O autor alega que em
11.04.1985 casou-se com a ré e em 06.04.1988, na constância do casamento,
nasceu AAA, registrado como filho do casal. Em 08.12.1989, o casal separou-se
consensualmente, firmando acordo que previa a guarda materna do filho, a
fixação de alimentos à criança e à mulher. O pai foi residir na Áustria, país para
o qual foi transferido por seu empregador, enquanto mãe e filho passaram a
viver em São Paulo.
O autor não poupou esforços para, sempre que possível e com bastante frequência,
vir da Europa ao Brasil avistar-se com (…), ou, ainda, quando não podia,
providenciar para que a criança, cercada de cuidados, viajasse à Europa para
encontrá-lo. Nas estadas do filho em Viena, (…),buscava entrosá-lo com
os avós paternos, que ali residem, o que em muito reforçou o afeto filiar e avoengo.
O pequeno (…),
por sua vez, sempre retribuiu os sentimentos de (…): para o menino este era o
homem que, mercê de sua afeição, respeito, presença constante e equilíbrio
emocional, lhe proporcionava amor e segurança”.
Em 1994, o autor foi
comunicado que não era pai biológico da criança, fruto de relação adulterina de
sua ex-mulher com o segundo réu, conforme demonstrado em exame pericial
hematológico (DNA) juntado em ação que teve curso na 1.ª Vara da Família e das
Sucessões do foro regional de Pinheiros (Processo n. 568/95).
- Ressarcimento dos
danos materiais correspondentes aos pagamentos feitos por erro ao então
filho e à ex-mulher (despesas de viagens; gastos com moradia; caução de
contrato locatício e aquisição de dois automóveis).
- Danos
morais sob a alegação de ter
ficado “amargurado pela torpeza da mulher e do suposto amigo; humilhado em seu
círculo social; arrasado diante de seus próprios pais – de uma hora a outra
privados do neto – o autor, cruel e injustamente ferido, um dia dormiu pai,
para no seguinte acordar agoniado pela dor sem fim da perda do filho”.
O autor requereu a
condenação solidária da ex-mulher e do pai biológico da criança ao pagamento de
danos materiais em decorrência dos supostos ilícitos, perfazendo a quantia de
valor de R$ 134.822,00 (cento e trinta e quatro mil e oitocentos e vinte e dois
reais), bem como de danos morais decorrentes da quebra de confiança e de
amizade que geraram trágicas consequências psicológicas sofridas pelo autor,
quantia a ser arbitrada em juízo (e-STJ f.).
O juízo sentenciante
julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus apenas ao pagamento de danos morais, afastando o pedido de ressarcimento
material.
No voto:
I – Dos danos morais por ato de terceiro
estranho à relação conjugal (pai biológico da criança)
Em que pese o alto grau
de reprovabilidade da conduta daquele que se envolve com pessoa casada, esta
Corte já se manifestou no sentido de que o “cúmplice” da esposa infiel não é
solidariamente responsável a indenizar o marido traído, pois tal fato não
constitui ilícito civil ou penal à falta de contrato ou lei obrigando terceiro
estranho à relação conjugal a zelar pela incolumidade do casamento alheio ou a
revelar a quem quer que seja a existência de relação extraconjugal firmada com
sua amante.
II – Dos danos materiais
No caso, o recorrente, enganado por sua ex-esposa, fato
incontroverso nos autos, criou como seu filho biológico de outrem, em virtude
de relacionamento extraconjugal entre os demais recorrentes, configurando-se
verdadeira paternidade socioafetiva, motivo pelo qual resta vedada a pleiteada
repetição da verba alimentar paga durante o período em que perdurou o convívio
com o então filho, com quem, revelam os autos, possuía estreitos laços de afeto
e verdadeiro apego, como se afere do acórdão recorrido:
A filiação, no caso, resultou da posse do
estado de filho, reputando-se secundária a verdade biológica, a fim de
preservar o elo da afetividade, até porque a Constituição brasileira e o
próprio Código Civil (LGL\2002\400) optaram pela igualdade absoluta dos filhos de qualquer
origem (biológica ou não biológica), como vem sendo iterativamente decidido por
esta Corte, como se vê do seguinte precedente:
Assim, é indubitável que
o valor pago para suprir as necessidades da prole, ainda que erroneamente
assumida, é irrepetível, porquanto verba alimentar, dever incondicional da
família (art. 227 CF/1988 (LGL\1988\3)). Por outro lado, o dever de solidariedade entre os seres
humanos justifica a irrepetibilidade, pois, em última análise, o recorrente
garantiu a própria existência da criança. Com relação à irrepetibilidade da
verba alimentar de menor incapaz de prover o autossustento, e por todos,
cite-se o seguinte precedente desta Corte, no que interessa:
III
– Dos danos morais (conduta da ex-cônjuge do autor)
A ação ou omissão que lesiona interesse moral ou material de um
indivíduo impõe o dever de reparação dos danos acarretados ao lesado a fim de
se restabelecer o equilíbrio pessoal e social buscado pelo direito, à luz do
conhecido ditame neminem laedere.
Em vista de todo o exposto, nego provimento ao recurso especial
do autor, dou parcial provimento ao recurso da recorrente para fixar o valor
devido a título de danos morais em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e dou
provimento integral ao recurso especial do corréu, para julgar improcedente o
pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas
processuais e honorários advocatícios fixados em 30.000,00 (trinta e mil
reais).
É o voto.
REsp 922.462 – SP (2007/0030162-4).
Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.