Página 9:
O problema que se coloca se
refere à possibilidade deste reconhecimento post mortem do ascendente
socioafetivo.
Muito embora a lei permita tal
reconhecimento, por se tratar de questão que demanda prova substancial da
intenção das partes, de cunho subjetivo, tenho por mim que tais casos exigem
cautela redobrada, pois não se pode olvidar que o acolhimento da pretensão
afetará diretamente a esfera dos direitos de personalidade do de cujus e ainda
trará repercussões aos demais membros da família, notadamente aos herdeiros.
Bem por isso, exige-se um
conjunto probatório robusto e firme a demonstrar que o reconhecimento
espontâneo da relação filiatória só não ocorreu por razões alheias à vontade do
suposto pai ou do suposto filho, o que não encontro na espécie.
Compulsando o feito, constata-se
que, de fato, o falecido, então com 75 (setenta e cinco anos), aproximou-se da
autora no final do ano de 2009, esta já em idade adulta, onde contava com 31
(trinta e um) anos, em razão de ter tido um relacionamento amoroso com a mãe
daquela no passado e da notícia que esta teria uma filha parecida fisicamente
com ele.
Conforme declarado pela
requerente em seu depoimento (evento 38), no dia 08.03.2010 fizeram 02 (dois)
exames de DNA, em laboratórios distintos, sendo que no laboratório DNA Vida foi
colhida uma amostra bucal, cujo resultado ficaria pronto em 24 (vinte e quatro
horas), e o outro no laboratório Bio Genetics, local em que foi feita a coleta
de sangue e o resultado ficaria pronto em 30 (trinta) dias.
O 1º resultado, da amostra bucal,
deu negativo, e o 2º resultado, que ficou pronto antes dos 30 (trinta) dias,
foi positivo.
Página 10:
Ressalte-se que este exame, conforme consta no feito,
revelou-se ser falso, não tendo o de cujus, ao que tudo indica, tido ciência
desta situação.
Nesse ponto, insta ressaltar que, embora a autora tenha
declarado em seu depoimento que o falecido teria pedido para a requerente que
esta o chamasse de pai, mesmo com o resultado negativo do DNA, não há nos autos
nenhuma prova que corrobore tal afirmação.
Ademais, independentemente de tal fato, o resultado positivo
do outro exame de DNA ficou pronto logo em seguida, e em razão deste exame ter
sido feito com base em amostras de sangue, o que obviamente leva a uma
certeza/confiabilidade maior, não há como deixar de se concluir que tal fato
foi o que levou o falecido a estreitar sua relação com a autora.
Claro que a existência de um resultado de DNA positivo,
declarando a relação biológica de pai e filha, não pode ser ignorado/suprimido,
com pretende fazer crer a apelante em suas razões recursais ao fazer as
seguintes afirmações: (...)
Não há como afastar a ilação de que o falecido somente
aproximou-se da autora porque acreditava ser o pai biológico desta
Página 11:
(...)
Além disso, esta relação durou
apenas por um lapso de tempo consideravelmente exíguo, não tendo havido uma
convivência duradoura.
A relação iniciou-se em janeiro
de 2010, e restou claramente demonstrado que começou a esmorecer em meados do
ano de 2012, seja por causa das supostas ameaças que a autora alega ter sido
vítima, seja em razão das dúvidas/suspeitas do falecido de que realmente não
era o pai biológico da autora, o que o teria levado a pedir um terceiro exame
de DNA, com o qual a requerente não teria concordado e seria esta a causa do
afastamento entre ambos, conforme consta dos depoimentos da testemunha Olívio
Caetano da Mota e do informante Wagmar José da Cunha Ferreira (evento 38).
Tendo a autora afirmado, inclusive, que a partir da ocorrência das alegadas
“ameças veladas” a convivência entre ambos passou a ser esporádica até a
ocorrência da morte do Sr. Sebastião, o que ocorreu em 10.05.2014.
(...)
Por fim, e não menos importante,
muito pelo contrário, não pode ser esquecido que, pouco menos de 6 (seis) meses
antes do falecimento do de cujus, este dirigiu-se ao 1º Registro Civil e
Tabelionado de Notas da comarca de Goiânia e, através de Escritura Pública de
Reconhecimento de Paternidade, reconheceu a Senhora Dediane Gonçalves, então
com 32 (trinta e dois) anos de idade, como sua filha biológica, conferindo-lhe
seu nome, momento em que esta passou a se chamar Dediane Gonçalves Ribeiro
Flor, fato ocorrido na data de 29.11.2013 (evento 19).
Diante de todo o contexto
apresentado, tal fato mostra-se determinante para esclarecer qual a intenção do
falecido.
Ora, a conduta do Senhor
Sebastião de se dirigir ao cartório para reconhecer sua filha Dediane e, de
igual modo, sua omissão em não fazer o mesmo com a autora, denotam, com clareza
solar, que este não tinha a vontade/intenção de reconhecer a paternidade em
relação à requerente
(...)
Dessa forma, ausentes os
requisitos para a configuração da paternidade socioafetiva, visando
salvaguardar os direitos da personalidade, a improcedência do pedido é medida
que deve ser mantida.
Ante as razões expostas, nego provimento ao recurso
de apelação.
É o voto.
Goiânia, 19 de novembro de 2019.
DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA RELATOR
PERGUNTAS
De acordo com
informação colhida na página 9 do julgado pelo TJGO, responda:
1) Qual é o problema
que se coloca acerca do reconhecimento da paternidade socioafetiva?
2) O que é exigido
para este tipo de reconhecimento na situação exposta e qual a percepção do
julgador?
3) Faça um relato da situação envolvendo os exames de DNA.
4) Como foi o relacionamento entre autora e suposto pai conforme
expresso na pág. 11 e qual fato foi importante também para saber qual era a
intenção do falecido?