sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Para juiz, vovó pode testar para Lenio, mas não para netos queridos

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Resumo: Para juiz, vovó poderia dar dinheiro para Lenio, Bolsonaro ou Flamengo, mas não para os netos mais queridos.
Uma sentença absolutamente voluntarista vinda de Minas Gerais (ver aqui a excelente matéria de Tadeu Rover) me faz voltar a um assunto pela enésima vez. Falo da Freirechtslehre, a Escola do Direito Livre. De forma breve, retomo:
“[f]undada por Hermann Kantorowicz (1906, A Luta pela Ciência do Direito), essa doutrina defende — atenção! — para a época — a plena liberdade do juiz no momento de decidir os litígios, podendo, até mesmo, confrontar o que reza a lei. O juiz não estaria lançando mão apenas do seu poder decisório, mas, mais do que isso, a sua função de legislador, seu poder legiferante para encontrar aquilo que ele, juiz, percebe como ‘o justo’.”
Uma observação necessária: Como venho mostrando — e especialmente farei isso nesta coluna — setores do Judiciário chegaram ao ponto de radicalizar para além da Escola do Direito Livre. Afinal, ainda que o movimento (i) fosse cético quanto ao Direito e (ii) defendesse uma espécie de atuação legislativa do julgador, atendendo às vontades sociais (contingentes, diferenciando-se assim do jusnaturalismo lato sensu),[1ainda assim, Kantorowicz pregava sua tese a partir das lacunas, isto é, a partir da ideia de que o Direito não é um sistema completo capaz de prever todas as hipóteses de aplicação. É aí que entra a ideia de "Direito Livre". Aqui, no Brasil, o Direito parece ser livre desde-já-sempre.
Um “bom” exemplo dessa livre apreciação do Direito foi dada na decisão acima linkada, pela qual o juiz criou um novo dispositivo do Código Civil, para arrepio de civilistas da cepa como Otávio Luiz Rodrigues Jr e a doutrina alemã de gente como Reinhard Zimmermann e Jan Peter Schmidt (ver aqui).
Pois não é que o juiz, por sua opinião pessoal, decidiu que duas netas fossem incluídas na partilha da avó, que tinha excluído ambas do testamento por serem fruto de relacionamento não matrimonial do pai? Na verdade, essa motivação — fruto de relacionamento não matrimonial — não consta no testamento. É ilação do juiz. Para o Sua Excelência, ainda que a autora do testamento possa dispor livremente da parte disponível da herança, esse direito encontra limitações constitucionais, devendo o Poder Judiciário afastar esses abusos.
Para o juiz, tudo é público. O Direito Civil e o Código Civil não podem dispor disso. Afinal, é tal da constitucionalização do Direito Civil, tirando qualquer autonomia desse ramo do Direito. Goste-se ou não do instituto do testamento, critique-se-o à vontade. No entanto, há 126 referências a testamento no CC, que é bem novinho, aliás (2002). A pergunta é: por que não atiramos fora o Código Civil e ficamos só com a Constituição e com a opinião pessoal dos juízes sobre o sentido da CF? Logo, logo, teremos que fazer licitação pública para casamento de filhas e coisas do gênero, se me permitem a ironia. Afinal, algum pretendente pode alegar que foi preterido pela moça e entrar com mandado de segurança baseado no princípio do amor ou coisas do gênero.
Na aludida ação (aqui está a decisão), as duas netas afirmaram que foram excluídas do testamento por serem fruto de relacionamento não matrimonial do pai. Dos sete netos, a avó deixou de fora apenas as duas. O valor atribuído a causa é de R$ 35 milhões.
Veja-se: Para o magistrado, não haveria discriminação se a avó tivesse aquinhoado terceiros ou apenas um ou dois entre tantos netos. No entanto, explicou o juiz, houve disposição em favor de cinco dos sete netos, deixando de fora apenas as duas netas concebidas por um de seus filhos em relação não marital. Quer dizer que a vovó poderia ter dado o dinheiro para o Flamengo, mas não para as netas preferidas dela. Que tal?
Diz o juiz: "Ora, o direito não tolera o abuso”. Concordo. Por exemplo, Vossa Excelência acabou de cair em uma contradição performativa, porque, exatamente, julgou contra o claro texto de lei, sem amparo na Constituição. Como se chama a isto — julgar contra texto legal expresso, claro e sobre o qual até hoje ninguém teve dúvidas?
Ora, a vovó pode dispor em seu testamento livremente (qual é a parte do “livremente” que não ficou clara?) da-metade-de-seus-bens. Pode dar para Lenio Streck. Pode dar para os comentaristas do ConJur (por exemplo, para o Pantagruel). Por que não poderia dar para os seus netos ou mendigos ou jogadores de futebol preferidos? A outra metade é que ela não dispõe.
Pior é que aparecerão opiniões do tipo “interessante a decisão”. Ou: “o direito de testar não é absoluto (por que, se o CC diz que a metade o testador dispõe livremente?). Ou “chega de discriminação de netos”. Ou “abaixo a ditadura dos testamentos”. Outros até defenderão que o juiz seja consultado antes da feitura do testamento. Ou alguém defenderá audiência publica para a feitura do testamento. Quem sabe amicus curiae?
Nem vou falar do restante da sentença. Um comentarista da ConJur(WLStorer (Advogado Autônomo - Previdenciária) já o fez. Vejam:
"O valor atribuído a causa é de R$ 35 milhões.
(...) O juiz concede a "assistência judiciária gratuita" às requerentes, mas condena os requeridos no "pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios sucumbências, o qual fixou no importe correspondente à 15% do valor do proveito econômico obtido pelas requerentes".
E vejam que interessante: ‘Esclareço, visando a evitar surpresa aos réus, que o recurso cabível contra a presente sentença antecipada de mérito (fracionada) é o de agravo de instrumento, nos termos do art., 356, §5º, do NCPC."
Os advogados deveriam pedir ao juiz que, se não fosse incomodo, também fornecesse um modelo de Agravo de Instrumento’”.
O comentarista foi na veia.
Em síntese, no mundo mágico de Sua Excelência, o testador poderia ter deixado tudo para a campanha do Bolsonaro ou para o Greenpeace. Seu problema está em ter netos prediletos. E se fosse o contrário? Se a avó desse toda a parte disponível (!!!!) para os netos “bilaterais”, aí estaria tudo bem? E desde quando o testador tem de motivar o ato de disposição?
Por fim, além dos problemas de direito livre, voluntarismo, subjetivismo, etc, há outros. Trata-se de um queijo suíço. A doutrina citada não alberga a tese. Só se for por arrastamento. Apenas citou doutrina que falam do valor da Constituição e coisas do gênero. Também não há qualquer jurisprudência. Logo, não houve qualquer fundamento para superar o artigo 926 do CPC. Até hoje ninguém decidiu pela invalidade ou reinterpretação do dispositivo do CC que trata do testamento. Cadê o ônus argumentativo do juiz? Flagrante violação também do artigo 489 do CPC.
Enfim, até quando iremos aguentar essa paixão desenfreada por coisas como Escola do Direito Livre ou correntes antidemocráticas do gênero?
Post scriptum 1: De novo não consegui publicar a coluna sobre “Quando uma lei é clara e quando uma lei não é clara”, pergunta que faço à ministra presidente do Supremo Tribunal Federal. Sempre surge um assunto novo. De todo modo, a coluna de hoje é um questionamento acerca das razões pelas quais temos tantas dificuldades em aplicar uma lei com a qual, subjetivamente, não concordamos.
Post scriptum 2: O advogado do promotor Dr. Andre Rodrigues, Dr. Duval Vianna, mandou correspondência pedindo direito de resposta nesta coluna. O assunto já foi resolvido pela ConJur. Pergunta; será que os jornais O GloboDia foram tão democráticos como a ConJur? Enfim... São sete páginas com as quais o advogado explica a atuação do promotor, dizendo que a notícia de O Globo e da ConJur não expressaram o que aconteceu. A resposta contém um equívoco: disse que eu disse que o promotor era “contumaz”. Não. Referi-me só a esse fato do ex-governador. Do resto do que fez até hoje o promotor eu nada sei. Diz também que o promotor dispensa minhas admoestações. OK. Nem tentei admoestar. Falei como ex-procurador de Justiça. O resto é autoexplicável.
Mais crítico do que eu com o Dr. André foi o juiz, Dr. Rafael Estrela, quem disse que “Não se pode conceber que as atividades administrativas inerentes ao sistema prisional fiquem à margem de ordens flagrantemente ilegais, em afronta à separação dos poderes e à ordem constitucional do Estado Democrático de Direito”. Precisa desenhar? Se o juiz errou, contra ele deve ser feito um recurso. Não mate o mensageiro. Não se deve ficar irritado com o mensageiro. Ele só traz a mensagem.
Aliás, a resposta do advogado do promotor está repleta de ambiguidades. Coisas como “não colocaram no isolamento”; “é inimaginável admitir uma negativa pública e abusada de um preso”; “isolaram o foco do problema”; “não foi isolamento, apenas uma cela separada”; quando saíram (o promotor e sua equipe) não se preocuparam (sic) em ver como ficou a situação do “interno”. Pergunto: Mas, não deveriam se preocupar? O promotor não é o fiscal da lei? Mais: “Ao que parece, [o Diretor] decidiu impor ao preso um “isolamento preventivo”. Pronto. A culpa é dos carcereiros, por certo. Pois é.
Post scriptum 3: Nessa linha, espero que o juiz mineiro prolator da decisão sobre testamento não queira também direito de resposta. Afinal, também eu deveria querer direito de resposta de todos os comentários que são feitos me criticando na ConJur. E os próprios juízes, promotores, autoridades, etc também teriam direito de resposta na ConJur para responder aos próprios comentários dos comentaristas que comentam as matérias dos colunistas da ConJur. Os quais, aliás, não mais duros que os colunistas.

