terça-feira, 24 de abril de 2018

Guarda compartilhada: o filho não é de um nem de outro, é de ambos

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Guarda de filho é uma expressão que tende a acabar. É que ela traz consigo um significante que está mais para objeto do que para sujeito. Mais para posse e propriedade do que cuidado com os filhos. Assim como a expressão “visitas” foi substituída por “convivência” pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90), o Estatuto das Famílias (PLs 470/13), elaborado pelo IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família), após sua aprovação, substituirá todo o livro de família do Código Civil brasileiro, já não usa a expressão guarda, mas apenas convivência.
Às vezes, é difícil absorver essas novas expressões. Por exemplo, o CPC/2015, apesar de muitos avanços, continuou usando, inadequadamente, a expressão visita. Embora seja um simples vocábulo, ele traz consigo a força e o poder do significante, que é preciso mudar, tirar esse sentido de frieza que a palavra traduz. As palavras têm força e poder e veiculam, além de um significado, também um significante, que é a representação psíquica do som, tal como nossos sentidos o percebem (Cf. meu Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado - Ed. Saraiva – verbete significante).
Enquanto a expressão guarda ainda vigora, precisamos fazer alguns ajustes em sua concepção, que ainda traz consigo o ranço do patriarcalismo e a tradução de uma antiga, e hoje inadequada, forma de criar filhos de pais separados. Já melhoramos. Após uma luta histórica dos pais que tinham o seu convívio barrado pelas ex-mulheres, foi aprovada a Lei 11.698/08, introduzindo a guarda compartilhada no Brasil. Mas só quando fosse possível. E nunca era possível, tinha-se sempre uma desculpa e uma interpretação de que não era bom para os filhos. Foi necessário que viesse a Lei 15.058/2014, estabelecendo a obrigatoriedade do compartilhamento da guarda. Houve resistências, e o principal argumento é o de que isso só seria possível se os pais estivessem de acordo. A lei é exatamente para pais que não se entendem, pois quando eles se entendem não há necessidade de lei, ou seja, eles resolvem independentemente da lei.
Grande parte das sentenças judiciais, apesar da lei, ainda é pela guarda unilateral. Exatamente por isso o Conselho Nacional de Justiça expediu a Recomendação 25/2016 dizendo o óbvio: juízes, cumpram a lei da guarda compartilhada.
A joint custody surgiu na Inglaterra no início dos anos 1970. Em 1976, foi adotada pelo ordenamento jurídico francês, depois nos EUA e Canadá, e assim foi se espalhando pelo mundo, até chegar ao Brasil. Uma das formas de se quebrar a resistência, e aceitarem a obrigatoriedade do compartilhamento da guarda, foi estabelecer a residência fixa na casa de um dos pais, o que significa na casa da mãe na quase totalidade dos casos.
Ainda estamos vivenciando um processo histórico e implementação da cultura da guarda compartilhada, e sua evolução depende da quebra de paradigmas da estrutura patriarcal. Ou seja, da forma como concebida, é um modelo velho, antiquado e não atende aos interesses das crianças, mas dos adultos. Por exemplo, em todas as negociações sobre o convívio dos filhos de pais separados, a mãe sempre diz: eu “deixo”, eu “permito” que você veja o filho... É o mesmo discurso machista do homem quando diz que “ajuda” nas tarefas do lar, subtendendo que esse é um trabalho da mulher, e não uma participação em condições de igualdade. A premissa está errada. O homem deve é compartilhar as tarefas domésticas, pois não se trata de ajuda. Assim como a mãe não tem que “deixar” o pai ver o filho, pois os direitos são iguais.
É esse discurso patriarcal que precisa mudar para que o cotidiano da criação e educação dos filhos seja realmente compartilhado. Os filhos não podem ser vistos como propriedade de um ou de outro pai. Daí a proposição do IBDFam da extinção da palavra guarda, retirando assim o significante de posse e propriedade de filhos. Enquanto essa mudança se opera, a guarda compartilhada cumpre a importante função de quebrar essa estrutura de poder: o filho não é de um nem de outro. É de ambos.
O próximo passo evolutivo em direção à proteção das crianças e adolescentes é entender que, na maioria dos casos, os filhos podem ter duas casas. Crianças são adaptáveis e maleáveis e se ajustam a novos horários, desde que não sejam disputadas continuamente e privada de seus pais. O discurso de que as crianças/adolescentes ficam sem referência, se tiverem duas casas, precisa ser revisto, assim como as mães deveriam deixar de se expressarem que “deixam” o pai ver e conviver com o filho. Ao contrário do discurso psicologizante estabelecido no meio jurídico, e que reforça a supremacia materna, o fato de a criança ter dois lares pode ajudá-la a entender que a separação dos pais não tem nada a ver com ela. As crianças são perfeitamente adaptáveis a essa situação, a uma nova rotina de duas casas, e sabem perceber as diferenças de comportamento de cada um dos pais, e isso afasta o medo de exclusão que poderia sentir por um deles. Se se pensar, verdadeiramente, em uma boa criação e educação, os pais compartilharão o cotidiano dos filhos e os farão perceber e sentir que dois lares são melhor do que um.
As dificuldades e resistências com essa modalidade de guarda advém, geralmente, de uma relação mal resolvida entre o ex-casal e do medo de “perder” o filho para o outro pai/mãe. Muitas mulheres têm medo de que o compartilhamento interfira na pensão alimentícia, o que não é verdade. Ou seja, guarda de filhos é uma questão, também, de poder.
Assim, como o patriarcalismo se estruturou na suposta superioridade masculina para engendrar as estruturas de poder, a guarda de filhos está calcada na suposta superioridade da mulher para criar filhos, advinda do mito do amor materno. O movimento feminista já quebrou a suposta superioridade masculina, a mulher teve acesso ao mercado de trabalho (embora ainda com certas desvantagens), e já se sabe que homens e mulheres têm a mesma capacidade para criar e educar filhos.
A historiadora francesa Elizabeth Badinter, em seu conhecido livro O mito do amor materno, demonstrou que não existe esse amor materno natural. Ele é da ordem da cultura, e, sendo assim, homens e mulheres têm a mesma capacidade para criar e educar filhos. É essa cultura que está mudando e que nos remete a uma nova concepção sobre educação de filhos, e que o ordenamento jurídico precisa alcançar. Entender isso significa tirar os filhos de lugar de objeto, de moeda de troca do fim da conjugalidade, e transformá-los em sujeito de direitos. Somente assim o princípio constitucional do melhor interesse da criança estará sendo levado a sério e instalando uma nova cultura parental em benefício dos filhos.
Guarda compartilhada deveria ser tratada até mesmo como questão de saúde pública, pois o que está em jogo nesta quebra de braço é a saúde mental e formação psíquica dos filhos. Quando atingirmos um melhor grau de evolução, constataremos, ao contrário do que muitas mulheres ainda acham e têm medo da guarda compartilhada, é que ela interessa principalmente às mulheres. Afinal, elas terão mais tempo livre para desenvolver outras atividades além da maternidade. E os filhos crescerão mais saudáveis, pois poderão descolar um pouco da mãe, que, de tão boa que sempre é, pode ser até perigosa.
Rodrigo da Cunha Pereira é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), mestre (UFMG) e doutor (UFPR) em Direito Civil e autor de livros sobre Direito de Família e Psicanálise.
Revista Consultor Jurídico, 22 de abril de 2018, 8h00
https://www.conjur.com.br/2018-abr-22/processo-familiar-guarda-compartilhada-filho-nao-ou-outro-ambos
Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/menino-pais-andar-linha-f%C3%A9rrea-477010/

