ pela instituição financeira, contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a defesa argumentou que o prazo prescricional para o início da ação de reparação civil é de três anos e deve ser contado a partir da violação do direito, isto é, da data de inscrição no cadastro de inadimplentes. A previsão está no artigo 206, parágrafo terceiro, inciso V, do Código Civil.

Segundo relator do caso na 4ª Turma, ministro Luis Felipe Salomão, no processo de novação — como é chamada a conversão de uma dívida em outra para extinguir a primeira — o banco negligentemente deixou de observar os deveres de proteção e lealdade para com o cliente. A violação desses deveres, chamados de deveres anexos do contrato, implica responsabilidade civil contratual. Para o ministro, o prazo prescricional de três anos, invocado pelo banco, é relativo à indenização por responsabilidade civil extracontratual.

Com informações da Assessoria de Comunicação do STJ.
REsp 1276311
Revista Consultor Jurídico

O ECA e a lição de Tolstói para crianças estudarem pouco

O art. 53, II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe que a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes, entre outros, o direito de ser respeitada por seus educadores.

É numa carta[2] do escritor russo Leon Tolstói (1828-1910) que colho interessante percepção, no caso relativa à educação dos netos do autor de Guerra e Paz, que pode nos orientar, como pais e educadores, no contexto da importantíssima missão do respeito para com a criança-educanda. Para Tolstói, o núcleo de uma boa educação consiste em se despertar na criança o senso de responsabilidade.

Tolstói nos sugere poderosa concepção educacional na referida carta que endereçou a sua nora, Sofia (que chamava pelo diminutivo de Sônia). A epístola é datada de 1902. Na carta, Tolstói se reportava a uma conversa que tivera com o filho, Iliá, a propósito da educação de seus netos.

Tolstói lembrou à nora que concordava com a opinião de Iliá, no sentido de que “as crianças devem estudar o menos possível”. Para Tolstói, não era tão grave que as crianças crescessem “sem conhecer uma coisa nem outra”. O pior, segundo o escritor russo, é que as mães orientavam a educação das crianças, ainda que desconhecendo os assuntos que mereceriam ser estudados. Abuso de conhecimento, diria Pedro Demo. Segundo Tolstói, as crianças geralmente se aborrecem com os estudos porque são mal orientadas. Naturalmente, revoltam-se contra tudo que lembre a obrigação de estudar.

Essa intuição parece-me inteiramente válida, por exemplo, quando me recordo de como minha geração, educada na década de 1970, fora apresentada à literatura brasileira. Havia então um cânon dominante (que ainda é o mesmo), que à juventude era imposto, como obrigação cívica. Aos 10 anos liámos a prosa enfadonha do romantismo, nos perturbávamos com os regionalismos incompreensíveis de José de Alencar. Não entendíamos Machado de Assis. Assustávamos com o Cabeleira de Franklyn Távora. Éramos crianças. Nada entendíamos. A coisa mudava quando liamos Monteiro Lobato...

A pedagogia vitoriosa, para Tolstói, teria como fundamento o despertar do aluno para o objeto do estudo. O educador que despertasse no aprendente o gosto pela matéria estudada já teria cumprido com eficiência a sua missão: Uma criança, ou um adulto, só aprende quando sente gosto pelo objeto de estudo. Sem isso ocorre um dano, um terrível dano intelectual que transforma as pessoas em deficientes mentais[3].

Porém, Tolstói contrapõe, “(...) se as crianças não estudassem, de que se ocupariam? de todos os tipos de tolices e patifarias com as crianças camponesas?” Para Tolstói, às crianças deve se ensinar que tudo que decorre de um esforço de alguém, e que um dia — quando adultos —  deverão atender às próprias necessidades. Assim, segundo Tolstói “(...) a primeira condição para uma boa educação é que a criança saiba que tudo aquilo que ela precisa não cai pronto do céu, mas é o resultado do trabalho de outras pessoas”[4].

O mundo deve se revelar para a criança sem nenhuma metáfora ou fantasia. A vida real, afinal, não é apenas açúcar ou anestesia. A criança, segundo Tolstói, precisa entender que as pessoas que as servem, babás ou empregadas, por exemplo, o fazem sem prazer algum, profissionalmente, em troca de pagamento. Algo muito pragmático. Não se educam as crianças com mágicas. Tudo custa muito esforço. De tal modo, segundo Tolstói:

Compreender que tudo que a circunda resulta do trabalho alheio, do trabalho de gente desconhecida e que não necessariamente a ama está bem acima da compreensão da criança (Deus queira que ela entenda isso quando se tornar adulta), mas ela deve entender que o penico em que urina é esvaziado e lavado sem nenhum prazer por sua babá ou pela criada, e que o mesmo ocorre com suas botinas e galochas, que ela encontra sempre lavadas e limpas, e que tudo isso não é feito por mágica nem por amor a ela, mas por razões que ela ignora, que ela pode e deva entender, e as quais deve se envergonhar[5].

