quarta-feira, 11 de março de 2020

Reflexões técnicas sobre as notícias acerca da invalidade do testamento de Chico Anysio

por Felipe Quintella


Em tempos em que o planejamento patrimonial se considera fundamental, sobretudo o planejamento sucessório, são bastante preocupantes as notícias circuladas no dia 10 de março acerca da invalidade do testamento de Chico Anysio. Vejamos os problemas mais graves.

As notícias acerca da invalidade do testamento de Chico Anysio

 Primeiramente, conforme as notícias, o testamento teria sido considerado inválido pelo Juízo da 2ª Vara da Família da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, pelo fato de Chico Anysio não ter nele contemplado seu filho Luis Guilherme de Souza Paula — Lug de Paula. Em várias das publicações encontra-se o seguinte trecho: “[s]egundo a lei brasileira, uma pessoa não pode deserdar seu filho e nem retirar sua mulher da divisão de bens do patrimônio”.[1]
Que fique bem claro: o fato de herdeiros necessários, como os descendentes e o cônjuge, não serem contemplados nas disposições testamentárias, não enseja a invalidade do testamento. Nem implica deserdação. E, mesmo que implicasse, não haveria impacto na validade do testamento. Explicarei tudo mais adiante.
Outra afirmação bastante preocupante encontrada em várias das notícias é a de que “[c]aso Chico Anysio não quisesse que seu filho tivesse direito à sua herança, ele deveria ter feito a divisão de bens em vida, o que é bem raro de acontecer”.[2]
Há, também aqui, uma grave incorreção. Os filhos, herdeiros necessários, somente não herdarão dos pais que falecerem antes deles em três hipóteses: (1) se forem excluídos por indignidade, em ação ajuizada após a morte do autor da herança — o pai ou a mãe, no caso; (2) se forem deserdados em testamento, e a deserdação for judicialmente considerada eficaz; (3) se renunciarem à herança.
Muito ao contrário do que se afirma, a chamada partilha em vida não altera os direitos hereditários dos filhos. Se o que a afirmativa sugere for feito, tudo será revisto no inventário, por ocasião da denominada colação. Também explicarei esse ponto.
Passemos, então, às considerações técnicas, uma por uma.

1 – Da Nulidade ou Anulabilidade dos Testamentos

Passando às explicações, convém, inicialmente, destacar que, no Direito brasileiro, a invalidade dos negócios jurídicos engloba a nulidade, que decorre de defeitos graves, insanáveis, e a anulabilidade, que decorre de defeitos leves, passíveis de convalidação. Assim, há fatos que ensejam a nulidade do negócio, e outros, diferentes, que ensejam a sua anulabilidade.
Em casos de nulidade, o que se busca judicialmente é a declaração da nulidade. Em casos de anulabilidade, o que se pleiteia é a anulação do negócio.
Em várias das notícias, no entanto, tanto se afirma que o testamento “foi declarado nulo”, quanto que o testamento “foi anulado”.[3] Na verdade, tendo sido considerado inválido, ou o testamento foi declarado nulo, por se ter reconhecido a ocorrência de hipótese de nulidade, ou o testamento foi anulado, por se ter reconhecido a ocorrência de hipótese de anulabilidade.
Somente com acesso à decisão da Justiça do Rio de Janeiro é que se pode verificar o que, de fato, o juízo decidiu.
No nosso Curso de Direito Civil, eu e o Prof. Elpídio Donizetti explicamos mais detidamente o assunto da invalidade dos testamentos.

 2 – Da Invalidade ou Ineficácia dos Testamentos

Ademais, é muito importante destacar que, embora haja uma lista enorme de causas que ensejam a nulidade dos testamentos — a maior parte, solenidades exigidas para o ato, cuja preterição acarreta nulidade, conforme o art. 166, V do Código Civil de 2002 —, e outra, bem menor, de causas que ensejam a anulabilidade, problemas como os de excesso nas disposições testamentárias, ultrapassando-se a parte disponível, havendo herdeiros necessários, e de deserdação sem indicação de causa legal, ou sem prova da causa, não interferem no plano da validade do testamento, mas no plano da eficácia. A lógica das normas é justamente preservar a vontade do testador tanto quanto possível, em casos em que o problema no testamento não põe em dúvida a sua veracidade.

