quinta-feira, 7 de maio de 2020

Julgado STJ sobre filiação


O autor alega que em 11.04.1985 casou-se com a ré e em 06.04.1988, na constância do casamento, nasceu AAA, registrado como filho do casal. Em 08.12.1989, o casal separou-se consensualmente, firmando acordo que previa a guarda materna do filho, a fixação de alimentos à criança e à mulher. O pai foi residir na Áustria, país para o qual foi transferido por seu empregador, enquanto mãe e filho passaram a viver em São Paulo.

O autor não poupou esforços para, sempre que possível e com bastante frequência, vir da Europa ao Brasil avistar-se com (…), ou, ainda, quando não podia, providenciar para que a criança, cercada de cuidados, viajasse à Europa para encontrá-lo. Nas estadas do filho em Viena, (…),buscava entrosá-lo com os avós paternos, que ali residem, o que em muito reforçou o afeto filiar e avoengo.


O pequeno (…), por sua vez, sempre retribuiu os sentimentos de (…): para o menino este era o homem que, mercê de sua afeição, respeito, presença constante e equilíbrio emocional, lhe proporcionava amor e segurança”.

Em 1994, o autor foi comunicado que não era pai biológico da criança, fruto de relação adulterina de sua ex-mulher com o segundo réu, conforme demonstrado em exame pericial hematológico (DNA) juntado em ação que teve curso na 1.ª Vara da Família e das Sucessões do foro regional de Pinheiros (Processo n. 568/95). 



- Ressarcimento dos danos materiais correspondentes aos pagamentos feitos por erro ao então filho e à ex-mulher (despesas de viagens; gastos com moradia; caução de contrato locatício e aquisição de dois automóveis).
- Danos morais sob a alegação de ter ficado “amargurado pela torpeza da mulher e do suposto amigo; humilhado em seu círculo social; arrasado diante de seus próprios pais – de uma hora a outra privados do neto – o autor, cruel e injustamente ferido, um dia dormiu pai, para no seguinte acordar agoniado pela dor sem fim da perda do filho”.


O autor requereu a condenação solidária da ex-mulher e do pai biológico da criança ao pagamento de danos materiais em decorrência dos supostos ilícitos, perfazendo a quantia de valor de R$ 134.822,00 (cento e trinta e quatro mil e oitocentos e vinte e dois reais), bem como de danos morais decorrentes da quebra de confiança e de amizade que geraram trágicas consequências psicológicas sofridas pelo autor, quantia a ser arbitrada em juízo (e-STJ f.).

O juízo sentenciante julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus apenas ao pagamento de danos morais, afastando o pedido de ressarcimento material.

No voto:
I – Dos danos morais por ato de terceiro estranho à relação conjugal (pai biológico da criança)
Em que pese o alto grau de reprovabilidade da conduta daquele que se envolve com pessoa casada, esta Corte já se manifestou no sentido de que o “cúmplice” da esposa infiel não é solidariamente responsável a indenizar o marido traído, pois tal fato não constitui ilícito civil ou penal à falta de contrato ou lei obrigando terceiro estranho à relação conjugal a zelar pela incolumidade do casamento alheio ou a revelar a quem quer que seja a existência de relação extraconjugal firmada com sua amante.
II – Dos danos materiais
No caso, o recorrente, enganado por sua ex-esposa, fato incontroverso nos autos, criou como seu filho biológico de outrem, em virtude de relacionamento extraconjugal entre os demais recorrentes, configurando-se verdadeira paternidade socioafetiva, motivo pelo qual resta vedada a pleiteada repetição da verba alimentar paga durante o período em que perdurou o convívio com o então filho, com quem, revelam os autos, possuía estreitos laços de afeto e verdadeiro apego, como se afere do acórdão recorrido:
A filiação, no caso, resultou da posse do estado de filho, reputando-se secundária a verdade biológica, a fim de preservar o elo da afetividade, até porque a Constituição brasileira e o próprio Código Civil (LGL\2002\400) optaram pela igualdade absoluta dos filhos de qualquer origem (biológica ou não biológica), como vem sendo iterativamente decidido por esta Corte, como se vê do seguinte precedente:
Assim, é indubitável que o valor pago para suprir as necessidades da prole, ainda que erroneamente assumida, é irrepetível, porquanto verba alimentar, dever incondicional da família (art. 227 CF/1988 (LGL\1988\3)). Por outro lado, o dever de solidariedade entre os seres humanos justifica a irrepetibilidade, pois, em última análise, o recorrente garantiu a própria existência da criança. Com relação à irrepetibilidade da verba alimentar de menor incapaz de prover o autossustento, e por todos, cite-se o seguinte precedente desta Corte, no que interessa:
III – Dos danos morais (conduta da ex-cônjuge do autor)
A ação ou omissão que lesiona interesse moral ou material de um indivíduo impõe o dever de reparação dos danos acarretados ao lesado a fim de se restabelecer o equilíbrio pessoal e social buscado pelo direito, à luz do conhecido ditame neminem laedere.
Em vista de todo o exposto, nego provimento ao recurso especial do autor, dou parcial provimento ao recurso da recorrente para fixar o valor devido a título de danos morais em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e dou provimento integral ao recurso especial do corréu, para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 30.000,00 (trinta e mil reais).
É o voto.
REsp 922.462 – SP (2007/0030162-4).
Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.