sexta-feira, 8 de maio de 2020

Julgado TJGO (paternidade e filiação) - grupo 2



Página 9:

O problema que se coloca se refere à possibilidade deste reconhecimento post mortem do ascendente socioafetivo.

Muito embora a lei permita tal reconhecimento, por se tratar de questão que demanda prova substancial da intenção das partes, de cunho subjetivo, tenho por mim que tais casos exigem cautela redobrada, pois não se pode olvidar que o acolhimento da pretensão afetará diretamente a esfera dos direitos de personalidade do de cujus e ainda trará repercussões aos demais membros da família, notadamente aos herdeiros.

Bem por isso, exige-se um conjunto probatório robusto e firme a demonstrar que o reconhecimento espontâneo da relação filiatória só não ocorreu por razões alheias à vontade do suposto pai ou do suposto filho, o que não encontro na espécie.

Compulsando o feito, constata-se que, de fato, o falecido, então com 75 (setenta e cinco anos), aproximou-se da autora no final do ano de 2009, esta já em idade adulta, onde contava com 31 (trinta e um) anos, em razão de ter tido um relacionamento amoroso com a mãe daquela no passado e da notícia que esta teria uma filha parecida fisicamente com ele.

Conforme declarado pela requerente em seu depoimento (evento 38), no dia 08.03.2010 fizeram 02 (dois) exames de DNA, em laboratórios distintos, sendo que no laboratório DNA Vida foi colhida uma amostra bucal, cujo resultado ficaria pronto em 24 (vinte e quatro horas), e o outro no laboratório Bio Genetics, local em que foi feita a coleta de sangue e o resultado ficaria pronto em 30 (trinta) dias.

O 1º resultado, da amostra bucal, deu negativo, e o 2º resultado, que ficou pronto antes dos 30 (trinta) dias, foi positivo.
Página 10:
Ressalte-se que este exame, conforme consta no feito, revelou-se ser falso, não tendo o de cujus, ao que tudo indica, tido ciência desta situação.

Nesse ponto, insta ressaltar que, embora a autora tenha declarado em seu depoimento que o falecido teria pedido para a requerente que esta o chamasse de pai, mesmo com o resultado negativo do DNA, não há nos autos nenhuma prova que corrobore tal afirmação.

Ademais, independentemente de tal fato, o resultado positivo do outro exame de DNA ficou pronto logo em seguida, e em razão deste exame ter sido feito com base em amostras de sangue, o que obviamente leva a uma certeza/confiabilidade maior, não há como deixar de se concluir que tal fato foi o que levou o falecido a estreitar sua relação com a autora.

Claro que a existência de um resultado de DNA positivo, declarando a relação biológica de pai e filha, não pode ser ignorado/suprimido, com pretende fazer crer a apelante em suas razões recursais ao fazer as seguintes afirmações: (...)

Não há como afastar a ilação de que o falecido somente aproximou-se da autora porque acreditava ser o pai biológico desta
Página 11:
(...)
Além disso, esta relação durou apenas por um lapso de tempo consideravelmente exíguo, não tendo havido uma convivência duradoura.

A relação iniciou-se em janeiro de 2010, e restou claramente demonstrado que começou a esmorecer em meados do ano de 2012, seja por causa das supostas ameaças que a autora alega ter sido vítima, seja em razão das dúvidas/suspeitas do falecido de que realmente não era o pai biológico da autora, o que o teria levado a pedir um terceiro exame de DNA, com o qual a requerente não teria concordado e seria esta a causa do afastamento entre ambos, conforme consta dos depoimentos da testemunha Olívio Caetano da Mota e do informante Wagmar José da Cunha Ferreira (evento 38). Tendo a autora afirmado, inclusive, que a partir da ocorrência das alegadas “ameças veladas” a convivência entre ambos passou a ser esporádica até a ocorrência da morte do Sr. Sebastião, o que ocorreu em 10.05.2014.
(...)
Por fim, e não menos importante, muito pelo contrário, não pode ser esquecido que, pouco menos de 6 (seis) meses antes do falecimento do de cujus, este dirigiu-se ao 1º Registro Civil e Tabelionado de Notas da comarca de Goiânia e, através de Escritura Pública de Reconhecimento de Paternidade, reconheceu a Senhora Dediane Gonçalves, então com 32 (trinta e dois) anos de idade, como sua filha biológica, conferindo-lhe seu nome, momento em que esta passou a se chamar Dediane Gonçalves Ribeiro Flor, fato ocorrido na data de 29.11.2013 (evento 19).