[1] Escrevo com mais vagar sobre o(s) positivismo(s) clássico(s) e sua(s) antítese(s) em algumas de minhas obras, como Hermenêutica Jurídica e(m) Crise e o Dicionário de Hermenêutica.
Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.
Revista Consultor Jurídico, 2 de agosto de 2018, 8h00
https://www.conjur.com.br/2018-ago-02/senso-incomum-juiz-vovo-testar-lenio-nao-netos-queridos

Você sabe o que é multiparentalidade?

Publicado por Dagoberto Oliveira das Virgens

Embora a palavra possa ser desconhecida e até considerada um pouco estranha para alguns, multiparentalidade trata, tão somente, do reconhecimento judicial da paternidade ou maternidade socioafetiva concomitantemente à biológica.

Multiparentalidade, portanto, retrata a situação do cotidiano, onde um grande número de famílias brasileiras acumulam uma paternidade ou maternidade socioafetiva, conhecida como “de criação”, juntamente, com uma paternidade biológica.

Neste contexto é admitido juridicamente a existência de dois pais ou duas mães na certidão de nascimento. Importante ressaltar que isso permite desde o registro de nascimento até os direitos sucessórios, como herança e pensão.

Portanto, tenha-se em conta que fica compartilhada a obrigação alimentar, a guarda, o direito de convivência e dos direitos sucessórios (herança e pensão), não havendo preferência entre a parentalidade afetiva e biológica.

