domingo, 28 de maio de 2017

Inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC e tio que deve alimentos a sobrinho


OBS. Apesar de ter sido escrito no final ano passado, não pude deixar de compartilhar pela coerência lógica do pensamento do autor.

Por 

A semana foi bem agitada em termos de Direito de Família e das Sucessões. Dois temas de grande repercussão na impressa merecem algumas palavras em razão do impacto sobre o Direito de Família e sobre as famílias. 
1. A declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC pelo STF
O julgamento não acabou, mas já foram SETE os ministros que reconheceram a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC. Trata-se do julgamento do RE 878.694/MG, com repercussão geral, que se iniciou em 31 de agosto. Dias Toffoli pediu vista.
Conforme antecipado a meus alunos em sala de aula, em conversa com o ministro Lewandowski na semana anterior ocorrida na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, este dissera uma frase que indicava o destino do dispositivo em questão: “O STF tem sido bem liberal em Direito de Família”.
O voto do ministro Barroso, relator do recurso, tem dois fundamentos basilares: 1) o Estado deve proteger a família não só constituída pelo casamento, mas qualquer entidade familiar que seja apta a contribuir para o desenvolvimento de seus integrantes; 2) o artigo 1.790, ao revogar as leis de 1994 e 1996, discrimina os companheiros, dando-lhes tratamento bem inferior ao dado aos cônjuges em contraste aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade, como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso.
Por fim, menciona que a decisão só se aplica aos inventários judiciais em que não tenha havido o trânsito em julgado da sentença e às partilhas extrajudiciais em que não tenha havido escritura pública.
A orientação do STF encontra base doutrinária sólida: Giselda Hironaka. Há 15 anos, ela vem afirmando a inconstitucionalidade do dispositivo e o faz de maneira contundente em sua tese de titularidade defendida no Largo São Francisco, posteriormente publicada com o título Morrer e Suceder. No ano passado, no Congresso Nacional do IBDFam, eu defendia a constitucionalidade do dispositivo, e Giselda, a inconstitucionalidade. Foi a doutrina dela que prevaleceu.
Entendo eu que o Código Civil pode tratar de maneira igual em termos sucessórios as famílias advindas do casamento e da união estável. Tratamento diferente não significa que certa modalidade familiar é “pior” ou “inferior”. Só significa que é diferente. A lei não está obrigada a tratar de maneira idêntica casamento e união estável.
O único ponto de efetiva afronta à proibição ao retrocesso diz respeito ao inciso III do dispositivo, que, diferentemente do que ocorreria com a Lei 8.971/94, coloca o companheiro em situação pior que a do colateral. Pela lei de 1994, o companheiro sobrevivo excluía os colaterais (artigos 2º, III), e pelo artigo 1.790 do CC há concorrência entre eles, recebendo o colateral 2/3 da herança, e o companheiro, apenas 1/3.
Contudo, para o STF, toda e qualquer distinção sucessória é discriminatória, logo, para os companheiros, aplicam-se todas as regras sucessórias referentes aos cônjuges. A decisão tem os seguintes efeitos:
  • aplica-se ao companheiro a ordem de vocação hereditária do artigo 1.829 e, como consequência, os artigos 1.832 (quinhão que recebe o companheiro em concorrência com descendentes), 1.837 (quinhão que recebe o companheiro em concorrência com o ascendente) e 1.838 do CC (companheiro exclui da sucessão os colaterais);
  • aplica-se ao companheiro o artigo 1.830 do CC, ou seja, se o companheiro estiver separado de fato, há perda da qualidade de herdeiro[1];
  • o companheiro tem direito real de habitação garantido nas mesmas condições que se garante ao cônjuge (artigo 1.831);
  • o companheiro passa a ser herdeiro necessário (artigo 1.845 do CC);
  • afastam-se as dúvidas quanto à declaração de vacância da herança em havendo companheiro, ou seja, a herança tocará por inteiro a ele (bens adquiridos a qualquer título, antes ou depois da união), e não ao ente público (artigo 1.844).
Em 2011, escrevi um artigo denominado Em busca da harmonia perdida[2], cujo objetivo era demonstrar como os tribunais rejeitavam a aplicação do artigo 1.790 do CC para equiparar a sucessão do companheiro à do cônjuge. O julgador, em várias decisões, demonstrava que não aceitou a desigualdade trazida pelo CCI (isso porque, pelo direito vigente anteriormente — leis de 1994 e 1996 —, a equiparação sucessória era total). Fui profético ao afirmar que o Direito sempre busca um caminho para se amoldar à realidade, assim como a natureza sempre dá uma solução[3]. A profecia se realizou cinco anos depois, com a decisão do STF.
