Os adolescentes infratores são
demonizados depois que atos violentos de grande repercussão acontecem,
levando diversos segmentos da sociedade a uma enxurrada de opiniões,
especialmente por punições mais severas, entre elas, a redução da
maioridade penal, maior tempo de internação, penitenciária para menores,
prisão perpétua e chegando até a pena de morte[1].
Mas, do total de crimes, qual parte pertence aos adolescentes? na
grande maioria, quais são estes atos infracionais? O que os leva a
prática destes atos infracionais? O que esta sendo aplicado a
adolescentes infratores? existe solução para esta criminalidade? O
presente trabalho se dirige para essas e outras questões, com o
propósito de indicar as bases e as linhas gerais acerca do tema, sem
pretender resolver ou esgotar a problemática implicada. Centenas de
artigos, editoriais, cartas aos jornais e entrevistas, as pessoas têm
exercido sua liberdade de pensar e querer coisas diferentes uma das
outras. Não há formulas únicas para agradar a todos. Mas agora, como
crítico humanitário, coloco algumas opiniões e verdades.
A população de adolescentes (com idade
entre 12 e 18 anos) no país representa 15% (aproximadamente 25 milhões)
do total da população nacional[2].
Do total de adolescentes no país, menos de 0,2% são responsáveis pela
prática de atos infracionais, ou seja, aproximadamente 39.578
adolescentes cumprem algum tipo de medida sócio-educativa no Brasil[3].
Em 2006, havia 15.426 internos no sistema sócio-educativo de meio fechado no país[4]. A maioria estava em regime de internação (10.446), seguidos da internação provisória (3.746) e da semiliberdade (1.234)[5].
A título de comparação, em 2006, o sistema prisional contava com 401.236 pessoas adultas – entre presos provisórios e condenados[6] -
em face de 15.426 jovens internados no meio fechado. Isto representa
que, dos crimes praticados e apurados, 96,3% são cometidos por adulto e
3,7% são cometidos por adolescentes.
Fica demonstrado que o adolescente não é o
principal agente infrator no Brasil. São os adultos, maiores de 18 anos
de idade, aqueles que praticam o maior número de crimes.
Em São Paulo, o roubo e o tráfico de
drogas são as infrações mais cometidas – 66% das internações. No Brasil,
mais de 64% dos adolescentes estão internados por crimes contra o
patrimônio e tráfico de drogas[7].
No Brasil, atualmente, cerca de 80% dos
jovens que estão em conflito com a justiça vêm de casas onde a renda
familiar não chega a 2 salários mínimos[8].
No Estado do Paraná, de acordo com o Instituto de Assistência Social do
Paraná (Iasp), a maior parte do adolescentes infratores (mais de 90%)
se encaixa nas classes de menor poder aquisitivo, tendo a dificuldade
financeira da família muitas vezes como motivo para o envolvimento com o
ato infracional[9].
O tráfico de drogas, em breves palavras,
ocorre, na maioria dos casos, quando a falta de infra-estrutura e
oportunidades, assim como os jovens não conseguem emprego na indústria
ou no comércio (hoje temos 1/5 dos jovens desempregados), recorrem ao
tráfico de drogas, que esta sempre de portas abertas para eles[10].
Isto mostra que a maioria dos atos
infracionais cometidos pelos adolescentes são atos envolvendo o
patrimônio e tráfico de drogas ilícitas. Os adolescentes infratores são
provenientes em sua maior parte das classes pobres, dos excluídos
sociais, que, sem condição mínima de sobrevivência, não restando quase
alternativa, recorrem ao ilícito, em busca de recursos para a
sobrevivência, ou seja, a prática de ato infracional é conduta normal do
adolescente, que devido a devido a condições sociais adversas, e
freqüentemente insuportáveis, se torna necessária.
Também, num país impregnado pelo capitalismo, o que mais poderia se esperar[11]!
Nada mais assertivo do que as ilustres
palavras do grande Jurista e Criminólogo, Juarez Cirino dos Santos, de
que “na sociedade capitalista a imensa maioria dos crimes é contra o
patrimônio, de que mesmo a violência pessoal está ligada à busca de
recursos materiais e o próprio crime patrimonial constituí tentativa
normal e consciente dos deserdados sociais para suprir carências
econômicas”[12].
Certa vez, ouvi um jovem dizer “boa parte
dos jovens não entra na criminalidade por opção, mas por falta de
oportunidades”. Concordo.