Abandono afetivo pode gerar dano moral indenizável, diz TJ-PB

O abandono afetivo decorrente da omissão do pai ou da mãe no dever de cuidar dos filhos constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral. O entendimento é da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba.
No entanto, o órgão negou o pedido feito por um filho por considerar que a ação foi alcançada pela prescrição trienal, cujo prazo foi iniciado a partir da maioridade.
De acordo com o relatório, o autor afirmou que, apesar de o reconhecimento parental ter ocorrido apenas na via judicial, sempre soube que a parte apelada era seu pai e que o mesmo nunca colaborou com sua formação humana, seja de forma material ou afetiva. Acrescentou, ainda, que a situação social desfavorável lhe causou dor e sofrimento, visto que os filhos reconhecidos sempre tiveram vida privilegiada, ao contrário do apelante, que teria sido discriminado.
Já o pai alegou, nas contrarrazões, a preliminar de prescrição, sob o argumento de que o rapaz teria completado 18 anos em 2010 e a prescrição ocorreria três anos depois, nos moldes do artigo 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil. A ação só foi ajuizada em 2014.
Ao julgar o caso, o relator desembargador Leandro dos Santos afirmou que a ausência de reconhecimento voluntário da paternidade pelo suposto pai, a depender do caso concreto, pode significar um dos elementos caracterizadores do abandono afetivo. 
Disse, ainda, que a declaração da paternidade por sentença não é óbice para o pleito indenizatório nem deve ser considerada termo inicial do prazo prescricional. Nesse caso, a prescrição deve iniciar com a maioridade do filho, o que aconteceu em 2010. Como a ação foi protocolada somente em 2014, o relator considerou a ação prescrita. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-PB.
Revista Consultor Jurídico, 23 de abril de 2018, 10h52
https://www.conjur.com.br/2018-abr-23/abandono-afetivo-gerar-dano-moral-indenizavel-tj-pb
Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/arquitetura-grafite-abandonados-3291806/