Contudo, tenho que dizer que não concordo com a orientação do STF. Se ela é justa, pois retoma a equiparação existente até 2003, não se pode afirmar que o artigo 1.790 era como um todo inconstitucional. Respeitava-se a diferença entre as famílias e a liberdade de escolha dos modelos familiares. Não havia modelo pior ou melhor (isso seria discriminatório), mas apenas diferente. Com a decisão, o próximo passo que se dará será se reconhecer identidade de efeitos também para o Direito de Família com a total equiparação entre união estável e casamento.
Não é salutar retirar parcela de liberdade individual equiparando-se totalmente os modelos familiares. O Código Civil não pretendeu, nem a Constituição exigiu tal identidade de efeitos. Contudo, o assunto está encerrado com a decisão do STF. Casar ou se unir estavelmente produzem iguais efeitos sucessórios e, porque não, no âmbito familiar.
Há um ponto positivo: acabou a insegurança jurídica quanto ao tema.
2. Tio que paga alimentos a sobrinho?
O artigo 1.697 do CC é expresso: somente os colaterais de segundo grau (irmãos) podem pagar alimentos de maneira subsidiária, ou seja, se os ascendentes e descendentes não puderem suprir as necessidades do credor de alimentos.
Tio é colateral de terceiro grau, logo, nunca, de maneira alguma, é obrigado a pagar alimentos ao sobrinho. Em São Carlos, interior de São Paulo, o magistrado Caio Cesar Melluso proferiu uma decisão em sentido contrário, condenando-se o tio a pagar alimentos ao sobrinho (Processo 1007246-25.2016.8.26.0566).
O fundamento da decisão é a lição de Maria Berenice Dias: o tio é parente de terceiro grau, logo herdeiro, se tem os bônus deve ter também os ônus. “Os graus de parentesco não devem servir só para se ficar com os bônus, sem a assunção do ônus.”
Afirma a decisão de São Carlos que “o artigo 1.697 diz menos do que a intenção da norma jurídica e portanto deve ser interpretado de maneira extensiva, conforme a Constituição Federal”.
Entendo a situação do magistrado. Vendo uma pessoa que necessita de alimentos desamparada, o magistrado condoído se vale do que tem para não deixar um ser humano à míngua. É uma postura humanitária e com as melhores intenções. Frise-se que o autor da ação tem Síndrome de Asperger, o que comoveu enormemente o magistrado. Contudo, a decisão é perigosa e com bases fragilíssimas.
Perigosa, pois se levado ao extremo o princípio constitucional da solidariedade, negando vigência expressamente ao CC, poderia se concluir que toda a pessoa que pode deve pagar alimentos a quem precisa, pois, afinal, não se pode deixar um semelhante em situação de necessidade. A solidariedade se estenderia aos vínculos mais tênues: vizinhos, conhecidos, colegas de clube ou mesmo aos desconhecidos. Solidariedade contra legem não é solidariedade.
Frágil é a base técnica: “Quem tem os bônus tem que ter ônus”. Os colaterais são parentes. Ser parente é um estado. Não implica bônus nem implica ônus. No Direito Eleitoral, por exemplo, pode implicar impedimentos. Isso é ônus? Não, não é. É uma decorrência do parentesco. Em Direito, ônus e bônus existem, quando muito, em contratos bilaterais sob a forma de prestações.
E se o parentesco colateral bônus fosse, o tio não é herdeiro senão em tese. O colateral só herda se o falecido não tiver descendentes, ascendentes, nem cônjuge ou companheiro. Ademais, só herda o colateral de terceiro grau (tio) se o falecido não tiver irmãos (colateral de segundo grau) nem sobrinhos (colateral de terceiro grau — artigo 1.843).
No caso concreto, o credor dos alimentos tem seus ascendentes (pais e avós), logo o tio condenado à prestação alimentar sequer tem “bônus”. Se a sentença afirmasse: “Como o tio é herdeiro e, no caso concreto, tem os bônus”, seria menos ilógica. Mas, não, o tio condenado à prestação alimentar não tem qualquer bônus.
Os bônus são remotíssimos, mas o ônus atual. Nenhuma relação de família se pauta pela lógica de ônus e bônus. Há desequilíbrio em todas as relações de Direito Civil. O doador tem ônus, e o donatário, bônus, logo a doação fere a Constituição? O locatário tem proteção garantida por lei, e o locador, não, e os bônus geram ônus? E assim os exemplos se multiplicam.
A noção de família em sentido restrito é a utilizada pelo Código Civil para fins de alimentos. Ruim ou boa, certa ou errada, a lei deve ser aplicada ou alterada pelo Congresso Nacional. Transformar os alimentos em seguridade social é um perigo, pois a Justiça ganha contorno de Robin Hood: dar aos pobres, tirando dos ricos[4].
A lei é a reserva de segurança mínima. Seu desrespeito, mesmo por uma causa nobre, abre espaço para afronta a direitos e garantias em situações não tão nobres. E na história recente os regimes de exceção bem demonstraram isso...