A pior educação, a que marcará negativamente a criança por toda a vida, segundo Tolstói, é aquela na qual o educando não consegue entender o que se passa na realidade. As crianças devem, segundo Tolstói, o mais rápido possível, ganhar controle das próprias vidas, no sentido de que tomem conta de si mesmos, circunstância que lhes garantirá a liberdade e a independência futuras. Deve a criança viver uma catexia, em forma de investimento psicológico, possibilitando-se ligação com a vida, e com os desafios que há. É o conselho de Tolstói:

Deixe-os fazer, com empenho, tudo o que precisarem fazer para si próprios: descartar as próprias fezes, pegar água do poço, lavar a louça, arrumar o quarto, limpar os sapatos e as roupas, arrumar a mesa e assim por diante; deixe-os fazer sozinhos. Acredite em mim, por mais insignificantes que tais tarefas possam parecer, elas são muito mais importantes para a felicidade de seus filhos, do que o conhecimento da língua francesa, de história, e assim por diante[6].

Tolstói reconhecia o espírito de mimetismo que caracteriza o comportamento infantil. As crianças, insistia Tolstói, “fazem com prazer apenas aquilo que os pais fazem”; por isso, a importância do exemplo.

As crianças devem estudar menos. Devem cuidar mais de si mesmas. Devem conhecer os bons exemplos, que desenvolvem a autonomia de que tanto necessitam. Tolstói recomendava à nora que acostumasse as crianças a todos os trabalhos da terra. Deviam cuidar de hortas, “ainda que essa atividade seja [fosse] uma brincadeira na maior parte do tempo”. Tolstói lembrava a nora de que “a necessidade de que cada um cuide de si mesmo e de que limpe o que suja é [era] reconhecida nas melhores escolas[7]. E arrematava:

Acredite em mim, Sônia, sem essa condição não há educação moral nem cristã, nem a consciência de que todos os homens são irmãos e iguais entre si. Uma criança é capaz de entender que um adulto, que seu pai – seja ele banqueiro, torneiro, artista ou feitor-, cujo trabalho alimenta a família, pode ser dispensado dessas tarefas caso estas o impeçam de dedicar todo o seu tempo à realização de seu trabalho[8].

Tolstói observa quão difícil era as crianças entenderem as palavras “liberdade” e “fraternidade” enquanto no mundo ainda existissem duas classes: senhores e escravos... É no exemplo que se educa. Para Tolstói: (...) nos ensinamentos dos mais velhos sobre moral, a criança perceberá, no fundo de sua alma, que todos os sermões são enganosos, e ela deixará de acreditar em seus próprios pais e em seus mestres, e até mesmo na necessidade de qualquer moral, seja qual for[9].

E o poder do exemplo também tocaria nas pequenas (mas não menos importantes) coisas e circunstâncias da vida. Por isso, ainda com Tolstói: (...) determinadas situações farão com que as crianças percebam imediatamente as desvantagens decorrentes de não cumprir certas tarefas – por exemplo, se as roupas e os sapatos de passeio não estiverem limpos nem secos, será impossível sair; se a água não for retirada do poço, ou se a louça não for lavada, será impossível beber[10].

Conclusivamente, Tolstói recomendava que as crianças estudassem pouco, que fossem despertadas para o gosto da matéria estudada, que fossem induzidas a compreender o trabalho alheio, que entendessem o que os adultos fazem por elas, e os porquês do que fazem, que fossem estimuladas a terem contato com a terra, que fizessem trabalhos manuais.

Dos pais, Tolstói esperava que dessem bons exemplos e que procurassem dominar os assuntos que tratavam com as crianças.

Essa a fórmula do grande escritor russo para que as crianças ganhem autonomia e independência, objetivos que educadores devem obstinadamente perseguir, porque as crianças têm o direito de serem respeitadas por aqueles que as educam.

[1] Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC de São Paulo. Consultor-Geral da União.
[2] Tolstoi, Leon, Os últimos dias, São Paulo: Penguin Classics Cia das Letras, 2011. Tradução de Elena Vássina e outros.
[3] Tolstoi, Leon, cit., p. 213.
[4] Tolstoi, Leon, cit. p. 214.
[5] Tolstoi, Leon, cit., loc. cit.
[6] Tolstoi, Leon, cit., loc. cit.
[7] Tolstoi, Leon, cit., p. 215.
[8] Tolstoi, Leon, cit., pp. 215-216.
[9] Tolstoi, Leon, cit., p. 216.
[10] Tolstoi, Leon, cit., loc.cit.


Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é consultor-geral da União, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico

Especialista recomenda cuidado com alegações no Júri

Declarar aos jurados que a Promotoria não tem provas para condenar o réu é um tiro que pode sair pela culatra. A afirmação é do advogado e professor de Direito Jim McElhaney. Ele começou escrever sobre estratégias de defesa em Tribunal do Júri para o Jornal da ABA (American Bar Association, a Ordem dos Advogados dos EUA) há 25 anos, depois de já haver se tornado uma celebridade entre os advogados de defesa. Para ele, dependendo da maneira que esse argumento for apresentado ao júri, ele pode prejudicar o réu, em vez de ajudá-lo.

A alegação de que o acusador não pode "provar a culpa do réu além da dúvida razoável" (uma terminologia americana para se discutir o ônus da prova) pode levar os jurados a concluir, mesmo que inconscientemente, que o advogado sabe que o réu é culpado e, por isso, só lhe resta desafiar a Promotoria a apresentar provas sólidas, que talvez não tenha, para respaldar a acusação. É um recurso que implica o famoso "você não pode provar", utilizado por tantos criminosos cinematográficos.

"Imaginem que um garoto acusa o outro de haver roubado sua luva de beisebol", exemplifica o articulista. E segue em frente como seria em cada hipótese. Veja abaixo:

Caso um:
"Essa luva de beisebol é minha".
"Não, não é. A sua tem um laço quebrado".

Caso dois:
"Essa luva de beisebol é minha".
"Você não pode provar"

Nos dois casos, escreve o articulista, "você vai precisar de mais evidências para se convencer a favor de um ou de outro, se não quiser chegar a uma conclusão precipitada. Mas, se você considera suspeita a pessoa que diz ‘você não pode provar’, esse sentimento pode afetar o seu discernimento".

De volta ao tribunal, quando o advogado sustenta sua defesa essencialmente no pilar jurídico de que o réu é inocente até que a Promotoria prove o contrário, os jurados esperam em vão por argumentos mais substanciosos. E, na falta de substância, a mensagem transmitida leva os jurados a três percepções diferentes sobre o trabalho do advogado e do promotor, diz o articulista. São elas:
 1) Estamos certos de que ele é culpado;
2) Estamos certos de que ele é inocente;
3) Não sabemos se ele é culpado ou inocente.

Jim McElhaney aposta que os jurados tenderão a concluir, se o advogado não lhes dar algum tipo de revelação secreta, sobre alguma coisa que só ele sabe, que se sabe que o réu é culpado, mas o advogado está tentando recorrer a tecnicidades para livrá-lo de um veredito desfavorável.

"Isso significa que o advogado não deve apelar para o recurso da dúvida razoável, em defesa de seu cliente? Não. O advogado deve usar esse recurso. Mas deve encontrar uma maneira de apresentá-lo ao júri para que o feitiço não vire contra o feiticeiro.

Exemplo? Jim McElhaney cita um caso em que o advogado Peter de Manio, já falecido, surpreendeu a todos em um fórum de Sarasota, Flórida, quando defendia um réu processado pelo (poderoso) governo. Em favor do governo, os promotores tinham fortes evidências circunstanciais, embora não tivessem testemunhas. Ele sabia que teria de apelar para a "dúvida razoável", mas chegou lá por vias transversas e de uma forma inesperada. Ele começou perguntando aos jurados:

"É possível para o governo provar a culpa além da dúvida razoável, apenas com evidências circunstanciais?". E continuou: "Claro que é. Veja esse exemplo. Suponha que você pegue um camundongo e o coloque em uma caixa. Agora você pega um gato e o coloca na caixa, junto com o camundongo. Feche a caixa e a amarre, bem amarrada, para que ela não se abra. Deixe a sala por meia hora. Quando voltar, desamarre a caixa, abra a tampa e olhe lá dentro. Não há mais camundongo. So há um gato com jeito de feliz".

"Você sabe o que aconteceu? Você não estava lá para ver e não há testemunhas oculares. Tudo o que você tem é uma evidência circunstancial. Mas você sabe, além de qualquer dúvida razoável, o que aconteceu dentro daquela caixa — e qual foi o destino do pobre camundongo. Mas, vamos fazer tudo de novo. Coloque o camundongo na caixa, ponha o gato na caixa, feche a caixa, amarre a caixa, saia da sala por meia hora, volte para a sala, desamarre a caixa, abra a tampa e olhe dentro dela. O que você vê? Um gato. E nem sinal de rato. Mas, desta vez, tire o gato e olhe direito dentro da caixa. Oh! Tem um furo em um dos cantos, não muito grande, mas é grande o suficiente para um camundongo passar por ali. Esse furo, senhores e senhoras, é o que se chama de dúvida razoável. Agora, vamos examinar os buracos no caso da promotoria".

Assim, por inferência, cada problema no caso apresentado pelo governo não era apenas um buraco; era uma dúvida razoável. À época, a fábula trouxe um bom efeito colateral — ou subliminar. Além de gostar do Michey Mouse, a população torcia pelo camundongo, nos eternos confrontos entre Tom e Jerry. Se há um furo na caixa (isto é, no caso), o gato (isto é, o governo) não consegue pegar o pequeno camundongo (isto é, o réu).
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
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