Esclareça-se, por oportuno, que qualquer pessoa maior de 18 anos (que não seja irmão ou ascendente), independentemente do estado civil, pode reconhecer a paternidade e a maternidade socioafetiva, desde que seja 16 anos mais velho que o filho a ser reconhecido.

Conforme provimento 63 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), exige-se o limite registral de dois pais e de duas mães no campo da filiação e pode ser feito em cartório, necessitando da anuência dos pais biológicos e o consentimento do filho, se maior de 12 anos.

Na prática, o que tem acontecido é aumento de padrastos e madrastas reconhecendo enteados, legitimando as relações familiares, fortalecendo seus laços e garantindo seus direitos e deveres.

Diferenças entre a multiparentalidade e uma adoção:

Importante destacar, no entanto, que na adoção a filiação anterior é apagada dos registros civis do adotado (que passa a ter em seus assentos registrais somente os dados dos adotantes como seus ascendentes); enquanto na multiparentalidade, o que existe é a coexistência concomitante dos vínculos paternos e maternos, exercidos por mais de uma pessoa.

Na adoção a intenção é a de constituição de novos vínculos familiares, uma vez que os vínculos anteriores foram rompidos. Já, na multiparentalidade essa intenção inexiste.

Em julgados recentes o próprio STF (Supremo Tribunal Federal) já reconheceu que no cenário atual, as famílias são compostas das mais variadas formas, e não mais baseadas apenas por liames genéticos, sendo perfeitamente normal um vínculo muito mais forte estabelecido a partir de uma relação afetiva, em vez de uma puramente biológica.

Certo que, em termos culturais, ainda precisaremos passar por um processo de educação social e escolar para desmistificar todos os pontos da multiparentalidade, todavia o importante é ter em mente que ela deve ser mais baseada nos laços sentimentais do que em documentos. O mecanismo é apenas uma forma de solidificar a relação. É, em suma, uma possibilidade de reunir ainda mais as pessoas.

Quer saber mais? Entre em contato conosco, acesse nossa página: https://dagobertoadvogados.wixsite.com/advogado[i] , facebook: @dovadvogados.

[i] visite nossa página: https://dagobertoadvogados.wixsite.com/advogado

Imagem: Notariado

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Quais as consequências de registrar em seu nome o filho de outro?

Publicado por Gustavo Pagano Moretti

Na esfera civil

Ao registrar um filho que não é seu, leva o suposto pai imediatamente adquirir direitos e deveres, podendo de imediato, ou ao fim do relacionamento se deparar com um pedido de alimentos e até mesmo direitos sucessórios (herança). Posto que o reconhecimento não pode ser revogado, conforme disposto no Art. 1.610 do Código Civil.

Entretanto, já há um entendimento de que o registro poderá ser revogado, se evidenciado vício de consentimento, mas para isso deve haver provas robustas comprovando o dolo, erro, coação, simulação ou até mesmo fraude, usando como base o Artigo 1.604 do Código Civil.

Na esfera criminal

Na esfera criminal, ao registrar um filho como seu, sabendo que ele não é, também pode trazer consequências, conforme dispõe o Art. 242 ‘’caput’’ do Código Penal, ‘’ Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil’’, que prevê pena de 2 a 6 anos de reclusão.

A forma mais comum praticada é chamada de “Adoção à brasileira”, que ocorre quando o homem ou a mulher declara, para fins de registro civil, o menor como sendo seu filho biológico, sem que isso seja verdade. Essa prática é chamada assim porque é como se fosse uma ‘’adoção’’ feita sem observar as exigências legais.

É preciso, no entanto, que seja investigada a conduta, porque embora a adoção à brasileira, na maioria das vezes, não represente torpeza de quem a pratica e ser considerada por muitos um ato nobre, em outras vezes pode ela ter sido utilizada para a consecução de outros ilícitos, como o tráfico internacional de crianças, ou até mesmo, a substituição de um bebe recém-nascido por outro como se verdadeiro fosse.

Entretanto, cabe ao magistrado interpretar se tal atitude partiu de um ato nobre, ou de um ato frauduloso. Se restar comprovado que tal atitude foi movida com dolo de promover um ato criminoso, o réu se enquadra no ‘’caput’’ do artigo que prevê pena de reclusão de 2 a 6 anos.

Porém, se entender que tal atitude partiu de um ato de “nobreza”, poderá incorrer pena de detenção de 1 a 2 anos, podendo o mesmo deixar de aplicar a pena.

Poderá ainda o verdadeiro pai ingressar com uma ação de reparação de danos morais.

Gustavo Pagano Moretti.

https://gustavopaganomoretti.jusbrasil.com.br/artigos/605097008/quais-as-consequencias-de-registrar-em-seu-nome-o-filho-de-outro?utm_campaign=newsletter-daily_20180730_7394&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Alimentos gravídicos e seus aspectos sociojurídicos para o nascituro e a gestante

INTRODUÇÃO

A Lei de Alimentos Gravídicos, nº 11.804/2008, detentora de caráter jurídico e social, visa proteger a mulher grávida assegurando a ela e ao nascituro uma gestação saudável. Considera-se que tais direitos como os alimentos são irrenunciáveis e obrigatórios tanto da parte da mãe quanto da parte do suposto pai, de modo proporcional aos recursos de ambos.