[1] Não se discute o lapso de dois anos nem culpa após a Emenda 66/2010.
[2] SIMÃO, José Fernando. Em busca da harmonia perdida. In: LAGRASTA NETO, Caetano; TARTUCE, Flávio; SIMãO, José Fernando. (Org.). Direito de família: novas tendências e julgamentos emblemáticos. São Paulo: Atlas, 2011, v. , p. 111-136.
[3] Menção ao filme Jurassic Park e o fato de surgirem os dinossauros machos a partir de fêmeas apenas.
[4] Essa ideia agrada parte da civilística nacional.
 é advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e professor da Universidade de São Paulo e da Escola Paulista de Direito.
Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2016, 8h00
http://www.conjur.com.br/2016-set-11/processo-familiar-inconstitucionalidade-cc-tio-alimentos-sobrinho

Equiparação de efeitos de união estável a casamento está em debate no STF

Por Venceslau Tavares Costa Filho

Novas percepções no estudo da alienação parental


Conforme observado na doutrina estrangeira, o tema da alienação parental comporta uma série de variáveis que não ingressaram ainda no terreno dos debates brasileiros.

INTRODUÇÃO

O presente texto tem como base palestra proferida, no dia 20 de Outubro de 2016, durante a “3ª Semana Acadêmica de Direito do Campus da PUC/PR Toledo”, tendo como tema as “Novas Percepções no Estudo da Alienação Parental”.

A “Alienação Parental” é um fenômeno que vem sendo estudado recentemente no Brasil, especialmente no âmbito das separações, divórcios e dissoluções de união estável, quando ocorre, por definição legal, uma “interferência na formação psicológica da criança ou adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”

A edição da Lei 12.318/10, aliás, trouxe para o Direito brasileiro certo alento, no sentido de que o fenômeno foi delineado, conceituado, trazido para o mundo do Direito, sendo inclusive determinado um trâmite processual especial, e mesmo punições para os alienadores, as quais podem ir de uma mera advertência até a suspensão da autoridade parental.

Tal alento inclusive fez com que, de uma certa forma, observemos uma diminuição na produção acadêmica acerca do assunto, como se o texto da lei tivesse o condão de prever todas as hipóteses possíveis, cabendo aos operadores do Direito simplesmente aplicá-la aos casos concretos que se avolumam.

Todavia, conforme observado na doutrina estrangeira, o tema “Alienação Parental” (AP) comporta uma série de variáveis que não ingressaram ainda no terreno dos debates em plagas brasileiras.

Tais temas vêm sendo abordados em inúmeros estudos especialmente do Direito Canadense e Norte americano e, entendemos, podem e devem servir de inspiração para que possam ser expandidos os parâmetros do estudo da AP também no Brasil.

Assim tem o presente texto o objetivo de repassar brevemente os temas que foram propostos na aludida Palestra, bem como indicar leituras a respeito com o propósito de compartilhar o assunto com estudantes e professores que possuam interesse neste fenômeno.

Por essa razão, o texto não seguirá rígidos padrões de apresentação, tampouco uso excessivo das normas técnicas, uma vez que se propõe a ser, tão somente, um complemento escrito à palestra proferida, conforme prometido pelo autor aos alunos e professores que compareceram ao evento e que receberam este autor com tanto carinho e atenção.

