sábado, 22 de dezembro de 2018

Alimentos ressarcitórios

Atenção! Nos julgados é comum vê-los denominados de compensatórios, mas não se confundem com aqueles que visam reparar o desequilíbrio econômico ocorrido pelo fim da conjugalidade. 




Por Rolf Madaleno (Curso de direito de família, Forense, 2013, 5ª ed., p. 995/1006):

"15.26.2. Alimentos compensatórios e alimentos ressarcitórios

Fica muito evidente a distorção que parte da doutrina e jurisprudência fazem acerca da exata compreensão da finalidade dos alimentos compensatórios e sua confusão com os alimentos denominados de ressarcitórios ou indenizatórios, cuja confusão pode ser claramente percebida no voto descrito na nota de rodapé 398, oriunda de agravo de instrumento que extinguiu a ação de alimentos compensatórios porque a agravante buscava compensar, passados dois anos do seu divórcio, as perdas econômico-financeiras experimentadas pelo fato de o esposo continuar isoladamente na administração dos bens comuns, auferindo seus frutos sem nada repassar para a ex-mulher.

Idêntica determinação judicial sucedeu perante a 1ª Vara da Família da Comarca de São José, em Santa Catarina, em sede de divórcio litigioso, no qual a Juíza de Direito Adriana Mendes Bertoncini condenou o marido a pagar para a ex-mulher o valor de R$ 6.000,00 a título de compensação pelos lucros gerados pela empresa, cujo valor deve ser depositado até o dia 10 de cada mês. Não foi distinta a decisão tomada pela 8ª Câmara Cível do TJRS na Apelação Cível n. 70026541623, em julgamento datado de 04 de julho de 2009, da lavra do Desembargador Rui Portanova, ao fixar alimentos compensatórios decorrentes da administração exclusiva por um dos cônjuges das empresas do casal, podendo ser compensados os alimentos por ocasião da partilha.

Certamente dessa característica de serem futuramente compensados os alimentos antecipados enquanto não liquidado judicialmente o regime de comunicação de bens, é que surge a involuntária confusão entre o instituto dos alimentos compensatórios de inspiração alienígena e os alimentos ressarcitórios, devidos em razão da administração unilateral dos bens conjugais comuns. Esta reiterada mistura de conceitos pode ser novamente percebida em aresto proveniente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, quando se manifesta contrário ao provimento dos alimentos compensatórios, não só diante da falta de previsão legal, muito menos de lei que imponha manter o cônjuge no mesmo padrão de vida proporcionado pelo casamento, mesmo porque os alimentos têm trânsito temporário para que o alimentando busque sua inserção no mercado de trabalho, e de que não se trata outrossim de indenização objetiva, pelo fato de que falta a presença de um ato ilícito, imputável por culpa ou risco a outrem, e do qual advenha dano a bem jurídico.

Estes alimentos igualmente nominados pela jurisprudência pátria de compensatórios buscam em verdade compensar a administração exclusiva dos bens comuns realizada somente por um dos cônjuges ou conviventes, privando seu meeiro do acesso e fruição dos rendimentos gerados pelo patrimônio comum, contudo se trata de alimentos que melhor deveriam ser denominados de ressarcitórios, cuja expressão é utilizada pelo STJ, mas que só tem cabimento quando efetivamente os bens comuns geram rendimentos para serem compensados quando posteriormente for processada e liquidada a partilha dos bens comuns administrados apenas por um dos cônjuges ou conviventes. Compensação alimentar que é reiteradamente aplicada pela jurisprudência pátria, como disto também é exemplo o Agravo de Instrumento n° 70034501189, datado de 29 de abril de 2010, e relatado pelo Desembargador Alzir Felippe Schmitz, da Oitava Câmara Cível do TJRS e com a seguinte ementa:

‘Agravo de Instrumento. Ação de separação judicial e partilha. Alimentos compensatórios. Obrigação em valor fixado pelo juízo a quo para remunerar a separanda em decorrência da administração exercida pelo varão. Correta a decisão que estabeleceu uma espécie de indenização provisória pela exploração do patrimônio comum enquanto não ultimada a partilha de bens, conforme precedentes da Corte. Negaram provimento ao recurso.’