Nesse sentido, o objetivo do presente artigo de revisão de literatura é analisar os alimentos gravídicos e seus aspectos sociojurídicos para o nascituro e a gestante. A escolha da temática é decorrente das discussões e controvérsias no âmbito jurídico contemporâneo, em face da possibilidade prevista em Lei de serem admitidos alimentos ao nascituro

1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DOS ALIMENTOS

O direito a alimentos está relacionado à proteção constitucional do direito à vida, segundo a nossa Carta Magna/88, art. 5º: “O crédito alimentar é o meio adequado para alcançar os recursos necessários à subsistência de quem não consegue prover a sua manutenção pessoal”.[1]

Em direito de família, a nomenclatura alimentos pode ser entendida como tudo aquilo necessário para sua subsistência[2], ou ainda, “tudo o que é necessário para a conservação do ser humano com vida”[3], que é mais adequado ao conceito de alimentos, considerando que é proveniente do direito fundamental à vida. De cunho mais amplo, também são considerados alimentos, aqueles que entendem a manutenção da vida, o tratamento e a convalescença de enfermidades, as vestimentas e as despesas de habitação, além daquelas de índole moral e cultural, englobando a educação e formação do alimentando.

Lobo[4] afirma que alimentos em direito de família tem “o significado de valores, bens ou serviços destinados às necessidades existenciais da pessoa, em virtude de relações de parentesco (direito parental), quando ela própria não pode prover, com seu trabalho ou rendimentos, a própria mantença”. O autor também salienta que alimentos podem decorrer dos deveres de assistência ocasionada por ruptura de relações matrimoniais ou de união estável, ou dos deveres de amparo para idosos (direito assistencial).

No entendimento de Almeida Junior[5], o direito a alimentos é tão relevante para o legislador que sua responsabilização foi determinada ao nível de imposição constitucional, conforme o art. 229, da Constituição Federal/88: “[...] os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.[6]

No âmbito da Constituição Federal/1988, o dever de alimentos se fundamenta no princípio da solidariedade familiar, isto é, “a fonte da obrigação alimentar são os laços de parentalidade que ligam as pessoas que constituem uma família”.[7] Da solidariedade, entre parentes, cônjuges e companheiros, inclusive entre a própria sociedade, porque também é dever desta última como um todo garantir os direitos fundamentais do ser humano. Os alimentos, em primeiro lugar, são de interesse da família, em segundo lugar, da sociedade, em terceiro lugar, obrigação do Estado, como pai responsável e assegurador dos direitos de seus filhos.

2 OS DIREITOS DO NASCITURO E OS ALIMENTOS GRAVÍDICOS

O art. 2º, do Código Civil, determina os direitos do nascituro, que tem como preceito principal e inicial da personalidade o nascimento com vida. Diniz[8] afirma que os direitos do nascituro são resguardados desde a concepção:

Nascituro é aquele que há de nascer, cujos direitos a lei põe a salvo; aquele que, estando concebido, ainda não nasceu e que, na vida intra-uterina, tem personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos da personalidade, passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais, que pertenciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida.

O nascituro é um titular do direito ao nascimento com vida. A Constituição Federal/1988 postula que todos têm direito à vida, assim como a dignidade da pessoa humana.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA[9] também estabelece direitos personalíssimos ao nascituro, como o direito à vida, à saúde e à alimentação.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei de vanguarda publicada em 13 de julho de 1990, surgida a partir do Capítulo VII - Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso, do Título VIII - Da Ordem Social, da Constituição Federal, artigo 227, caput:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.[10]

Para que não pairasse qualquer dúvida quanto à aplicabilidade do preceito constitucional, tal norma veio reiterada no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), e seu artigo 4º afirma:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.[11]

Diniz[12] declara que com base na nossa legislação surge um impasse, pois, embora não tenha personalidade, que apenas começa com o nascimento com vida, o nascituro pode titularizar direitos, como, por exemplo, a busca de alimentos gravídicos (Código Civil, 2002).

Decorrente das controvérsias sobre a natureza jurídica do nascituro, Diniz[13] aponta três teorias. A primeira, natalista, declara que o nascituro possui mera expectativa de direito, só fazendo jus à personalidade após o nascimento com vida (art. 2º, 1ª parte, CC/2002). A segunda, concepcionista, garante ao nascituro personalidade, desde a concepção, possuindo, dessa forma, direito à personalidade antes mesmo de nascer. A terceira, a teoria da personalidade condicionada forja, a seu turno, uma personalidade virtual ao nascituro, vez que o mesmo possui personalidade, mas sob a condição de nascer com vida.

Martins[14] sinaliza em termos da teoria concepcionista e parte do pressuposto que um nascituro já é um ser humano. O autor destaca que “o primeiro e mais importante de todos os direitos fundamentais do ser humano é o direito à vida. É o primeiro dos direitos naturais que o direito positivo pode simplesmente reconhecer, mas que não tem a condição de criar”.

Venosa[15] diz que:
O nascituro é um ente já concebido que se distingue de todo aquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do nascimento, tratando-se de uma prole eventual. Essa situação nos remete à noção de direito eventual, isto é, um direito em mera situação de potencialidade, de formação, para que nem ainda foi concebido. É possível ser beneficiado em testamento o ainda não concebido. Por isso, entende-se que a condição de nascituro extrapola a simples situação de expectativa de direito.

Quanto aos alimentos gravídicos, segundo Lomeu[16], são aqueles devidos ao nascituro, mas percebidos pela gestante no decorrer da gravidez, ou seja, são valores suficientes para cobrir despesas referentes ao período de gravidez e dela decorrentes, da concepção ao parto, ou o que o juiz considerar pertinente.

Para Dias[17], os alimentos gravídicos são uma obrigação dos genitores em pagar todas as despesas oriundas da gestação, para que o feto venha a se desenvolver sem nenhum prejuízo a sua saúde, pois é sua obrigação assegurar o direito fundamental deste que é a vida.