1 – O INÍCIO DOS ESTUDOS

Frequentemente o psiquiatra Richard Gardner é mencionado como um pioneiro no estudo e até na utilização do termo “Alienação Parental”.

Embora não possamos negar a relevância dos seus estudos, ao elaborar um estudo dos “sintomas”[1] que caracterizariam a ainda não aceita “Síndrome da Alienação Parental”, há estudo datado do final dos anos 40, escrito por Wilhelm Reich, onde este observa o comportamento de pais que colocam os filhos contra o ex-cônjuge (homem ou mulher) como uma vingança pela ferida narcísica da separação[2].

Segundo BALA et. al. (op. cit.) 1949 é também o ano em que se reporta a primeira vez em que se usa o termo pela primeira vez em uma Corte norteamericana:  That was also the year of the first reported use of alienation in the courts. See the California case of Ludlow v. Ludlow, 201 P. 2d 579 at 582 (Cal. Ct. App. 1949), where the court wrote: "parental alienation occurs when a parent pursues a consistent course of action calculated to prevent any close relationship existing between the child and other parent, causing the child's mind to become 'poisoned and prejudiced' against the other parent."

Em seu texto, Warshak também menciona os estudos de Wallerstein e Kelly, os quais descrevem sua pesquisa com crianças que são descritas como: “particularly vulnerable to being swept up into the anger of one parent against the other. They were faithful and valuable battle allies in efforts to hurt the other parent. Not infrequently, they turned on the parent they had loved and been very close to prior to the marital separation”

De qualquer forma, não há como negar a importância dos estudos de Richard Gardner, embora não tenha este conseguido alcançar seu maior êxito, qual fosse o reconhecimento da existência da Síndrome da Alienação Parental, sendo necessário frisar que mesmo anos após sua morte, o debate continua acirrado.

Tais estudos, juntamente com outros ao redor do mundo, trouxeram para o campo do Direito a discussão sobre a situação das crianças e adolescentes filhos de pais separados, os quais, por motivos a princípio inexplicáveis, passavam a repudiar entes familiares, mormente pai e/ou mãe, demonstrando receio, medo ou mesmo pavor de estar na presença dessas pessoas.

No Brasil, a Lei que tratou do assunto tomou o número 12.318, foi publicada em 2010 e ficou conhecida como Lei da Alienação Parental[3] [4].

2– ALIENADORES E ALIENADOS – O POLO ATIVO E O POLO PASSIVO NA ALIENAÇÃO. A POSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO RECÍPROCA.

Embora o texto legal tenha sido especialmente modesto ao elencar as pessoas que podem praticar e sofrer com a Alienação Parental, estamos de acordo com os doutrinadores que afirmam ser o rol legal meramente exemplificativo, tanto no que tange às pessoas, quanto às condutas envolvidas.

O que poderíamos chamar de alienação dos avós, ou alienação avoenga, por exemplo, não poderia ficar de fora do texto conceitual do art. 2º, até porque o inciso VII do parágrafo único do mesmo artigo trata de situação que diz respeito diretamente a eles.

Cada vez mais a jurisprudência e a doutrina destacam a necessidade dos laços afetivos com os avós, concedendo-lhes, inclusive, direito de visita autônomos e, em alguns casos, a própria guarda. Neste passo, quando a alienação parental visar impedir ou prejudicar os laços afetivos do menor com seus avós, cremos que as disposições da Lei em questão devem ser-lhes estendidas, não obstante o silêncio normativo.

Na verdade, andaria melhor o legislador ao dizer que a alienação parental pode ser praticada por qualquer membro da família paterna ou materna (natural, extensa ou substituta) contra qualquer outro membro da família paterna ou materna (natural, extensa, ou substituta), sejam eles unidos à criança ou adolescente por laços consangüíneos, afins ou socioafetivos, podendo ainda o alienador utilizar-se de pessoa interposta.

Ademais, com o recente reconhecimento das famílias homoafetivas no Brasil, através de conhecidas decisões emanadas dos Tribunais Regionais e Superiores, resta claro que a aplicação da lei estende-se também aos casais do mesmo sexo e seus filhos[5].