Diante de todo o contexto apresentado, tal fato mostra-se determinante para esclarecer qual a intenção do falecido.

Ora, a conduta do Senhor Sebastião de se dirigir ao cartório para reconhecer sua filha Dediane e, de igual modo, sua omissão em não fazer o mesmo com a autora, denotam, com clareza solar, que este não tinha a vontade/intenção de reconhecer a paternidade em relação à requerente
(...)
Dessa forma, ausentes os requisitos para a configuração da paternidade socioafetiva, visando salvaguardar os direitos da personalidade, a improcedência do pedido é medida que deve ser mantida.
Ante as razões expostas, nego provimento ao recurso de apelação.

É o voto.
Goiânia, 19 de novembro de 2019.
DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA RELATOR



PERGUNTAS

De acordo com informação colhida na página 9 do julgado pelo TJGO, responda:

1) Qual é o problema que se coloca acerca do reconhecimento da paternidade socioafetiva?

2) O que é exigido para este tipo de reconhecimento na situação exposta e qual a percepção do julgador?

3) Faça um relato da situação envolvendo os exames de DNA.

4) Como foi o relacionamento entre autora e suposto pai conforme expresso na pág. 11 e qual fato foi importante também para saber qual era a intenção do falecido?

Julgado TJGO (paternidade e filiação) - grupo 1


Página 7:
Do relatório transcrito, verifica-se que, embora a autora tenha inicialmente postulado pelo reconhecimento da paternidade do Senhor Sebastião Ribeiro Flor, com fundamento também no vínculo sanguíneo, tal pedido foi julgado improcedente em razão da desistência da prova pericial de DNA, mesmo após os gastos com a exumação dos restos mortais do de cujus, bem como da desistência de tal pedido, conforme consta na decisão saneadora contida no evento 16.

Explicado tal ponto, passo ao exame do pedido de reconhecimento da paternidade socioafetiva.
 A autora/apelante defende, em suma, que a prova produzida no feito é robusta e demonstra a intenção do de cujus em tê-la como filha.

Cita que as fotografias juntadas demonstram o seu estreito relacionamento com o de cujus em festividades, viagens relacionadas a eventos agropecuários, e passeios na fazenda, bem como a existência de recibos de pagamento de suas despesas pelo falecido, e, ainda, as declarações de pessoas conhecidas, entre elas do então governador do Estado de Goiás, Sr. Marcoli Perillo, e da prova testemunhal produzida em audiência.

Afirma que a prova dos autos demonstra que o relacionamento socioafetivo iniciou-se em janeiro de 2010 e findou-se apenas com o falecimento do de cujus em 2014.

Pois bem. Com efeito, a doutrina, com fundamento no CC 1.593, abriu as portas de nosso ordenamento jurídico para o chamado parentesco socioafetivo, fundado na posse do estado de filho, que, nas palavras de Luiz Edson Fachin, "se revela tanto na sua manifestação perante o grupo social, como, especialmente, na esfera psicológica e afetiva dos sujeitos "1 (grifado).

Theotonio Negrão, na obra Código Civil e Legislação Processual em Vigor, 28ª edição, Ed. Saraiva, 2009, na nota 1 ao art. 1.593, acrescenta:

 “Enunciado 103 do CEJ: 'O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade sócio-afetiva, fundada na posse do estado de filho”.

“Enunciado 256 do CEJ: 'A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”.

O reconhecimento do parentesco por socioafetividade também é admitido pelos Tribunais Pátrios, já havendo manifestação do Supremo Tribunal Federal neste sentido, fundada no princípio da dignidade humana:
(...) (STF - RE 898060, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017). Grifei


PERGUNTAS

De acordo com informação colhida na página 7 do julgado pelo TJGO, responda:

1) Quais foram as postulações da autora?

2) Como foi julgado o pedido em relação ao reconhecimento da paternidade com fundamento no vínculo sanguíneo?

3) Quais foram os argumentos da autora para fundamentar o pedido de reconhecimento da paternidade socioafetiva?

4) Explique as palavras de Luiz Edson Fachin sobre a posse do estado de filho "se revela tanto na sua manifestação perante o grupo social, como, especialmente, na esfera psicológica e afetiva dos sujeitos ".