Tal obrigação é percebida pela gestante em favor do nascituro, pelo “suposto pai”, o qual será reconhecido como detentor da obrigação por simples indícios da paternidade. Essa obrigação se estende da concepção (fixação do óvulo fecundado no útero) até o parto, momento em que os alimentos mudam sua espécie, deixando de ser gravídicos e tornando-se pensão alimentícia.[18]

Os alimentos com a denominação de gravídicos, eles são assegurados desde a concepção.

A explicitação do termo inicial da obrigação acolhe a doutrina que há muito reclamava a necessidade de se impor a responsabilidade alimentar com efeito retroativo a partir do momento em que são assegurados direitos ao nascituro. Ainda que inquestionável a responsabilidade parental desde a concepção, o silêncio do legislador sempre gerou dificuldade para a concessão de alimentos ao nascituro.[19]

3 LEI Nº 11.804/2008

A Lei nº 11.804 foi promulgada em 5 de novembro de 2008, disciplinando o direito de alimentos da mulher gestante. Essa Lei prevê com louvor a concessão de alimentos gravídicos, que podem ser entendidos como “aqueles devidos ao nascituro, mas percebidos pela gestante ao longo da gravidez”.[20]

A Lei nº 11.804/2008 disciplina o direito de alimentos da mulher gestante. Os alimentos incluem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez, e que dela sejam oriundas, da concepção ao parto. Os gastos incluem alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e outras prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a critério do médico, além de outras despesas que o magistrado considere importante (art. 2º, caput, Lei nº 11.804/2008).[21]

Esses alimentos são relativos à parte das despesas que deverá ser paga pelo futuro pai, levando em consideração a contribuição que também deverá ser concedida pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos (art. 2º, § único, Lei nº 11.804/2008).[22]

Portanto, o art. 2º, § único, da Lei nº 11.804/2008, explicita que as despesas adicionais provenientes da gravidez devem ser custeadas também pela mãe. Dessa forma, o ônus de pagar os gastos extras não devem ser pagos somente pelo pai, mas ser dividido de modo igual entre o pai e a mãe. A responsabilidade é de ambos quanto assegurar a saúde do nascituro.

Para Cahali[23], a Lei nº 11.804/2008, propicia a grávida um autêntico auxílio-maternidade, sob a denominação de alimentos, representada por uma ajuda proporcional a ser imposta ao futuro pai. Sob modo de participação nas despesas adicionais ao longo do tempo da gravidez e sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, conforme já mencionado, incluindo as alimentações tidas como especial, a assistência médica e psicológica, entre outras.

A Lei nº 11.804/2008 visa solucionar uma lacuna jurídica existente, pois antes desta lei as mulheres que engravidavam fora de uma relação estável, só podiam contar com o auxilio financeiro do pai após o nascimento, sob a forma de pensão alimentícia.

É justo que havendo indicações e até mesmo provas de que uma determinada pessoa é o pai da criança em gestação, que ele ajude para o bom andamento da gravidez. Nesse período, a mãe tem muitas despesas alimentares, médicas e de preparação do enxoval que pesam significativamente no seu orçamento. Então, é razoável que o suposto pai participe ao menos financeiramente no decorrer do período da gravidez a que ele concorreu para isso.[24]

Como se pode ver a nomenclatura “alimentos gravídicos” vai além da questão meramente alimentar, ela envolve situações mais avançadas e necessárias, como o processo pré-natal bem conduzido. Desse modo, pode-se afirmar que os alimentos gravídicos se destinam a assegurar ao nascituro uma gestação saudável e segura.

Em relação ao foro competente, vale, de acordo com o artigo 100, II, do Código de Processo Civil, o domicílio ou a residência do alimentando que, como este ainda está em gestação no útero materno, será necessariamente o de domicílio ou de residência da grávida.[25]

O artigo 6º, da Lei nº 11.804/2008, postula que o magistrado, em tendo a certeza quanto à existência de indícios de paternidade, determinará a obrigação do réu de prestar alimentos gravídicos à gestante, que se estenderá até o nascimento da criança. Após o parto, os alimentos gravídicos são automaticamente convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite sua revisão. Na fixação do valor da prestação, considerará as necessidades relativas e proporcionais dos pais.[26]

Como se vê a Lei nº 11.804/2008 cria uma nova legitimada ativa para propor ação de alimentos: a gestante, que não seja casada, que não viva em união estável ou que não seja parente. A autora pode ser a namorada, ou a “ficante”, com todas as possíveis variantes, pois a legislação tem o propósito de fazer o suposto pai biológico pagar alimentos.[27]

Caldeira[28] revela que a lei não demanda prova de paternidade, por meio de laudos médicos ou periciais de DNA, para que lhe sejam impostos alimentos provisórios. O magistrado convencido da existência de indícios da paternidade, ele determinará alimentos gravídicos que durarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte da autora e as possibilidades da parte ré (art. 6º, da Lei nº 11.804/2008).

Essa obrigação de alimentos imposta pela legislação tem natureza jurídica mista, isto é, é um direito de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal exigido do pai (devedor).[29]

A Lei nº 11.804/2008 protege o nascituro ao possibilitar à namorada fiel, cujo namorado está bem empregado ou tem recursos patrimoniais e financeiros, uma ação com rito especial para garantir boas condições de gestação. Nesta hipótese pautada pela boa-fé da grávida, afirmam-se o princípio constitucional da dignidade humana e os direitos à vida e a saúde; talvez até ajude para a paternidade responsável.[30]

O artigo 7º, da Lei nº 11.804/2008, deixa claro uma norma processual, onde prevê que o réu deve responder em até cinco dias, contados da citação.[31]

O caput do art. 8º e seu parágrafo 1º foram rejeitados ainda na CCJ do Senado Federal, mas o texto do artigo, que foi depois aprovado pela Câmara dos Deputados, e ficou com a seguinte redação: “Art. 8º, havendo oposição à paternidade, a procedência do pedido do autor dependerá da realização de exame pericial pertinente”.[32]