Além disso, não podemos deixar de imaginar situações em que a Alienação Parental possa acontecer até mesmo entre parentes da mesma linha, como por exemplo, um pai que exerça influência sobre seu filho para repudiar o avô paterno, por exemplo, ou nas notórias disputas entre pais e padrastos, mães e madrastas, todos detentores de Autoridade Parental com relação aos seus filhos/enteados.

Por fim (ou por enquanto), nestas primeiras reflexões, já compartilhadas com outros colegas ou com alunos em palestras e salas de aula, não podemos deixar de supor outras possíveis ocorrências de alienação parental, as quais poderão em um futuro próximo ser enfrentadas pelos Tribunais.

Primeiro: o que poderíamos chamar de “Alienação Parental Recíproca”, ou “Múltipla” sendo a conduta alienadora adotada por membros de ambas as famílias, uns contra os outros, em maior ou menor grau, não devendo o Magistrado deixar de punir todos os alienadores, na medida da maior ou menor gravidade de suas condutas[6].

Segundo: A Alienação Parental que ultrapasse os limites da adolescência, atingindo o jovem adulto, o qual ainda esteja suscetível às campanhas negativas empreendidas pelo parente alienador, com quem muitas vezes reside, não devendo o Magistrado deixar de aplicar a legislação em vigor, tão somente sob o argumento de que o jovem esteja próximo ou mesmo já tenha atingido a maioridade, cabendo sempre a análise do caso concreto.[7]

3 - O MITO DA TRAMITAÇÃO PRIORITÁRIA

O Art. 4º da lei estabelece que declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.

A prioridade na tramitação de processos, atualmente, encontra-se regida pela Lei 12.008/2009, a qual buscou sistematizar as normas esparsas que dispunham sobre o assunto (Estatuto do Idoso, Lei do Processo Administrativo, Resoluções e decisões no âmbito do STJ e do Supremo Tribunal), definindo nos artigos 1211-A a 1211-C do Código de Processo Civil os casos em que será concedida a prioridade (maiores de 60 anos, portadores de doença grave, v.g.). O artigo 1.048 do Novo CPC regulamenta o instituto.

A Lei determina que com o deferimento da prioridade os autos recebam identificação própria, que evidencie o regime de tramitação prioritária, o que se dá, como se sabe, através de uma etiqueta adesiva colada na capa dos autos.

Tal etiqueta adesiva, embora não seja uma garantia de absoluta e inquestionável celeridade, é sem dúvida um poderoso auxílio aos operadores do Direito que atuam no processo, em todas as suas instâncias.

Porém, o legislador ao editar a Lei sobre Alienação Parental, e ao determinar que o processo tenha prioridade na tramitação, não tomou o devido cuidado de determinar providência semelhante.

Desta forma, temos observado um redobrado trabalho de nossos colegas advogados, ao patrocinarem processos em que ocorra indício de alienação parental, no sentido de serem sempre obrigados a reiterar em suas petições e gestões junto ao Fórum ou ao Tribunal que aquele processo específico deve ter prioridade na tramitação[8].

Em texto lido após proferir a palestra, este autor deparou-se com o interessante Projeto de Lei sobre Alienação Parental no Uruguai, apresentado pela Deputada nacionalista, Magdalena Zumaran, o qual, a par de possuir algumas conexões com o texto brasileiro, estabelece, por exemplo, prazos rígidos para o trâmite inicial da ação, concedendo ao Juiz trinta dias para estudar o caso e determinação para que uma audiência seja marcada com as partes nos dez dias seguintes.

É algo a se pensar, sobretudo em comarcas maiores.

4 – OUTROS TEMAS BREVEMENTE INTRODUZIDOS NA PALESTRA

Ao final da Palestra, antes de abrir para as perguntas dos alunos e professores participantes, este autor ainda teve a oportunidade de brevemente tecer alguns comentários acerca de novos temas ligados ao estudo da Alienação Parental, os quais tem merecido minha atenção.

Assim, esta última parte do texto fará algumas referências para estudos acerca dos temas novos levantados.

4.1 – O USO DA RELIGIÃO COMO FORMA DE ALIENAÇÃO

Tem sido observado, sobretudo por alguns comentaristas estrangeiros, o uso da pouca compreensão que crianças e adolescentes possuem das simbologias religiosas, para fomentar a Alienação Parental.

