quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

A conduta abusiva de empresas que gananciosamente aumentam os preços de produtos sem necessidade

ABC do CDC
Rizzatto Nunes

A sociedade capitalista, a ganância e o Código de Defesa do Consumidor
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Hoje falo da ganância, a sede de ganho sem limites.
Michael J. Sandel, no livro intitulado Justiça: o que é fazer a coisa certa, conta que, no verão de 2004, o furacão Charley invadiu o Golfo do México causando sérios danos à população da Flórida. A tempestade matou 22 pessoas e causou prejuízos de 11 bilhões de dólares1.
No livro citado, Sandel diz que, após a passagem do destrutivo furacão, em "um posto de gasolina em Orlando, sacos de gelo de dois dólares passaram a ser vendidos por dez dólares. Sem energia para refrigeradores ou ar-condicionado em pleno mês de agosto, verão no hemisfério norte, muitas pessoas não tinham alternativa senão pagar mais pelo gelo. Árvores derrubadas aumentaram a procura por serrotes e consertos de telhados. Prestadores de serviços cobraram 23 mil dólares para tirar duas árvores de um telhado. Lojas que antes vendiam normalmente pequenos geradores domésticos por 250 dólares pediam agora 2 mil dólares. Por uma noite em um quarto de motel que normalmente custaria 40 dólares cobraram 160 a uma mulher de 77 anos que fugia do furacão com o marido idoso e a filha deficiente"2.
Esse tipo de conduta não é novo nem surpreendente e já se verificou no Brasil inúmeras vezes. Apenas para ficar com um exemplo recente: com a crise da qualidade da água na cidade do Rio de Janeiro, os preços da água mineral dispararam3.
Esses aumentos se caracterizam como práticas abusivas proibidas pela legislação protecionista do consumidor e, evidentemente, odiosas, mas que apenas confirmam a mentalidade atrasada e as ações ilegais perpetradas por certos fornecedores, colocando à mostra os defeitos terríveis da natureza humana. Daí que a ganância não é nova nem desconhecida. Aliás, é um dos sete pecados capitais como desdobramento da avareza4; trata-se de um vício humano, sempre combatido.
Mas, o que chamou a atenção no episódio do furacão na Flórida não foi tanto a ganância, mas a incrível e aberta defesa feita por muitos economistas do ato ganancioso como elemento intrínseco do sistema e – pasme-se – positivo!
Dentre os vários "teóricos de mercado" que fizeram esse tipo de defesa naquela oportunidade, refiro, por todos, o economista Thomas Sowell para quem o termo "extorsão", utilizado pelas vítimas dos comerciantes, não passava de uma "expressão emocionalmente poderosa porém economicamente sem sentido, à qual a maioria dos economistas não dá atenção, porque lhes parece vaga demais"5. Sandel fala dele: "Preços mais altos de gelo, água engarrafada, consertos em telhados, geradores e quartos de motel têm a vantagem, argumentou Sowell, de limitar o uso pelos consumidores, aumentando o incentivo para que empresas de locais mais afastados forneçam as mercadorias e os serviços de maior necessidade depois do furacão. Se um saco de gelo alcança dez dólares quando a Flórida enfrenta falta de energia no calor de agosto, os fabricantes de gelo considerarão vantajoso produzir e transportar mais. Não há nada injusto nesses preços, explicou Sowell; eles simplesmente refletem o valor que compradores e vendedores resolvem atribuir às coisas quando as compram e vendem"6.
Trata-se de um sofisma ridículo e pueril, pois obviamente os fabricantes de gelo somente se motivariam se o preço se mantivesse nas alturas de forma constante. No caso, o preço foi elevado excessivamente, fixado para um curto período de tempo e imposto contra consumidores desesperados.
Eis, pois, uma mostra de um dos aspectos mais perniciosos da sociedade capitalista mas, que, de todo modo, acaba ajudando a realçar a importância de nossa lei protecionista do consumidor, editada há quase 30 anos.
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1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 8ª ed., 2012, p.11.
2 Ibidem, p.11. Como a Flórida tem uma lei para punir fornecedores que pratiquem preços abusivos, foram movidas muitas ações judiciais com condenações dos violadores.
3 Preço da água mineral dispara e aumento pode passar de 40%, diz Procon-RJ.
4 Para lembrar: os sete pecados capitais são a gula, a avareza (e por extensão a ganância), a luxúria, a ira, a inveja, a preguiça e a soberba (orgulho ou vaidade).
5 Ibidem, p.12.
6 Ibidem, p. 12.