Um dos pontos mais polêmicos da Lei nº 11.804/2008 é a respeito da situação jurídica do suposto pai que, após o nascimento com vida da criança, constata, com o exame de DNA, que não é o verdadeiro pai. Nesse caso, o texto aprovado sem emendas no Senado e Câmara tornou-se, no Projeto de Lei nº 7.376, o artigo 10: “Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos próprios autos”.[33]

Considerando que a “liquidação nos autos” é muito positiva, para dar celeridade a uma ação que apontou equivocamente o suposto pai, diminuindo, assim, a injustiça de que foi vítima.[34]

O meio de reparação do prejuízo provocado pela demanda contra parte ilegítima, deve-se dar pela ação de indenização fundamentada na responsabilidade subjetiva da parte autora. Dias[35] assinala que a reparação do dano causado pelo ajuizamento de ação de alimentos contra indivíduo que não é o genitor do nascituro objetiva a recompor materialmente algo que foi perdido ou sofrido, podendo ser pleiteada de modo de indenização, tanto material quanto moral.

A indenização material é decorrente do dano patrimonial que atingiu os bens integrantes do patrimônio da vítima. Esse dano é subdividido em lucro cessante e dano emergente. O lucro cessante pode ser conceituado como a perda de um ganho esperável ou frustração da expectativa de um lucro, já o dano emergente, também denominado de dano positivo, é a efetiva redução do patrimônio da vítima. A mensuração do dano emergente é por vezes menos dificultosa do que a mensuração do lucro cessante.[36]

Na reparação do dano provocado pela prestação dos alimentos gravídicos por quem na verdade não tinha este dever, a princípio, parece observar o uso do dano emergente, o qual deve ser levado em consideração como os valores prestados na forma de pensão alimentícia ao nascituro, que devem ser calculados, atualizados e ressarcidos.[37]

Embora, está inserido no ordenamento jurídico, o princípio de irrepetibilidade dos alimentos prestados, uma vez caracterizada a má-fé ou a culpa (sentido amplo) da parte autora da ação de alimentos gravídicos, defende-se a possibilidade da devolução dos alimentos. Dessa forma, os princípios da boa-fé e da vedação de enriquecimento ilícito devem sobrepujar o princípio da irrepetibilidade alimentar.[38]

Cabe examinar a restituição dos alimentos nos casos em que a culpa (sentido amplo) da parte autora da ação alimentar gravídica não é comprovada. Nesse sentido, Wald[39] ensina:
[…] admite a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando fizer prova de que cabia a terceiro a obrigação alimentar, pois o alimentando utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que devia fornecê-los.

Observa-se que o professor Wald defende que os casos nos quais não existe evidente enriquecimento ilícito, ou má-fé da parte alimentada, a ação de restituição de alimentos deve ser ajuizada em face do terceiro que desde o começo deveria ter sido condenado a prestá-los. Esse entendimento merece reflexão, pois garante a proteção da gestante e do nascituro que agiram de boa-fé e ainda o ressarcimento dos valores prestados pelo alimentante não genitor.

Outro aspecto que merece atenção, segundo Cavalieri Filho[40], é o dano moral, que é indenizável e pode ser cumulado com o dano material. Contudo, definir um conceito de dano moral, ou até mesmo prová-lo é assunto árduo. O autor refere-se ao dano moral do seguinte modo:

O que configura e o que não configura o dano moral? Na falta de critérios objetivos, essa questão vem-se tornando tormentosa na doutrina e jurisprudência, levando o julgador a situação de perplexidade. Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou a mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias.[41]

O professor Cavalieri Filho[42] acrescenta que:
[…] só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio do seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.

A dor, o vexame, o sofrimento e a humilhação são consequências e não causa; apenas poderão ser considerados como dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém.[43]

Nesse segmento, o dano moral por ter mensuração subjetiva, para ser indenizável deve provar que o fato ocorrido não criou somente um mero dissabor, mas lesionou a esfera personalíssima da pessoa, seus direitos de personalidade, como, por exemplo, intimidade, vida privada, honra e imagem. É o caso do alimentante, por exemplo, não genitor que tem sua família destruída, por ter sido condenado a prestar alimentos ao nascituro, filho de outrem.[44]

Pereira[45] destaca que a matéria ainda é pouco fundamentada. A jurisprudência pouco se manifestou a respeito. A doutrina também é escassa em relação a esse aspecto, sobre a responsabilidade civil daquele que ajuizou ação de prestação alimentícia. Resta, assim, aguardar a evolução doutrinária e o preenchimento jurisprudencial que são alicerces para a aplicação da lei ao caso concreto.

O artigo 11, da referida Lei, apresenta uma disposição geral ao prever que esta Lei aplicará supletivamente o Código de Processo Civil e a Lei Federal nº 5.478/1968, que dispõe sobre a ação de alimentos.[46]

Finalmente, o artigo 12 trata da vigência da lei, que entrou em vigor na data de sua publicação (6 de novembro de 2008, no Diário Oficial da União), e vale por tempo indefinido até que outra lei posterior a revogue.[47]

4 DADOS ESTATÍSTICOS

De acordo com Caldeira[48], estatísticas do registro civil apontaram que aproximadamente 30% das crianças nascidas no Brasil não têm pai declarado.

Caldeira[49] sinaliza que investigações de paternidade têm relevância social e impacto crescente nas atividades forenses. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro registrou, em 2007, 6.784 pedidos de perícias de DNA para investigação de paternidade. Desde 1997, ano em que foi feito o contrato entre a instituição e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 25 mil perícias já foram realizadas.