Tal tema é apresentado no capítulo “With God on Our Side” do livro “Divorce Poison” de Richard Warshak.

Meu texto: “O Uso da Religião Como Forma de Fomentar a Alienação Parental” trata também do assunto, tendo sido publicado na Revista Jurídica Consulex, v. XVII, p. 42-43, 2013.

Para Joan B. Kelly e Janet R. Johnston: “Novos parceiros, particularmente aqueles percebidos como responsáveis ​​pelo rompimento do casamento, podem servir como um pára-raios para a raiva sobre o divórcio, e as crianças, em tais situações, muitas vezes se deparam com conflitos de lealdade gritantes e escolhas difíceis. Eles próprios podem sentir-se traídos pela descoberta do novo parceiro de um dos pais. Crenças e práticas religiosas fortemente arraigadas também podem contribuir para a alienação das crianças, sendo este parente condenado, tanto pela família, como pela Congregação, por procurar o divórcio por seu comportamento imoral e escolhas ímpias”[9].

4.2 – O ABUSO SEXUAL VIRTUAL

Glenn F. Cartwright em seu “Expanding The Parameters of Parental Alienation Syndrome, publicado no The American Journal of Family Therapy, 21(3), 205-215, em 1993, trata do assunto, ao afirmar que é importante distinguir se as alegações de abuso são verdadeiras ou falsas[10].

Cartwright ainda acresce que podem ocorrer alegações de abuso virtual, onde o Alienador não afirma que tenha ocorrido abuso físico, mas sim psicológico, como por exemplo alegar que foi mostrado para a criança um vídeo contendo pornografia.

4.3 – A DISTINÇÃO ENTRE ALIENAÇÃO E AUTOALIENAÇÃO

Não se pode afirmar que todas as hipóteses de “estranhamento” (estrangement) entre um filho e seu pai ou mãe, são fruto de uma campanha difamatória produzida maldosamente pelo outro genitor.

A doutrina e os Tribunais, já vêm observando que o afastamento de um uma criança ou adolescente de um dos genitores, pode ser causada por negligência exatamente daquele que se diz supostamente alienado.

Isto tem sido chamado “autoalienação” ou “alienação auto-inflingida”.

Em seus estudos, o Professor Gardner produziu um importante texto, onde apresenta parâmetros para se distinguir o Parente Alienado, daquele que seja genuinamente negligente e provoque o afastamento de seus filhos por seus próprios deméritos.

Trata-se do texto “Differentiating Between Parental Alienation Syndrome And Bona Fide Abuse-Neglect”, disponível no link: https://www.fact.on.ca/Info/pas/gardnr99.htm . 
 
4.4 – QUANDO A CURA É PIOR QUE A DOENÇA

Os autores estrangeiros estudados até o momento reconhecem que há situações em que a repugnância e/ou o pavor da criança ou adolescente pelo genitor (ou outro parente) alienado pode chegar a níveis tais, que a Justiça não possa fazer mais nada naquele momento, casos em que o “remédio pode matar o paciente”, como se diz no jargão popular.

Em seu livro, “Divorce Poison”, Warshak diz, no capítulo “Letting Go” que se trata do trecho mais triste de seu livro e que ele gostaria de não ter que escrevê-lo, mas reconhece que há situações em que todas as medidas foram tomadas, mas chegaram tarde demais e a alienação já está muito severa para ser afastada.

Your ex is unable or unwilling to stop the bashing and brainwashing. Your attempts to get the court to intervene effectively have met with failure. Your ex has abducted the children and you can´t locate them. Or some combination of the above.

A partir de então o autor passa a tratar da perda e como crê que esses genitores devem se comportar a fim de construir novas pontes no futuro, com a manutenção do pagamento de pensão, redação de cartas e e-mails, envio de presentes, buscar deixar claro que não desistiu nunca de ter contato com a criança, continuar comparecendo em eventos importantes para a criança, dentre outras medidas, esmiuçadas em seu livro.

Na opinião de Nicholas Bala et. al., em texto já referenciado, em certos casos de altos níveis de conflito, talvez seja melhor deixar a criança em paz por certo tempo.

Ademais, embora endosse as medidas sugeridas por Warshak, Bala et. al. reconhece que os laços de afeto entre a criança fortemente alienada e o parente-alvo talvez só sejam recuperados na idade adulta ou talvez nunca sejam restabelecidos.

