Se a pessoa morar junto com a namorada, estará em união estável? Para responder a essa pergunta será preciso entender o chamado “contrato de namoro”.
Antes, porém, é necessário identificar quais os problemas em se confundir um namoro em que as pessoas simplesmente moram juntas com uma união estável.
A união estável configura-se pela convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituição de família[1]. Já o namoro, que também decorre de convivência pública, contínua e duradoura, não tem o objetivo de constituir família, ao menos não naquele momento.
Há diversos pares de namorados que decidem morar juntos antes do casamento. Algumas vezes isso acontece para se fazer uma espécie de test drive[2] anterior ao matrimônio, outras por questões de custos (dividir um apartamento com a namorada, ao invés de um amigo, por exemplo), ou por outros motivos peculiares.
Porém, o grande temor de muitos é que isso acabe por dar a ideia de que os namorados na verdade vivem uma união estável.
Com efeito, se um mero namoro for erroneamente entendido como união estável, acarretará entre os namorados obrigações jurídicas como pensão alimentícia, comunhão de bens e até mesmo herança.
O problema é que um dos namorados depois pode facilmente dizer que o caso era uma união estável, e até conseguir testemunhas nesse sentido. Isso porque pessoas como vizinhos ou colegas de trabalho dificilmente irão saber que aquelas pessoas que moravam juntas na verdade não tinham intenção imediata de constituírem família.
Como, então, garantir que as coisas não serão confundidas? Como saber que isso não será indevidamente utilizado por alguém para requerer direitos inexistentes?
A recomendação é que se faça o chamado “contrato de namoro” oudeclaração de namoro[3]. Mas o que seria isso?
O contrato de namoro ou declaração de namoro visa declarar que entre aquelas duas pessoas não há intenção de constituir família de imediato, o que afasta todas as consequências de uma união estável (alimentos, meação, herança, etc.).
Portanto, ficará claro que entre os namorados existe uma relação de afeto, todavia, sem consequências jurídicas. Quais os requisitos do contrato de namoro ou declaração de namoro?
Por ser uma novidade que não consta expressamente na lei, advindo de construções doutrinárias e dos tribunais (jurisprudência), muito se questiona sobre os requisitos do contrato de namoro.
Não há uma forma predeterminada na legislação, e, assim, utilizam-se as regras dos negócios jurídicos em geral[4]-[5] e outros princípios do Direito. Ei-os, pois:
Pessoas civilmente capazes[6]; Forma escrita[7]; Instrumento público ou particular; Descrição resumida do objeto da declaração; Que os namorados estejam fazendo livre uso da vontade, sem qualquer tipo de coação, induzimento, erro, etc.; Data; Assinatura de ambos os namorados; Não é necessária a assinatura de testemunhas.
Por ser questão de alta complexidade, não recomendo que se procure diretamente um cartório para fazer o instrumento. O ideal é ser orientado por um bom advogado da área, ainda que se faça a declaração por escritura pública.
[1] Ver art. 1.723 do CC. [2] Expressão bastante utilizada pela doutrinadora e Presidente da Associação de Direito de Família e Sucessões (ADFAS), Regina Beatriz Tavares da Silva. [3] A segunda expressão parece-me mais acertada. O contrato, por definição, caracteriza-se pela criação, modificação ou extinção de direitos e/ou obrigações, o que não se vê no caso do namoro, onde não impera qualquer obrigação jurígena de um namorado para com o outro (e a palavra contrato acaba por trazer ideia de contrato de casamento, com os deveres típicos do matrimônio, desvirtuando e implodindo o escopo da declaração de namoro). Portanto, por consistir em instrumento meramente declaratório, o termo declaração de namoro é o instituto corretamente definido. [4] Cf. Art. 104 do Código Civil. [5] Embora não gerando direitos e obrigações, por analogia recorre-se aos requisitos do negócio jurídico. De fato, para se impedir que determinado fato seja interpetrado como um negócio jurídico, é preciso que a declaração tenha todos os predicados que seriam exigidos para a assunção do negócio que se busca afastar. [6] De acordo com os arts. 3º e 4º do CC/2002. [7] O Codex Civil dispôs suas formas declaratórias de modo escrito. Não há empecilho, porém, a que a prova seja oriunda de meio eletrônico, como áudio ou vídeo. A precariedade, entretanto, dessa metodologia probatória é a incerteza quanto à data e à vigência. No instrumento escrito, sabe-se qual a data de assinatura e presume-se sua vigência pela inexistência de outra minuta igual que o revogue.
Por Pedro Canário *Reportagem especial do Anuário da Justiça Brasil 2017, que será lançado nesta quarta-feira (31/5) no Tribunal Superior Eleitoral.