No decorrer do ano de 2008, a procura chegou a superar 600 pedidos nos meses de março, junho e julho, que tiveram, respectivamente, 626, 629 e 616 solicitações. Desde 1997, o número de pedidos aumentou bastante. Em 2008, cada exame custava ao Fundo Especial do TJ-RJ R$ 375,00 (modelo padrão), com o suposto pai, filho e mãe vivos, sendo usada tecnologia de ponta por parte do laboratório de diagnósticos.[50]

Hoje em dia, o exame de DNA custa mais de R$ 900,00 em clínicas particulares. Caldeira[51] revela se for indispensável realizar o exame pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a fila de espera é de aproximadamente seis meses. Deve ser considerada também a demora na prestação jurisdicional nas regiões sul e sudeste, em mais de 70% das varas mais de 2.500 processos aguardam julgamento.

5 INOVAÇÃO TRATADA PELA LEI Nº 11.804/2008

Anterior à Lei nº 11.804/2008, a mulher ficava completamente desamparada no caso de uma eventual gravidez. Nos dias de hoje, verifica-se uma quantidade de mulheres grávidas elevada, em especial, as jovens e adolescentes, sendo a maioria delas solteiras, e a gravidez é fruto de uma relação não estável, e quando isso ocorre, muitas são as incertezas, prejudicando, assim, apenas a mulher, que no tempo de gestação, terá de evitar inúmeras coisas proibidas da gestação, como, por exemplo, trabalhos manuais pesados e conseguir outras em função do desenvolvimento saudável da gravidez.[52]

A inovação tratada pela Lei nº 11.804/2008 disciplina o direito de alimentos da mulher grávida e a maneira como é exercida.

Para Dias[53], é suficiente indícios da paternidade para a concessão dos alimentos, os quais vão durar mesmo após o nascimento, oportunidade em que a verba determinada se transforma em alimentos a favor do filho. Os alimentos mudam de natureza. Como deve seguir o critério da proporcionalidade, de acordo com os recursos de ambos os pais, nada impede que sejam fixados valores distintos, vigorando um valor para o período da gravidez e outro valor para alimentos do filho, a partir do seu nascimento. “Isto porque o encargo decorrente do poder familiar tem parâmetro diverso, pois deve garantir o direito do credor de desfrutar da mesma condição social do devedor (artigo 1.694, Código Civil/2002)”.[54]

Uma inovação é a transformação dos alimentos em favor do filho que ocorre independentemente do reconhecimento da paternidade. Dias[55] ressalta que caso o pai não conteste a ação e não faça o registro do filho, a procedência da ação deve expedir o mandado de registro, sendo dispensável a instauração do procedimento de averiguação da paternidade para a determinação do vínculo parental.

Dias[56] também ressalta que é garantida a revisão dos alimentos, não incorre em exigência da alteração do parâmetro possibilidade/necessidade. De maneira equilibrada, foram afastados dispositivos do projeto que introduziam todo um novo e demorado procedimento, evocando um rito muito mais emperrado do que a Lei de Alimentos. Da redação original ficou somente uma norma processual, ou seja, a definição do prazo da contestação em cinco dias (artigo 7°, Lei n° 11.804/2008). Dessa forma, afasta-se o poder discricionário do magistrado de estipular o prazo para a defesa (Lei nº 5.478/1968, artigo 5º, § 1°).

CONCLUSÃO

A promulgação da Lei nº 11.804/2008, que trata dos alimentos gravídicos veio para auxiliar e garantir as mulheres grávidas uma gestação saudável e ao feto um desenvolvimento sadio, e para isso é necessário que ocorra a ajuda financeira do suposto pai e da própria mãe de acordo com suas possibilidades, de modo proporcional de ambas as partes.

Conclui-se que a Lei nº 11.804/2008 é detentora de cunho social, procura resgatar o amparo à mulher grávida que, ao longo da gestação, não fique desamparada até o nascimento com vida do nascituro, que era o que ocorria antes desta Lei de alimentos gravídicos, pois mesmo com frágeis indícios de paternidade, o abrigo gerado por este instituto jurídico se sobrepõe.

Quando a Lei é usada com boa-fé pela mulher gestante, a lei fornece assistência a uma nova família monoparental, garantindo uma assistência ao nascituro e ao menor. No entanto, quando a gestante age de má-fé ou até se enganar, ao apontar o suposto pai, certamente, essa pessoa sofrerá graves danos na sua vida pessoal, familiar, financeira e profissional. Ações indenizatórias por dano moral, provavelmente, não serão capazes de reparar as perdas, até porque a ré supostamente necessita de assistência.

Em caso de o suposto pai ter certeza de que não é o pai biológico, é recomendável propor uma ação negatória de paternidade, e com o resultado do exame pericial conseguir a exoneração da pensão alimentícia.

Por fim, verifica-se que a aplicação desta Lei ratifica o princípio da dignidade humana, inserida pela nossa Carta Magna de 1988.

REFERÊNCIAS

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WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.