Certos relatos de extrema relevância para quem possua interesse neste ponto em particular, tristes por serem absolutamente verdadeiros, podem ser encontrados também no excelente documentário brasileiro “A Morte Inventada” do cineasta Alan Minas, onde o Diretor entrevista alguns jovens adultos que foram vítimas da Alienação e em algum momento, se deram conta do que estava acontecendo, passando a buscar a retomada do contato com o pai ou mãe alienados.

NOTAS

[1] Os sintomas são mencionados por Richard Gardner em seu estudo “Does DSM-IV Have Equivalents for the Parental Alienation Syndrome (PAS) Diagnosis?”. Disponível em https://www.fact.on.ca/Info/pas/gard02e.htm

[2] O estudo de Reich é mencionado por Nicholas Bala et. al. em “Alienated Children and Parental Separation: Legal Responses in Canada's Family Courts” (indisponível na internet) e também por Richard Warshak em “Current Controversies Regarding Parental Alienation Syndrome”, disponível em https://www.fact.on.ca/Info/pas/warsha01.htm.

[3] Para um histórico do Projeto de Lei, vide o artigo de seu idealizador, o Juiz do Trabalho e pai alienado, Elísio Luiz Perez – “Breves Comentários Acerca da Lei da Alienação Parental” publicado em DIAS, Maria Berenice. “Incesto e Alienação Parental”, Editora RT, 03ª Edição. (nota: na data do fechamento deste artigo, a Editora promete o lançamento breve de uma 04ª Edição).

[4] Para comentários ao texto legal vide: FIGUEIREDO; Fábio Vieira. ALEXANDRIDIS, Georgios. “Alienação Parental”. São Paulo. Editora Saraiva. 2011; FREITAS, Douglas Phillips; PELLIZZARO, Graciela. Alienação Parental – Comentários à Lei 12.318/2010. Rio de Janeiro. Editora Forense. 2011;MOLD, Cristian Fetter. “Alienação parental- Reflexões sobre a Lei nº 12.318/2010”. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, v. 25, p. 46-64, Editora Magister, 2012.

[5] MOLD, Cristian Fetter. A alienação parental nas relações homoafetivas. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3312, 26 jul. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22305>. Acesso em: 17 nov. 2012.

[6] O assunto “Alienação Parental Recíproca” é desenvolvido por este autor em texto de mesmo nome disponível em DIAS, Maria Berenice. “Incesto e Alienação Parental” vide nota de rodapé nº 04

[7] Vide o livro “Adult Children of Parental Alienation Syndrome: Breaking the Ties That Bind” de Amy Baker e o texto “Uma Reflexão Sobre o Idoso e o Jovem Serem Sujeitos de Alienação Parental” de Cláudia Gay Barbedo, o qual também faz parte da obra coletiva já citada “Incesto e Alienação Parental”
[8] MOLD, CRISTIAN FETTER. IDENTIFICAÇÃO PRÓPRIA NOS PROCESSOS QUE ENVOLVAM ALIENAÇÃO PARENTAL. REVISTA JUS NAVIGANDI, TERESINA, ANO 16, N. 2782, 12 FEV. 2011. DISPONÍVEL EM: <HTTPS://JUS.COM.BR/ARTIGOS/18473>. ACESSO EM: 20 DEZ. 2016.

[9] In: The alienated child – A reformulation of Parental Alienation Syndrome. Disponível em: <http://jkseminars.com/pdf/AlienatedChildArt.pdf>. Acesso em: dezembro de 2016. Tradução livre.

[10] Vários textos da obra coletiva “Incesto e Alienação Parental” coordenada por Maria Berenice Dias, também se dedicam ao tema: Vide GUAZZELLI, Mônica. “A Falsa Denúncia de Abuso Sexual”; ARAÚJO, Sandra Maria Baccara. “O Genitor Alienador e a as Falsas Acusações de Abuso Sexual”; e DUARTE, Lenita Pacheco Lemos. “Qual a posição da criança envolvida em denúncias de abuso sexual quando o litígio familiar culmina em situações de alienação parental? Inocente, Vítima ou Sedutora?”

MOLD, Cristian Fetter. Novas percepções no estudo da alienação parental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5071, 20 maio 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/54676>. Acesso em: 27 maio 2017.