Neste agravo, o relator chamava a atenção para o fato de que a mulher havia sido afastada completamente de qualquer renda sobre o patrimônio comum, como alertava que condicionar os alimentos ao final da partilha não estimularia a finalização da partilha, devendo se ter presente que a expressão ‘compensação’ é justamente pelo fato de que os alimentos antecipados no transcurso da partilha serão descontados da meação do alimentando, ou seja, devidamente compensados, sob o risco de caracterizar um enriquecimento indevido, e, aí sim, desestimular a finalização da partilha, tal qual igualmente foi decidido no Agravo de Instrumento n° 70030483333, também da Oitava Câmara Cível, em acórdão igualmente da lavra do Desembargador Alzir Felippe Schmitz, datado o aresto de 05 de junho de 2009, onde no corpo da decisão consta a seguinte e significativa passagem: ‘Na mesma senda, friso que os recursos financeiros porventura levantados pela agravante devem ser compensados da partilha, e não dos alimentos’.

Procedida a partilha, são em realidade reembolsados os valores antecipados em forma de indenização pela administração exclusiva dos bens comuns e realmente geradores de renda, pois nada há para reembolsar quando o acervo comum não gera frutos, mas apenas despesas para a sua conservação, não se confundindo, portanto, com os alimentos compensatórios, usualmente destinados àquele coletivo de mulheres que por decorrência de etapas passadas da vida seguiram os ditames de imposição de uma vida doméstica e sacrificadas por não terem tido acesso ao mesmo conjunto de oportunidades de desempenharem um papel de manutenção das estruturas familiares, agravada sua condição financeira pela eleição geralmente imposta de um regime convencional de separação de bens."

