terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Ação de petição de herança


"Quando da abertura da sucessão, ocorre a imediata transferência de bens aos herdeiros (CC, 1.784). É o princípio de saisine. No entanto, há a possibilidade de a herança cair em mãos de quem não detém a condição de herdeiro. Tal fato não exclui o direito sucessório do verdadeiro herdeiro. Quem é herdeiro, ou assim se considera, pode buscar o reconhecimento do seu direito e a restituição dos bens. A saída é a via judicial: ação de petição de herança.

[...] A ação de petição de herança é chamada de universal, eis que o autor não pretende a devolução de coisas destacadas, mas sim do patrimônio hereditário por inteiro, por se tratar de herdeiro de uma classe mais privilegiada ou de quota parte, por ser herdeiro da mesma classe dos que receberam a herança. O direito reclamado nem sempre é da posse física, direta, mas do direito à posse. Como alerta Humberto Theodoro Junior, não se pode pretender a posse exclusiva se a herança pertence a uma comunhão hereditária, na qual o autor da herança pretende ser incluído. Além de universal, a ação é real, pois impõe a devolução do acervo hereditário, que é considerado bem imóvel (CC 80 II).

Antes da partilha e mesmo da abertura de inventário, o herdeiro pode pedir a reserva de bens enquanto tramita a ação de conhecimento em que busca reconhecer sua qualidade de sucessor. Depois de ultimado o inventário, a ação é de petição de herança. De modo frequente, o herdeiro preterido propõe ação possessória, ou mesmo anulatória do inventário, trazendo como fundamento a sua condição de herdeiro. O erro na identificação da demanda, porém, não leva à extinção do processo.". (DIAS, Maria Berenice, Manual das Sucessões. 2. ed. - São Paulo: RT, 2011, p. 619-20).

A tragédia de Brumadinho e o aumento injustificado do preço de produtos e serviços: um alerta ao consumidor e às autoridades

Publicado por Vitor Guglinski

Na época em que ocorreu a tragédia causada pelo rompimento das barragens da mineradora Samarco, escrevemos neste mesmo espaço a respeito da infeliz prática de alguns comerciantes que, naquele momento de crise e consternação, se aproveitam da escassez de oferta e aumento da procura por água para elevar o preço do produto (leia aqui).

Em seu best-seller, Justiça - O que é fazer a coisa certa, Michael Sandel, referindo-se a tragédias provocadas pela passagem dos furacões Charley e Katrina, nos Estados Unidos, exorta o leitor a refletir se é justo que comerciantes cobrem o preço que quiserem por seus produtos diante de situações calamitosas.

Rizzatto Nunes denuncia que tal prática não é nova e nem surpreende, tendo ocorrido no Brasil em outras ocasiões, como nos deslizamentos de terra na região serrana do estado do Rio de Janeiro, nas cidades de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis (leia aqui).

O art. 39 do Código de Defesa do Consumidor prevê, em rol meramente exemplificativo (numerus apertus), as práticas consideradas abusivas pelo legislador consumerista. Dentre as vedações exemplificadas pelo código, está aquela etiquetada no inciso X do dispositivo em questão, que é exatamente a elevação de preços de produtos e serviços sem justa causa. Veja-se sua literalidade:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(...)
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

Além disso, merece atenção o disposto no inciso Xdo § 3ºº, do art. 366, da Lei12.5299/11, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, entre outros. Veja-se:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
(...)
§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
(...)
X - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços.

A mesma lei define, nos arts. 37 a 45, as penas e os respectivos parâmetros de aplicação a que o infrator está sujeito.

Prosseguindo, o aumento injustificado do preço de produtos e serviços vai de encontro aos objetivos e princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, em especial o princípio da boa-fé, consoante disposto, respectivamente, no caput e no inciso III, do art. , do CDC, assim redigidos:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
(...)
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

Pertinente registrar também que a elevação de preços sem justa causa pode configurar abuso de direito, definido como ato ilícito pelo art. 187 do Código Civil, que tem a seguinte redação:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

No contexto deste breve artigo, precisas são as palavras de Bruno Miragem ao ponderar que “o Direito do Consumidor compreende, em si, também uma projeção da proteção da pessoa humana. Consumir é uma necessidade existencial, ninguém vive sem consumir. Logo, resguardar a integridade de cada pessoa é fazê-lo também na sua tutela como consumidora. (MIRAGEM, Bruno. Como o Direito do Consumidor contribui para o aperfeiçoamento do mercado. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-fev-28/garantias-consumo-direito-consumidor-ajudou-aperfeicoar-mercad.... Acesso em 25/01/2019).

Se por um lado a livre iniciativa está prevista na Constituição Federal de 1988 como fundamento da República (art. 1º, IV) e da ordem econômica (art. 170), por outro é necessário lembrar que o consumidor é o sujeito presumidamente vulnerável na relação de consumo. Assim, para que cumpra sua função social, a livre iniciativa deve ser exercida observando-se preceitos éticos e morais e, principalmente a dignidade da pessoa humana, sendo que a defesa do consumidor é, por expressa previsão constitucional, um dos princípios a serem observados nesse aspecto (art. 170, V).