Mas, em face destes atos infracionais, o que esta sendo aplicado aos adolescentes infratores?
Revela a história que a preocupação
oficial sobre a questão do menor, como sujeito de um direito
diferenciado, encontra precedente histórico apenas em 1896, em Nova
Iorque, quando foi registrado o primeiro processo judicial efetivo tendo
como causa maus-tratos causados a uma menina de nove anos de idade
pelos seus próprios pais. A parte que propôs a ação foi a Sociedade para
a Proteção dos Animais, de Nova Iorque, de onde se originou a primeira
liga de proteção.
Atualmente, no Brasil, temos uma lei
especifica que protege as crianças e adolescentes, o ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente – Lei 8069/90), que é o instrumento jurídico
que visa a garantir proteção integral à criança e ao adolescente e os
deveres de e para com estes jovens, levando em conta suas
potencialidades e suas necessidades fundamentais, tanto a nível familiar
quanto na sociedade como um todo.
O estatuto faz parte de um sistema global
que é o ordenamento jurídico do país, com regras, mandamentos,
ferramentas e meios de intervenção humana em busca de fins sociais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
prevê dois grupos distintos de medidas sócio-educativas. O grupo das
medidas sócio-educativas em meio aberto, não privativas de liberdade
(Advertência, Reparação de Danos, Prestação de Serviços à Comunidade e
Liberdade Assistida) e o grupo das medidas sócio-educativas privativas
de liberdade (Semiliberdade e Internação).
As medidas privativas de liberdade são
norteadas pelos princípios de brevidade e excepcionalidade consagrados
no art. 121 do ECA. Assim o fez porque, como regra, prisão não corrige,
não educa, não melhora indivíduos. São aplicadas especialmente para os
casos de ato infracional praticado com violência à pessoa ou grave
reiteração de atos infracionais graves.
Ocorre que, em 2006, do total de jovens
envolvidos com o sistema penal no Brasil – aproximadamente 40 mil -,
havia 15.426 internos no sistema sócio-educativo de meio fechado no
país. A maioria estava em regime de internação (10.446), seguidos da
internação provisória (3.746) e da semiliberdade (1.234)[13].
Isto significa as medidas privativas de
liberdade são aplicadas em quase 50% dos casos, casos estes, em sua
maioria, que deveriam ser aplicadas medidas sócio-educativas em meio
aberto, não privativas de liberdade.
As medidas não-privativas de liberdade
são verdadeiras reações sócio-educativas contra a prática de ato
infracional, mas não são aplicadas pelo judiciário: A advertência pode ser ineficaz para problemas sociais, não obstante, advertir é sempre melhor do que punir; a reparação do dano pode ser incerta por causa da pobreza do adolescente criminalizado, mas reparar o dano é melhor do que restringir direitos; a prestação de serviços à comunidade pode
esbarrar na falta de programas ou de entidades de prestação de serviços
– não importa, a prestação de serviços deve ser aplicada e a comunidade
que crie os programas e as entidades necessárias; a liberdade assistida pode
ser prejudicada pela falta de orientadores, mas a medida deve ser
aplicada ainda que como liberdade desassistida e os adolescentes se
limitem a bater o ponto uma vez por mês nas entidades[14].
A medida de semiliberdade seria um mal
menor, ou, pelo menos, evitaria o mal maior, mas não é aplicada porque
não existem entidades suficientes e as entidades existentes não têm
vagas ou são distantes da família, do trabalho e da escola, mesmo assim,
a semiliberdade deve ser aplicada, porque é melhor do que a privação de
liberdade, e o poder público que crie as entidades e as vagas
necessárias[15].
Quanto a medida de internação, o que é
senão o instituto da prisão para os adolescentes infratores, já que
milhares de adolescentes entre 12 e 18 anos (podendo ir até 21 anos) são
encarcerados em instituições totais até 3 anos, com todas as
conseqüências da prisionalização das penitenciárias comuns.
O ECA impõe um sistema de proteção
integral à criança e ao adolescente que implica, conseqüentemente, em um
sistema integral de políticas públicas. Por esta razão, a política
repressiva, de responsabilização do adolescente infrator com as
denominadas medidas sócio-educativas, não é suficiente para redução da
criminalidade. Ela depende, portanto, de políticas públicas preventivas
de inclusão social do adolescente, não adianta se levantar depois que
aconteceu o crime, é preciso chegar antes, evitando que tenhamos
vítimas.