3 – Do Excesso e da Redução das Disposições Testamentárias

Conforme a regra clara do art. 1.967 do Código Civil, as disposições testamentárias que excederem a parte disponível serão reduzidas aos limites dela. Nitidamente se vê que a opção legislativa foi por resolver o problema do excesso nas disposições testamentárias interferindo na eficácia do testamento, sem afetar a sua validade.
Em outras palavras, se a pessoa que tem herdeiros necessários — descendentes, ascendentes e cônjuge, segundo o art. 1.845 do Código de 2002 —[4] dispuser de mais de metade da herança em testamento — excedendo, portanto, a parte disponível, que é de 50% (art. 1.789) —, o testamento somente produzirá efeitos quanto à metade disponível, sem prejuízo da metade dos herdeiros necessários, denominada legítima (art. 1.846).
Os arts. 1.967 e 1.968 do Código estabelecem as regras sobre como fazer a redução do excesso, as quais explicamos no nosso Curso de Direito Civil.

4 – Da Deserdação

Admite o Código Civil brasileiro que o testador ofendido por um herdeiro necessário o deserde em testamento, desde que configurada alguma das hipóteses de que tratam os arts. 1.814 (por remissão do art. 1.961), 1.962 e 1.963 do Código.
Para que a deserdação seja eficaz, exige-se que o testador indique expressamente qual foi a causa da deserdação (art. 1.964), e que se prove tal causa em juízo (art. 1.965).
Não havendo indicação da causa, ou não se produzindo prova de sua ocorrência, a deserdação será ineficazsem prejuízo da validade do testamento.
No nosso Curso de Direito Civil encontram-se explicações sobre as causas e sobre o procedimento da deserdação.

5 – Da Antecipação de Herança e da Colação

Por fim, o Código Civil brasileiro considera adiantamento de herança a doação feita de ascendente a descendente (art. 544). Por esse motivo, exige o Código que, por ocasião da morte do ascendente doador, os descendentes donatários confiram, no inventário, as doações que receberam (art. 2.002) — procedimento denominado colação.
Pode o doador, dependendo do caso, estabelecer que a doação não será reputada antecipação de herança, dispensando-a da colação (arts. 2.005 e 2.006). No entanto, tal prerrogativa não se destina a excluir herdeiro da sucessão, e nem produz esse efeito.
Após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, tornou-se complexa e controvertida a disciplina legal da colação.
Também examinamos o assunto, com o devido cuidado, no nosso Curso de Direito Civil. Ademais, publiquei outros trabalhos — em texto e vídeo — sobre o assunto.

6 – Conclusão

Acerca do testamento de Chico Anysio, especificamente, qualquer conclusão depende do acesso ao inteiro teor da decisão da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferida, ainda, conforme as notícias, em 1ª instância, e passível de recurso.
Sobre o planejamento patrimonial e, especificamente, sobre o planejamento sucessório, tanto o caso quanto as notícias divulgadas sobre ele provam a necessidade premente de preocupação com os assuntos envolvidos.
Como costumo dizer, o maior desafio do planejamento sucessório, particularmente, reside no fato de que o resultado final só se verifica após a morte, quando, então, não haverá mais a chance de corrigir o que tiver sido eventualmente considerado defeituoso pela Justiça.