Saiba mais sobre os alimentos compensatórios


Por Maria Berenice Dias (Manual de direito das famílias, RT, 2013, 9ª ed., p. 572/576)
“28.19 Compensatórios
O tema é novo, não previsto de modo expresso na lei, mas, por insistência da doutrina, a justiça começou a reconhecer o direito a alimentos compensatórios. Para evitar confusões, talvez o melhor fosse falar em verba ressarcitória ou alimentos indenizatórios. De qualquer forma, não se confundem com os alimentos decorrentes das relações familiares (CC 1.694). Sua origem está no dever de mútua assistência (CC 1.566 III) e na condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família que os cônjuges adquirem com o casamento (CC 1.565). Este vínculo de solidariedade existe não só entre os cônjuges, mas também entre os companheiros (CC 265). Produzindo o fim da vida em comum desequilíbrio econômico entre o casal, em comparação com o padrão de vida de que desfrutava a família, cabível a fixação de alimentos compensatórios. O cônjuge ou companheiro mais afortunado deve garantir ao ex-consorte reequilibrar-se economicamente.
Faz jus a tal verba quem não perceber bens, quer por tal ser acordado entre as partes, quer em face do regime de bens adotado no casamento,que não permite comunicação dos aquestos. O pagamento pode ser feito em único pagamento ou de forma periódica. Nem assim podem ser considerados alimentos.
Os alimentos compensatórios não se confundem com os alimentos provisórios da Lei de Alimentos (LA 4.º parágrafo único), quando o juiz determina que seja entregue ao credor renda líquida dos bens comuns, administrados pelo devedor. A condição de que estejam as partes casadas pelo regime da comunhão universal de bens não persiste. Não há justificativa para deixar o juiz de determinar a entrega dos rendimentos com referência aos bens que, independentemente do regime de bens, pertencem ao casal. Assim, permanecendo na administração exclusiva de um os bens que produzem rendimentos, o outro faz jus à metade dos seus rendimentos a título de meação dos frutos do patrimônio comum, até a ultimação da partilha. Tal estratégia acaba, ao menos, servindo de instrumento de pressão para a divisão do patrimônio que, de modo geral, permanece nas mãos do varão, que o administra sozinho, ficando, na maior parte das vezes, com a totalidade dos rendimentos. 
Ainda que ambos disponham de nítido caráter reparatório e indenizatório, tal fato, por si só, não autoriza confundi-los. Apesar da distinção, a jurisprudência muito frequentemente se equivoca. Nomina de compensatórios os alimentos chamados provisórios (LA 4° parágrafo único) e que nada mais são do que a divisão dos frutos e rendimentos dos bens do casal, a título de ressarcimento pela não imissão imediata dos bens da meação a que faz jus.
 A distinção se faz necessária principalmente em sede de execução. A tendência é reconhecer que os alimentos compensatórios não autorizam execução pelo rito da prisão civil. A posição não é pacífica no âmbito do STJ, prevalecendo o entendimento de que o encargo de dividir os frutos não justifica a ameaça de aprisionamento. Muito mais razoáveis os argumentos do voto vencido da Min. Nancy Andrighi: Desprover essa verba do caráter alimentar que lhe é inerente teria o condão de conferir insustentável benefício ao cônjuge que se encontra na posse e administração dos bens comuns e que possa estar, de alguma forma, protelando a partilha deste patrimônio. […] Não é viável, portanto, esvaziar a possibilidade de execução alimentar mediante prisão civil de sua forte carga de constrangimento pessoal e reprovabilidade social, para deixar ao desalento o inarredável preceito ético de solidariedade familiar.
Os alimentos compensatórios são uma indenização pela perda da chanceexperimentada por um dos cônjuges durante o casamento. Assim, cabe ser ressarcido o desequilíbrio econômico ocasionado pela ruptura da vida, atentando-se ao princípio da equidade que serve de base ao dever de solidariedade. Como não dispõe de conteúdo alimentar, sua fixação não se submete às vicissitudes do trinômio proporcionalidade-possibilidade-necessidade. Dessa forma, mesmo que o beneficiário venha a obter meios de prover à sua própria subsistência, tal não dispensa o devedor de continuar alcançando-lhe o valor estipulado. A possibilidade revisional só cabe quando alteradas as condições econômicas do alimentante, em face da teoria da imprevisão, cuja cláusula rebus sic stantibus sempre está presente em se tratando de obrigações que se prolongam no tempo.
Outro ponto que não encontra uma resposta única em sede jurisprudencial diz com a compensação dos valores recebidos quando da efetivação da partilha. A tendência é admitir a compensação, quando se trata dos frutos dos bens comuns.
A obrigação alimentar persiste enquanto houver necessidade do credor e possibilidade do devedor. No entanto, ao menos com referência aos alimentos devidos a ex-cônjuge ou ex-companheiro, passou a jurisprudência a fixar, de forma absolutamente aleatória, alimentos por prazo determinado. A justificativa é que, tendo o alimentando potencialidade para ingressar no mercado de trabalho, não precisa mais do que um tempo para começar a prover ao próprio sustento. Dita sustentação não dispõe de respaldo legal. O parâmetro para a fixação dos alimentos é a necessidade, e não há como prever, a não ser por mero exercício de futurologia, que alguém a partir de determinada data, vai conseguir se manter.
Não se pode olvidar a dificuldade de acesso ao competitivo mercado de trabalho, principalmente a quem permaneceu dele afastado por alguns anos. Essa ainda é a realidade: as mulheres, com o casamento ou ao estabelecerem união estável, geralmente por exigência do varão, dedicam-se exclusivamente às tarefas domésticas e à criação dos filhos. Não há como fixar um prazo para que consigam sobreviver por conta própria. Às vezes, a fixação do termo final é condicionada à conquista de trabalho.
Ainda assim, para o devedor livrar-se do encargo, precisa buscar a via exoneratória, não havendo como deixar a seu bel-prazer estabelecer o fim da obrigação. O STJ criou perigoso antecedente ao extinguir o encargo alimentar pelo só fato de perdurar por significativo lapso de tempo, sem fazer qualquer questionamento sobre a persistência da necessidade do credor.
 Ainda que estabelecido a favor do ex-cônjuge encargo alimentar por prazo determinado, para inserir-se no mercado de trabalho, caso tal não ocorra, possível é prorrogar a obrigação por prazo indeterminado, principalmente se, em face da idade, ele não consegue meios para prover sua subsistência”.

Afeto como valor jurídico


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