Quem entende que a rigidez seria a
resposta eficaz, solução mágica, remédio para todos os males, esta
esquecendo que esse problema – a criminalidade – tem raízes outras, de
caráter eminentemente social.
Não estou a defender a irresponsabilidade
pessoal ou social. A inimputabilidade – causa da exclusão da
responsabilidade penal – não retira do adolescente a responsabilidade
sobre seus atos criminosos. Não é verdadeiro o ditado popular de que “o
menor não pega nada”, pois o ECA, além das medidas sócio-educativas,
reconhece a possibilidade de privação provisória de liberdade ao
infrator, não sentenciado e oferece muitas alternativas de
responsabilização, cuja mais grave impõe o internamento sem atividades
externas.
Segundo dados da Secretaria dos Direitos
Humanos, o numero de menores infratores que cumprem pena no país saltou
de 4.245, em 1996, para 15.426, no ano passado – um aumento de mais de
364% em dez anos. Na media há nove adolescentes em regime de internação
para cada um que está em regime de semi-liberdade. O déficit de vagas
para menores infratores é de 3.396[16]. Devido a este déficit, os adolescentes infratores estão indo parar nas cadeias comuns, junto com adultos[17].
O índice de reincidência, no caso dos
adolescentes infratores, gira em torno de 20%, já que quando deixam as
instituições de internação voltam para a antiga realidade. Que muitas
vezes, além da pobreza, da falta de oportunidades e do acesso a serviços
básicos, envolve violência doméstica, alcoolismo e outros problemas
familiares. O ambiente também deve ser levado em conta. Pontos de drogas
permanecem na vizinhança, assim como as antigas amizades. Muitos
carregam dívidas do tráfico ou rixas antigas. Quando o jovem volta, não
encontra mais espaço na família, é discriminado, sofre cobranças e cai
em descrédito. Tem dificuldade de encontrar vaga na escola. Muitos tem
parentes envolvidos com a criminalidade ou mesmo no bairro. De alguma
forma, ele compactua com a violência no entorno. Muitos são acolhidos
pelo PCC, que teoricamente dá proteção, recolhimento, acolhimento,
status etc.
Isto mostra o estigma posto nesses adolescentes de “menores”, cujo objetivo é rotular para marginalizar.
Adolescentes carentes de comida, saúde e
afeto e legião de jovens lançados no mercado do desemprego (atualmente
são 4,4 milhões de jovens desempregados) são, de fato, a pólvora do
barril anti-social. É ilógico exigir um comportamento civilizado aos
órfãos da dignidade humana. Antes de o adolescente ser autor de crime,
em geral, ele foi vítima.
Está errado, não conhece a verdade real,
quem acredita que reduzir a idade penal, alterar o Estatuto da Criança e
do Adolescente, aplicar penas mais rigorosas ou estigmatizar o
“delinqüente juvenil” irá reduzir ou eliminar o crime no país. Agora,
claro, se o que se quer é vingança, se o que se deseja é o sofrimento
dosificado, aplicado em doses proporcionais à gravidade do ato
praticado, então o melhor mesmo e o sistema penitenciário, a pena de
morte, a redução da maioridade penal, a prisão perpetua etc.
Não há que mudar a lei, neste momento e
nestas matérias (redução da maioridade penal, maior tempo de internação
etc.). Há, sim, com humildade e perseverança, aprender a enxergar o que
se vê, a realidade. O combate ao crime exige realismo, investimento e
muito trabalho. Os adolescentes devem ter um direito a um tratamento
digno e a um honesto esforço de ressocialização. A recuperação, de
alguns, embora difícil, é possível. Trata-se de um objetivo que deve ser
escrupulosamente perseguido pelo Estado e por todos nós.
As pessoas tornam-se violentas quando
deixam de ter opções e, quando a sociedade deixa de ter opções para
lidar com a violência, recorre a repressão, ao controle e ao
aprisionamento. A criminalidade não é fruto do acaso. É o resultado de
uma equação complexa, mas precisa. Temos certeza que a solução seja o
ataque as causas profundas da criminalidade, tal como a exclusão social,
desemprego, família dilacerada, violência transmitida pela mídia, falta
de educação, fome, uso de drogas, criminalidade dos detentores do poder
e do capital, ou seja, a problemática deita suas raízes no social e não
no penal.
Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/neemiasprudente/2013/04/19/provocacao-ao-tema-adolescentes-infratores/