Adoção avoenga: STJ: 4ª turma autoriza adoção de neto por avós em atenção ao melhor interesse da criança

Decisão alinha-se à jurisprudência da 3ª turma.
terça-feira, 10 de março de 2020

A proibição do ECA de adoção de netos por avós (a chamada adoção avoenga) pode ser mitigada em casos excepcionais, visando o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. A decisão é da 4ª turma do STJ, ao negar recurso do MP/SC nesta terça-feira, 10.
O juízo de 1º grau julgou procedente a pretensão de adoção deduzida pela avó paterna e seu companheiro ("avô por afinidade"), decisão que foi mantida pelo TJ/SC. No caso, os pais da criança foram devidamente citados e ouvidos em audiência, e declararam concordar com a adoção.
O parquet estadual recorreu alegando a impossibilidade jurídica da adoção avoenga, pois vedada expressamente pela lei - o § 1º do artigo 42 do ECA estabeleceu, como regra, a impossibilidade da adoção dos netos pelos avós.
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Contudo, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, rejeitou a tese recursal do parquet e proferiu entendimento que se alinha à jurisprudência da 3ª turma: Constata-se a existência de precedentes da Terceira Turma que mitigam sua incidência em hipóteses excepcionais envolvendo crianças e adolescentes, e desde que verificado, concretamente, que o deferimento da adoção consubstancia a medida que mais atende ao princípio do melhor interesse do menor, sobressaindo reais vantagens para o adotando.”
Após citar precedentes, Salomão aponta que a unanimidade dos integrantes da 3ª turma não controverte sobre a possibilidade de mitigação da norma geral impeditiva do dispositivo do ECA, autorizando a adoção pelos avós em situações excepcionais.
Essas situações são: (i) o pretenso adotando seja menor de idade; (ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; (iii) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; (iv) o adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; (v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; (vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e (viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando.
Para o relator Salomão, o entendimento deve ser adotado também pela 4ª turma, "por se mostrar consentânea com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, fim social objetivado pela Constituição da República de 1988 e pela Lei 8.069/90, conferindo-se, assim, a devida e integral proteção aos direitos e interesses das pessoas em desenvolvimento, cuja vulnerabilidade e fragilidade justificam o tratamento".
A decisão do colegiado foi unânime com o voto do relator.

Motorista embriagado e dona de veículo indenizarão famílias de vítimas de acidente em R$ 300 mil

Na ocasião do acidente, o motorista estava embriagado, com o direito de dirigir suspenso e fugiu do local sem prestar socorro às vítimas.
quarta-feira, 11 de março de 2020

A 33ª câmara de Direito Privado do TJ/SP manteve sentença que condenou motorista e dona do veículo a indenizarem, por danos morais e materiais, a família de dois jovens que morreram após atropelamento. Na ocasião do acidente, o motorista estava embriagado e com o direito de dirigir suspenso.
Consta na inicial que, em 2017, o jovem retornava para casa de bicicleta acompanhado de um amigo quando foram atropelados pelo veículo dirigido pelo réu e segurado pela mãe, corré no processo. Os dois jovens morreram após serem atropelados, fato que fez com que a família acionassem a Justiça; com base em informações do inquérito policial instaurado para investigar o fato, os autores afirmaram que o réu, no momento do atropelamento, estava embriagado, conduzindo o veículo em alta velocidade e que, ao perceber o ocorrido, fugiu do local.
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O juízo de 1º grau analisou o boletim de ocorrência e concluiu que o condutor do veículo estava totalmente impossibilitado de conduzir o carro devido à embriaguez e o direito de dirigir suspenso. Para a magistrada, não restaram dúvidas sobre a responsabilidade do réu no atropelamento e “além de tudo, tentou evadir-se do local, não se importando com a gravidade dos ferimentos das vítimas”. Assim, em 1ª instância, os réus foram condenados por danos materiais no valor de R$ 2.441,87 e por danos morais fixados em R$ 300 mil.
Os réus apelaram pedindo a anulação da sentença; a mãe do réu, que foi condenada solidariamente por ser dona do veículo, alegou que não tinha controle sobre os atos do causador do acidente e que, por isso, não poderia ser condenada.
Ao analisar o recurso, o desembargador Sá Moreira De Oliveira, relator, considerou depoimentos de testemunham que atestaram a culpa do réu no acidente, laudos e perícias policiais no mesmo sentido para concluir que o quadro probatório demostra a culpa do réu, assim como o nexo de causalidade.
“Diante de tais circunstâncias, reputo razoável a indenização fixada, suficiente para indenizar os apelados pelos constrangimentos sofridos e desestimular os apelantes a praticarem conduta semelhante.”
Com este entendimento, a 33ª câmara de Direito Privado do TJ/SP decidiu negar provimento ao recurso dos réus e manter a sentença.
Os autores da ação contra o motorista foram representados pelo advogado Rafael Saraiva Gaia.
  • Processo: 1006541-02.2018.8.26.0002
Veja a decisão.