Fonte: 

Divórcio unilateral. Assista vídeo explicativo por Flávio Tartuce

Quando um não quer, dois não ficam casados? Professor explica divórcio unilateral

Para o professor Flávio Tartuce, "o melhor caminho é a mudança da lei”.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Na última sexta-feira, 31, Migalhas noticiou decisão na qual foi decretado o divórcio antes mesmo da citação do marido. O caso aconteceu na 3ª vara da Família de Joinville/SC, onde a juíza de Direito Karen Francis Schubert deferiu tutela antecipada à mulher.
Na decisão, a juíza explica que o divórcio passou a ser caracterizado como um direito potestativo incondicionado, fundamentado em norma constitucional, e, para sua decretação, não se exige a apresentação de qualquer prova ou condição, portanto dispensável a formação do contraditório.
A decisão da juíza gerou controvérsia: pode o divórcio ser decretado antes mesmo da citação? Sobre o assunto, conversamos com o professor Flávio Tartuce, que comanda a coluna "Família e Sucessões" no Migalhas. Dê o play:
Tartuce destaca que não há nos Códigos Civil e de Processo Civil previsão que propicie este tipo de decisão, que conduz ao divórcio unilateral. Mas, por interpretação do art. 356 do CPC/15, que trata do julgamento parcial de mérito, o professor entende que seria possível chegar a essa conclusão.
O especialista observa que o divórcio ainda é um processo burocrático e lembra que está em tramitação o projeto de lei 3.457/19, proposição do senador Rodrigo Pacheco, que permite que um dos cônjuges requeira a averbação de divórcio no cartório de registro civil mesmo que o outro cônjuge não concorde com a separação.
Divórcio unilateral
Em maio do ano passado, o Estado de Pernambuco regulamentou o divórcio unilateral. Pelo provimento 6/19, foi possibilitado o "divórcio impositivo", que se caracteriza por ato de autonomia de vontade de um dos cônjuges. De acordo com o provimento, desde a EC 66/10 o único requisito para a decretação do divórcio é a demonstração da vontade do(a) requerente, estando extinta a necessidade da prévia separação de fato (por dois anos) ou judicial (por um ano) para a dissolução do vínculo conjugal. A medida também leva em conta o art. 226 da Constituição e que “a autonomia de vontade da pessoa se insere no elevado espectro do princípio da autonomia privada em sua dimensão civil-constitucional”.
O Estado foi o primeiro a adotar a medida, mas não demorou para que o Maranhão também fizesse a regulamentação.
O provimento do Maranhão considera “os princípios basilares do Estado Democrático de Direito”, notadamente a individualidade, a liberdade, o bem-estar, a justiça e a fraternidade; e menciona que a CF “acolhe, como corolários, o direito individual à celeridade na resolução das lides e a autonomia da vontade nas relações intersubjetivas”.
Mas, após as alterações, a ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões ingressou no CNJ com pedido de providências contra a regulamentação do divórcio unilateral, o que resultou em recomendação do corregedor nacional, ministro Humberto Martins, orientando os Tribunais a se absterem de editar atos que permitissem o “divórcio impositivo”.
O IBDFAM argumentou não se tratar de invasão de competência legislativa, mas dar efetividade ao comando constitucional previsto no 6º parágrafo do artigo 226 da CF/88
Mas, para o corregedor, além do vício formal e de não observar a competência da União, o provimento 6/19 descumpre o princípio da isonomia uma vez que estabeleceu uma forma específica de divórcio nos estados de Pernambuco e Maranhão, criando disparidade com outros Estados brasileiros que não possuem provimento semelhante.
Fonte: