Artigo de Jones Figueirêdo Alves publicado por Flávio Tartuce
O casamento com um
“marito mammone” é nulo e a mulher não pode tê-lo como mantido, é o
quanto afirmou em 18 de setembro passado a 1ª Seção Cível do Supremo
Tribunal de Cassação italiano (“Corte di Cassazione”), a mais alta
instância do sistema judiciário, com a decisão nº 19.691, em face de
julgado de tribunal eclesiástico que anulou matrimônio de um casal de
Mantova, pelo fato de o marido ser extremamente dependente da figura
materna (“un lagame morboso com la madre”).
A expressão
italiana “marito mammone” significa dizer aquele marido que ao contrair
casamento apresenta-se codependente da genitora, um “filhinho da mamãe”,
em legado mórbido materno ao extremo de deteriorar as suas relações
conjugais e a tanto ensejar situações de: (i) comportamento inafetivo,
ou de indiferença com a esposa; (ii) intervenções excessivas da mãe na
nova família, onde a atuação da sogra, ou seja, a mãe-de-lei ou
“mother-in-law” (expressões jurídicas que a denominam), se apresenta
exacerbada.
A sogra invasiva (“la suocera invadente”), diz a
corte, quando resulta da dependência emocional do marido para com a
genitora, justifica a anulação do casamento.
A referida decisão
judicial italiana agora trespassa a justa causa da separação, admitida
em caso determinante de divórcio, quando o cônjuge deixa o lar conjugal
diante de interferências graves dos pais do outro cônjuge na vida do
casal, para compreender tais fatos como circunstâncias influentes à
própria anulação do ato jurídico.
No ponto, o mesmo órgão
julgador da Suprema Corte de Cassação da Itália houve já considerado
como justa causa para a separação, a hipótese da “sogra invadente”, na
decisão nº 4.540, quando ao reformar julgado do Tribunalle dell´Áquila
(de 26.09.2006), afastou o princípio de que um cônjuge somente pode
deixar o lar conjugal após apresentação de pedido formal para a obtenção
da separação.
Mais precisamente, a deterioração progressiva
das relações entre os próprios cônjuges, adveniente da interferência de
um ou de ambos os sogros, quando tal evento, de forma significante, é
tolerado pelo outro cônjuge, autoriza o afastamento do cônjuge
prejudicado, sem o prévio processo judicial e não caracteriza abandono
injustificado do lar.
Os fatos intrusivos da sogra invasiva, em
si mesmo, ficavam limitados apenas ao alcance justificativo da separação
conjugal, conforme até então a jurisprudência italiana, ou seja, sem
incursões no instituto jurídico do “erro essencial de pessoa”.
No mesmo sentido, em nosso país tem sido entendido, na esfera da
insuportabilidade da vida em comum, que “o erro que justifica a anulação
do casamento se refere à pessoa do outro nubente, sendo irrelevante
para tanto o erro sobre a sua genitora (sogra).” (TJ-DF, Apel. Cível nº
0029927-08.2001.807.0001, publicado em 07.11.2006).
Pois bem. Na expressão do inciso IV artigo 1.557 do Código Civil
brasileiro, considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge
o que diz respeito à ignorância, anterior ao casamento, de doença
mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum
ao cônjuge enganado.
No cotejo da decisão italiana, resultou
reconhecida, para a anulação do casamento, a existência de uma
“patologia produtiva de incapacidade”, de o marido, inteiramente
dependente da mãe, assumir uma mínima integração psíquica, no casamento,
com o outro cônjuge.
Assim, o cônjuge de boa-fé, levado a erro
essencial, terá como fato indutor da anulação do seu casamento, a sua
insciência sobre as condições do outro cônjuge, portador que seja de
confusões psicológicas capazes de torna-lo sempre submisso às dominações
ancestrais.
A incapacidade do cônjuge, derivante de uma
patologia psíquica, de validar seu casamento com essa integração mínima,
no plano existencial de vida a dois, com comportamento necessário a
preservar o equilíbrio mental e físico do casal – assentou a decisão
italiana – conduz, com rigor, à anulação do casamento civil. Curioso, no
caso, é o que o recurso fora manejado pela mulher, por preferir apenas o
abono de separação, buscando a validade do casamento, em razão de
pretender o ex-cônjuge continuar a mantê-la.
Tudo é certo dizer
que os vínculos que nutrem as relações filiais são sempre afetivos, e
nesse liame, atemporais a transcender qualquer tempo; nunca, porém,
patológicos. Para essa segunda hipótese, o julgado italiano torna-se um
novo paradigma.
JONES FIGUEIRÊDO ALVES
– O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de
Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor
de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia
Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Fonte: http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/143481744/marito-mammone?utm_campaign=newsletter-daily_20141006_164&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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