STF vai analisar marco inicial de licença-maternidade em caso de prematuros

Partido Solidariedade pede que a licença se inicie com a alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido.
terça-feira, 10 de março de 2020

O partido Solidariedade ajuizou ADIn 6.327, com pedido liminar, para que o STF reconheça como marco inicial da licença-maternidade a alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último. O objetivo é que a interpretação dada às leis que tratam do benefício seja adequada e de acordo com a CF nos casos de bebês prematuros. A ação está sob relatoria do ministro Edson Fachin.
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CLT dispõe que o início do afastamento da gestante pode ocorrer entre o 28º dia antes do parto e a data do nascimento do bebê. Já a lei 8.213/91 trata do dever da Previdência Social de pagar o salário-maternidade com base nos mesmos termos. Para a legenda, a literalidade da legislação presta um desserviço à Constituição e deve ser interpretada de forma mais harmoniosa com o objetivo constitucional, que é a proteção à maternidade, à infância e ao convívio familiar.
Na ação, o Solidariedade apresenta informações de que, no Brasil, nascem em média 279 mil bebês prematuros por ano, e os altos índices de complicações maternas gestacionais e pós-parto fazem com que as internações subsequentes da mãe ou da criança durem meses.
“Em tais circunstâncias, considerando que o período de licença se inicia antes da data do parto — ou, quando muito, a partir dele —, resta evidente o prejuízo para o desenvolvimento do convívio afetivo entre mãe e criança para além do contexto hospitalar.”
O partido ainda complementa:
"Considerando a necessidade de tratamento isonômico e por imperativo humanitário, é forçoso reconhecer que é direito da genitora e do bebê que possam eles, juntos, se adaptar e desenvolver plenamente sua relação de mãe e filho no contexto social e familiar em que efetivamente se constituirá a trajetória da criança, sem a mediação da intervenção médica."
Informações: STF

TJ-MG absolve mulher que assinou união estável com avô de criação

Lavrar escritura pública de união estável com pessoa que não tinha total certeza do que estava assinando, mas que é plenamente sã, não configura crime. 
Mulher que casou com avô postiça não cometeu crime, entendeu TJ-MG (imagem ilustrativa)
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Com esse argumento, a 8ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais absolveu uma mulher que assinou união estável com seu avô de criação. A ré era acusada de induzir o idoso com o objetivo de administrar os seus bens.
Segundo o desembargador Dirceu Walace Baroni, relator do caso, “não restou configurado tipo penal, uma vez que não há elementos nos autos que comprovem que a vítima não estivesse em pleno gozo de suas faculdades mentais”. 
Segundo os autos, o idoso fora casado com a avó dá ré, já falecida. Como o senhor sempre teve uma boa relação com a neta postiça, queria que, quando falecesse, ela "herdasse" sua aposentadoria. Assim, aceitou a sugestão de um amigo para que fosse feita uma declaração nesse sentido. 
O amigo chamou o idoso e a ré para que fossem ao cartório, onde foi lavrada a escritura. A mulher, no entanto, apenas assinou o documento sem ler. Após ficar sabendo que eles tinham se casado, o filho do idoso providenciou o cancelamento do documento, com a autorização da ré. 
“Vale registrar que a vítima não foi ouvida em momento algum nos autos, porém, pelo estudo social realizado em sua residência, depreende-se que ela ainda naquela oportunidade estava ciente dos seus atos”, diz a decisão. 
Por fim, a corte entendeu que, por meio de visita domiciliar, foi constatado que o idoso é uma pessoa comunicativa que aparante estar saudável, sabendo informar tudo o que lhe acontece. 
0031593-46.2016.8.13.0035
Revista Consultor Jurídico, 10 de março de 2020, 7h43