Por fim, espera-se que nesse momento de profunda comoção, em que o país ainda se indigna com a tragédia da Samarco e com a ausência de punição dos respectivos responsáveis, prevaleça o espírito de solidariedade, e que com esse espírito os comerciantes locais desempenhem sua atividade, evitando-se abusos, e com isso o agravamento do prejuízo da população já duramente atingida.

https://vitorgug.jusbrasil.com.br/artigos/667804699/a-tragedia-de-brumadinho-e-o-aumento-injustificado-do-preco-de-produtos-e-servicos-um-alerta-ao-consumidor-e-as-autoridades?utm_campaign=newsletter-daily_20190128_8040&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Decreto Federal excluiu responsabilidade das mineradoras em rompimento de barragem?

O ódio nas redes e a falta de análise crítica dos brasileiros.

Publicado por Dáfani Pantoja Reategui

Atualização (28/01/2019): Em face do ocorrido em Brumadinho, o presente artigo ganhou nova relevância em face de "notícias" que ressuscitam o Decreto nº 8.572/2015 .
Em 2015 publiquei este artigo esclarecendo que Dilma não excluiu a responsabilidade das mineradoras em caso de rompimento de barragem.

Naquela ocasião, o termo "fake news" ainda não estava em voga, mas hoje percebe-se que a disseminação do ódio nas redes, já naquela época, era mera reprodução de notícias falsas.

Pelos comentários abaixo (realizados em face deste artigo), percebe-se como o viés ideológico é capaz de cegar qualquer um que prefira destilar ódio a analisar os fatos, principalmente quando se depende de conhecimento técnico ou jurídico do assunto.Cumpre relembrar que este é um espaço jurídico, no qual se promovem discussões fundadas em aspectos legais.

Em tempos de "fake news" vai logo a resposta: O decreto NÃO excluiu a responsabilidade da mineradora. Veja as razões abaixo.Algumas pessoas estão compartilhando posts revoltados sobre o Decreto nº 8.572/2015 nas redes sociais. Segundo tais pessoas, o mencionado decreto determina que o rompimento de barragem agora é desastre natural, excluindo responsabilidade dos envolvidos.

Ao saber disso quase não acreditei, achei absurdo que pessoas se revoltassem com tal decreto. Mas ao receber os prints das postagens com toda a polêmica envolvida, resolvi esclarecer seu real teor para evitar maiores onfusões.
Decreto Federal exclui responsabilidade das mineradores em rompimento de barragem
Decreto Federal exclui responsabilidade das mineradores em rompimento de barragem
Decreto Federal exclui responsabilidade das mineradores em rompimento de barragem
A simples leitura do decreto já evitaria toda a polêmica, eis seu inteiro teor:

Decreto nº 8.572, de 13 de novembro de 2015

Altera o Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004, que regulamenta o art. 20, inciso XVI, da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 20, caput, inciso XVI, da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990,
DECRETA:
Art. 1º O Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 2º...
...
Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, considera-se também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais.” (NR)
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 13 de novembro de 2015; 194º da Independência e 127º da República.

A interpretação literal do parágrafo único já demonstra que se considera também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036/90.

A mencionada lei dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e o art. 20 estabelece as hipóteses nas quais podem ser sacados os valores correspondentes ao FGTS. O inciso XVI, por sua vez, determina que poderá haver saque do FGTS por motivos de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural.

O “polêmico” decreto nº 8.572/2015 serve, portanto, para assegurar às vítimas de desastres decorrentes de rompimento de barragens a possibilidade de sacar o FGTS.

Esse decreto altera o decreto nº 5.113/2004 que regulamenta as hipóteses de saque de FGTS em situações de emergência ou estado de calamidade pública decorrentes de desastre natural.

Nesse decreto não consta como desastre natural o rompimento de barragens, não sendo possível o saque do FGTS pelos afetados pelo rompimento da barragem em Mariana. Assim, para viabilizar o recomeço da vida das pessoas atingidas, foi editado o decreto nº 8.036/90 que possibilita a movimentação da conta do FGTS.

Mas o rompimento de barragens vai ser considerado desastre natural mesmo que comprovada negligência?

Claro que não. O decreto serve tão somente para possibilitar às vítimas de rompimento de barragens a hipótese de saque do FGTS. Isso está expresso no próprio decreto.

Decretos servem apenas para regulamentar matérias, no caso as hipóteses de desastre natural para fins de saque do FGTS.

Não é possível que um decreto exclua a responsabilidade civil ou penal prevista em lei. Não sei de onde essa pessoa tirou isso:
Decreto Federal exclui responsabilidade das mineradores em rompimento de barragem
Frisa-se que através de um decreto não seria possível a criação de mais uma hipótese de saque do FGTS, o que deveria ser feito através de lei que possui tramitação demorada. Assim, a solução encontrada foi a modificação do decreto regulamentador da lei, incluindo o rompimento de barragens na hipótese de desastre natural.

Em verdade, o Decreto nº 8.572/15 tornou mais ágil o procedimento para saque do FGTS dos trabalhadores afetados pelo rompimento de barragens.

Cumpre salientar que, em eventual ação de reparação de danos, os trabalhadores que sacaram os valores de FGTS para refazer a vida poderão cobrar ressarcimento dos responsáveis.

https://dafani.jusbrasil.com.br/artigos/257142416/decreto-federal-excluiu-responsabilidade-das-mineradoras-em-rompimento-de-barragem?utm_campaign=newsletter-daily_20190128_8040&utm_medium=email&utm_source=newsletter