O ministro Teori Zavascki, morto em janeiro de 2017, deixou alguns legados em sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal. Um deles foi a noção de que o sistema é bom, mas precisa funcionar. E que não adiantaria os ministros da casa, os que conhecem e usam o sistema diversas vezes por dia, esperar que alguma solução fosse posta para eles seguirem. Era preciso arregaçar as mangas. O ano de 2016 parece ter sido uma tomada de consciência nesse sentido. Conforme mostraram os dados do Relatório de Gestão do STF, pela primeira vez, desde que o instituto foi criado, o tribunal reconheceu menos repercussões gerais do que julgou. Foi uma solução interna, que não passou pela restrição de direitos e nem por deixar a jurisprudência da corte de lado em nome de solucionar problemas de gestão.
O sistema criado pela Constituição de 1988 começou a dar seus primeiros sinais de colapso no início dos anos 2000. Entre 1999 e 2000, o número de ingressos no tribunal saltou de 68 mil para 105 mil, ultrapassando a marca dos 100 mil processos protocolados pela primeira vez. Em 2007, foi regulamentada e implantada a repercussão geral, mecanismo por meio do qual os ministros decidem o que deve ou não ser julgado pelo STF, de acordo com critérios de repercussão social, cultural, econômica ou política que extrapole o interesse das partes em litígio. Os resultados foram imediatos. Em 2007, o tribunal recebeu 119 mil processos e 113 mil deles foram distribuídos aos gabinetes. Um ano depois, a demanda caiu para 100 mil processos, mas só 67 mil de fato chegaram aos ministros. Era sinal de que o filtro estava funcionando.
Mas o filtro tem outra função: deixar que o Supremo defina qual deve ser a interpretação que determinada demanda deve ter, e assim seja aplicada por todas as instâncias. A ideia é evitar que disputas iguais tenham soluções divergentes. E para dar efetividade a essa outra função, a regra da repercussão geral estabelece que, assim que o STF decide que vai julgar um recurso, todos os processos já ajuizados sobre aquela matéria ficam sobrestados, esperando uma solução da corte. O resultado disso é o que os ministros costumam chamar de outro lado da repercussão geral: em quase 10 anos, o Supremo reconheceu a repercussão geral de 616 temas, mas só conseguiu julgar o mérito de 305. Em consequência disso, 1,5 milhão de processos foram sobrestados, segundo levantamento da corte. Na análise de Teori Zavascki, isso aconteceu porque houve certo exagero no reconhecimento de repercussão geral logo que ela entrou em vigor. De fato, o tribunal reconheceu a repercussão de 68% dos 904 temas que analisou, mas não conseguiu julgar a metade deles.
Diante desse quadro, Teori Zavascki concluiu, numa entrevista ao Anuário da Justiça, que “o sistema é bom, mas não funciona”. Foi o que levou o ministro Luís Roberto Barroso a fazer sua proposta de alteração no sistema da repercussão geral. Para ele, o tribunal só deveria analisar se um recurso pode ou não ser julgado lá a cada seis meses. Reconhecida a repercussão, é marcada a data para o julgamento no prazo de seis meses. A ideia ainda não agrada, mas a “pregação”, como diz o próprio Barroso, tem funcionado. O ministro ainda acha que, do modo que o sistema funciona, “estamos atravancando a Justiça do país”. O principal problema, diz, são os agravos. Nas contas de Barroso, metade dos recursos inadmitidos pelas instâncias locais chega ao STF por meio de agravos. Esses agravos, continua o ministro, demoram até cinco anos para serem julgados, mas têm um índice de provimento de 5%. “É absurdo achar que isso é razoável.”
O ministro Dias Toffoli acredita que o caminho que o tribunal vem seguindo é correto. Especialmente porque a competência do Plenário Virtual foi ampliada para julgar também agravos, agravos regimentais e embargos de declaração. Foi uma decisão controversa, mas que acabou com as listas de julgamento, elaboradas pelos ministros para levar ao Plenário ou às turmas e aplicar a mesma decisão (“nego provimento”, em 95% dos casos, segundo Barroso) a todos os processos. Toffoli entende que os julgamentos virtuais devem ser ampliados ainda mais, para que o Supremo julgue as ações de inconstitucionalidade estaduais e os recursos sem repercussão geral no Plenário Virtual.
Com isso, o Plenário ficaria livre para exercer apenas sua competência constitucional e julgar ações de controle concentrado de constitucionalidade e recursos com repercussão geral, processos “falsamente subjetivos”, segundo o ministro Gilmar Mendes. Para ele, o próximo passo deve ser inverter a lógica do Plenário Virtual. Hoje, é preciso maioria de oito votos para rejeitar a repercussão geral de um recurso. Portanto, um recurso extraordinário chega ao Supremo com repercussão geral presumida. O que Gilmar Mendes sugere — e conta com apoio de alguns colegas do tribunal — é que a lógica seja invertida e o recurso precise de maioria para ter a repercussão reconhecida.