NOTAS
[1] BRASIL. Constituição Federal/1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_constituicaofederal_1988.htm>. Acesso em: 28 abr. 2016.
[2] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
[3] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos – de acordo com o Novo Código Civil. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 15.
[4] LOBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 344.
[5] ALMEIDA JUNIOR, Jesualdo Eduardo. Alimentos gravíticos. Revista Jurídica, Porto Alegre, ano 56, n. 374, dez. 2008.
[6] BRASIL. Constituição Federal/1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_constituicaofederal_1988.htm>. Acesso em: 28 abr. 2016.
[7] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 458.
[8] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 5, 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 334.
[9] LIBERATI, Wilson. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
[10] BRASIL. Constituição Federal/1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_constituicaofederal_1988.htm>. Acesso em: 28 abr. 2016.
[11] LIBERATI, op. cit., p. 11.
[12] BRASIL. Constituição Federal/1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_constituicaofederal_1988.htm>. Acesso em: 28 abr. 2016.
[13] DINIZ, op. cit.
[14] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Fundamentos do direito natural à vida. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 28.
[15] VENOSA, op. cit., p. 135.
[16] LOMEU, Leandro Soares. Alimentos gravídicos. Revista Jurídica Consulex, ano XII, n. 285, p. 58-59, 30 nov. 2008, p. 58. LOMEU, op. cit., p. 58.
[17] DIAS, op. cit.
[18] Ibidem.
[19] Ibidem, p. 459.
[20] LOMEU, op. cit., p. 58.
[21] BRASIL. Lei nº 11.804/2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11804.htm>. Acesso em: 28 abr. 2016.
[22] Ibidem.
[23] CAHALI, op. cit.
[24] ALIMENTOS gravídicos: um direito fundamental do nascituro. 30 out. 2012. Disponível em: <http://investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-civil/279577-alimentos-gravidicos-um-direito-fundamental-do-nascituro>. Acesso em: 29 abr. 2016.
[25] ALIMENTOS gravídicos: um direito fundamental do nascituro. 30 out. 2012. Disponível em: <http://investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-civil/279577-alimentos-gravidicos-um-direito-fundamental-do-nascituro>. Acesso em: 29 abr. 2016.
[26] BRASIL. Lei nº 11.804/2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11804.htm>. Acesso em: 28 abr. 2016.
[27] CALDEIRA, Cesar. Alimentos gravídicos: análise crítica da lei nº 11.804. Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 27, p. 207-229, 2010.
[28] Ibidem.
[29] CALDEIRA, op. cit.
[30] Ibidem.
[31] BRASIL. Lei nº 11.804/2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11804.htm>. Acesso em: 28 abr. 2016.
[32] CALDEIRA, op. cit.
[33] Ibidem
[34] Ibidem.
[35] DIAS, op. cit.
[36] PEREIRA, Andressa Hiraoka. O direito fundamental do nascituro em receber alimentos à luz da Lei nº 11.804/08. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/21972/o-direito-fundamental-do-nascituro-em-receber-alimentos-a-luz-da-lei-n-11-804-08/3>. Acesso em: 1 maio 2016.
[37] Ibidem.
[38] Ibidem.
[39] WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 101.
[40] CAVALIERI, Sérgio Filho. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
[41] Ibidem, p. 48.
[42] Ibidem, p. 48.
[43] CAVALIERI FILHO, op. cit.
[44] Ibidem.
[45] PEREIRA, op. cit.
[46] CALDEIRA, op. cit.
[47] Ibidem.
[48]CALDEIRA, op. cit.
[49] CALDEIRA, op. cit.
[50] CALDEIRA, op. cit..
[51] Ibidem.
[52] DIAS, op. cit.
[53] DIAS, op. cit., p. 481-482.
[54] BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto/ccivil_codigocivil_2002.gov.br.>. Acesso em: 30 abr. 2016.
[55] DIAS, op. cit.
[56] Ibidem.

PRADO, PedroAlimentos gravídicos e seus aspectos sociojurídicos para o nascituro e a gestanteRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23n. 55091 ago. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/59039>. Acesso em: 2 ago. 2018.

O direito de visitas ao bichinho de estimação

Vanessa Scheremeta
Diante disso, e por ter sido demonstrado o apego do ex-companheiro para com a cadela yorkshire, o STJ rejeitou o recurso da parte adversa para que as visitas fossem revogadas.
QUINTA-FEIRA, 2/8/2018

O respeito aos animais e o estreitamento de suas relações com as pessoas vêm crescendo e tomando espaço no cotidiano. Em um aspecto mais amplo, essa proximidade revela-se através de determinadas posturas, como, por exemplo, a abstenção do consumo de produtos testados em animais, campanhas de adoção e castração de cães e gatos etc. Sob outro ângulo, esse fenômeno é verificado no número cada vez maior de locais pet friendly, – como shoppings, restaurantes, cafés, hotéis – e o crescente comércio de produtos e serviços para os próprios animaizinhos – pet shops, roupinhas, creches etc.
Toda essa evolução demonstra, ainda, a importância dos animais de companhia para as pessoas e a necessidade de tutelar essa relação.
Acompanhando esse movimento, e destacando desde logo que o tema não se trata de "'mera futilidade', já que a questão é típica da pós-modernidade e envolve questão delicada, que deve ser examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal quanto pela proteção constitucional dada à fauna", o STJ, em decisão inédita, entendeu ser possível a regulamentação de visitas ao bichinho de estimação após a separação de um casal. Embora o julgado ainda não tenha sido publicado, a notícia do site daquela Corte1 trouxe os principais fundamentos dessa decisão que tratou do assunto com grande inteligência e sensibilidade.
Sem deixar de lado o bem-estar e proteção do animalzinho, o STJ destacou ser necessário levar em consideração "a preservação e a garantia dos direitos da pessoa humana", pois "…a ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de companhia – sobretudo nos tempos em que se vive – e negar o direito dos ex-consortes de visitar ou de ter consigo o seu cão, desfrutando de seu convívio, ao menos por um lapso temporal". Diante disso, e por ter sido demonstrado o apego do ex-companheiro para com a cadela yorkshire, o STJ rejeitou o recurso da parte adversa para que as visitas fossem revogadas.
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1 BRASIL. STJ garante direito de ex-companheiro visitar animal de estimação após dissolução da união estável. Publicado em 19/6/18. Disponível em: <clique aqui
>. Acesso em: 18/7/18.
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*Vanessa Scheremeta é advogada do Escritório Professor René Dotti.