Mas o passo mais importante foi dado no próprio Plenário. A tese da “supremocracia”, segundo a qual o Supremo Tribunal Federal é quem define os rumos do país, já é conhecida de praticamente toda a comunidade jurídica. E rejeitada pelos ministros. Mas é inegável que de dois ou três anos para cá o tribunal se tornou um dos principais agentes políticos do país, responsável por dar ou garantir a estabilidade da agenda política e econômica nacional. Alguns analistas acreditam que tudo tenha começado depois do julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão.
Ali, o tribunal dedicou 53 sessões de 2012 exclusivamente para julgar os 38 réus. E por tratar de denúncias contra membros do alto escalão do governo, foi um julgamento que prendeu a atenção de todos os interessados no noticiário político. Não há muitas dúvidas de que o mensalão deixou os ministros conhecidos e foi o ápice da importância da corte em causas de relevância social, como a declaração de constitucionalidade do aborto de fetos anencéfalos e da união estável homoafetiva, antes mesmo que tais temas fossem tratados pelo Legislativo.
Mas há quem aponte que foi em novembro de 2014 que o Supremo se deu conta de que talvez seja a única instância estatal com legitimidade para desatar nós complicados. O marco apontado é a ordem de prisão do senador Delcídio do Amaral. Então líder do PT, o partido do governo na Casa, Delcídio aparece numa gravação combinando formas de pagar propina a um dos delatores da operação “lava jato” para que não fosse mencionado nos depoimentos. A conversa foi gravada uma semana antes do julgamento, e a Constituição diz que parlamentares só podem ser presos em flagrante.
A 2ª Turma do STF, no entanto, entendeu que, como a acusação feita pela PGR contra Delcídio era de integrar uma organização criminosa, um crime permanente, a situação de flagrância também deve ser considerada permanente. E Delcídio tornou-se o primeiro senador da história preso no exercício do mandato sem condenação. A Constituição também diz que o Senado pode reverter a prisão, caso o Plenário do Supremo aprove a medida por maioria, como ocorreu no caso de Delcídio. Mas os senadores decidiram manter o colega preso.
Constitucionalistas afirmam que dali em diante o tribunal se apropriou da Constituição para estabelecer o que ela deve dizer — ou deveria ter dito. O exemplo mais eloquente foi a autorização da execução da pena de prisão antes do trânsito em julgado da condenação, contrariando o texto literal do inciso LVII do artigo 5º da Constituição — “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” —, com base em argumentos ligados à efetividade do Direito Penal.
Outro exemplo foi quando a corte decidiu que as desonerações fiscais concedidas pelo governo federal podem afetar os repasses do Fundo de Participação dos Municípios, embora as porcentagens devidas pela União às cidades sejam definidas no ADCT. Ou ainda, a declaração de inconstitucionalidade da desaposentação, que depois mereceu o comentário do ministro Luiz Fux de que “evitamos um rombo de R$ 300 bilhões”. A própria declaração de constitucionalidade de uniões estáveis homoafetivas, em 2011, segundo o professor Carlos Blanco de Morais, da Universidade de Coimbra, em Portugal, já contradizia o texto literal do parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição: “É reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar”.
Esse tipo de decisão, aliado à possibilidade de edição de súmulas vinculantes, “a medida provisória do Judiciário”, faz do Supremo a “corte constitucional mais poderosa do mundo”. “O STF não tem hesitado em derrogar tacitamente a Constituição através de mutações constitucionais de natureza jurisprudencial”, comentou o professor português, em entrevista à revista eletrônica ConJur. Para o ministro Gilmar Mendes, essa realidade exige “modéstia” do Supremo. Segundo ele, decisões judiciais, ao contrário de decisões legislativas, não são feitas para ser mudadas, e flutuações na jurisprudência costumam causar instabilidade. “Não vá o sapateiro além dos sapatos”, costuma dizer.
O “excesso de autoconfiança” costuma mostrar outro lado dessa hipertrofia: a dificuldade que o tribunal tem de fazer suas decisões serem respeitadas. Gilmar Mendes é um dos que têm se mostrado preocupado com a falta de mecanismos para o STF fazer suas decisões serem executadas. Não são poucas as decisões do Supremo solenemente desrespeitadas, como foi a determinação de descontingenciamento do dinheiro do Fundo Penitenciário (Funpen) pela União, que ainda não aconteceu, mais de dois anos depois da decisão.
Ou a liminar de maio de 2016 que mandou a Câmara instalar comissão especial para analisar pedido de impeachment do presidente Michel Temer, nunca implementada. “Na realidade constitucional brasileira, atormenta-nos o risco de julgados do STF estarem se transformando em meros discursos lítero-poéticos”, diz Gilmar Mendes. “Parece moda o não cumprimento de decisões judiciais”, lamenta o ministro Marco Aurélio.
Serviço Lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2017 Quando: 31 de maio, quarta-feira Onde: Sede do Tribunal Superior Eleitoral Horário: 18h30 Para comprar o Anuário:Livraria ConJur