quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Reajuste dos índices anuais de plano de saúde coletivo

Heitor Vieira Neto, Mario de Queiroz Barbosa Neto e Marcos Rode Magnani
Ainda que se trate de uma relação jurídica particular entre as operadoras de plano de saúde e as administradoras de benefícios, a legislação não exime a obrigação da ANS em regular as disposições contratuais desta relação.
quinta-feira, 16 de agosto de 2018

São constantes as notícias de decisões judiciais versando sobre os reajustes aplicados pelas operadoras de planos de saúde nos contratos de planos coletivos, condenando-os como abusivos, de modo que foi notoriamente divulgada a existência de omissão da ANS acerca dos reajustes aplicados pelas operadoras aos referidos planos.
De fato, conquanto a ANS não precise autorizar previamente os reajustes de planos coletivos, tem a obrigação de fiscalizar os cálculos realizados pelas operadoras, conforme determinação legal.
Contudo, diante desta omissão da ANS, bem como da omissão ao exigir maior transparência das operadoras de planos de saúde com o consumidor, muitos dos reajustes aplicados e discutidos entre as operadoras e os segurados acarretam em abusividades, os quais refletem nos beneficiários dos planos coletivos.
Constatou-se que em 2016, conforme levantamento realizado pelo Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar (DMP/FMUSP) (último ano de levantamento realizado, já que os números de 2017 só serão disponibilizados no final do ano de 2018), das decisões judiciais contra os planos de saúde em tramite no Judiciário, 16,95% discutiam acerca dos índices de reajuste dos planos, ficando atrás apenas das decisões que discutiam a exclusão das coberturas contratuais1.
No ano de 2017 e 2018 este porcentual tende apenas a ser maior do que o ano de 2016, já que os reajustes autorizados aos planos de saúde coletivos durante estes anos estão no patamar de 19%.
É importante destacar que diante da forma de contratação e operação dos planos coletivos, há uma administradora de benefícios para contratar diretamente com as operadoras, as quais visam manter a obrigação e consequente responsabilidade de representar os beneficiários na negociação de aumentos de mensalidade com a operadora do plano, observando, inclusive, os riscos que advém destas negociações.
Ainda que se trate de uma relação jurídica particular entre as operadoras de plano de saúde e as administradoras de benefícios, a legislação não exime a obrigação da ANS em regular as disposições contratuais desta relação, em especial sobre os reajustes anuais, de modo que o Estado pode intervir nas relações particulares para manter o equilíbrio das relações contratuais, visando os fins sociais e as exigências do bem comum.
Independentemente se o plano é contratado por uma administradora de benefícios ou associação profissional, as obrigações destas entidades, que deveriam representar os milhares de beneficiários que os seguem, são muitas vezes negligentes, não cumprindo com o papel que realmente deveriam cumprir: negociações mais vantajosas para seus beneficiários.
É comum, inclusive, quando o beneficiário necessita de algum esclarecimento ou auxílio do seu plano de saúde, a grande maioria das associações profissionais simplesmente ignorarem e solicitarem o contato direto do beneficiário com o plano de saúde.
Transforma-se, então, aquilo que deveria representar o interesse da maioria, em interesse particular, gerando não só prejuízos aos beneficiários, como prejuízos para as próprias operadoras de planos de saúde, já que os beneficiários se socorrem ao Judiciário para terem os esclarecimentos e o mínimo atendimento digno.
No tocante aos reajustes anuais dos planos de saúde, as demandas judicias tendem a reduzir os índices aplicados, sendo imperioso destacar que cada caso possui suas particularidades, variando de caso a caso o porcentual de diminuições que podem ser alcançados através da intervenção do Judiciário – se possível a redução –, mas podendo chegar em uma redução de até 30% do valor atual da mensalidade.
E nestes casos os reajustes são suspensos de imediato através de liminares em 75% dos casos judicializados, conforme levantamento realizado em 2017 pelo Idec (Instituto de Defesa do Consumidor)2, sendo extremamente vantajoso ao beneficiário o ajuizamento de ações contra o plano de saúde.
Portanto, observa-se que o consumidor está mais atento às condutas das operadoras de planos de saúde, exigindo maior transparência com relação aos cálculos utilizados pelas operadoras, tendo em vista o aumento no índice de reajuste aplicado anualmente, o que encarece substancialmente a mensalidade do plano.
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*Marcos Rode Magnani é advogado do escritório Vieira Neto Advogados.
*Heitor Vieira Neto é advogado do escritório Vieira Neto Advogados.
*Mario de Queiroz Barbosa Neto é advogado do escritório Vieira Neto Advogados.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI285646,21048-Reajuste+dos+indices+anuais+de+plano+de+saude+coletivo

Kelly Key conta que marido foi reconhecido como pai de sua filha: 'É oficial'

A cantora se pronunciou após a filha, Suzanna, fruto do relacionamento com Latino, ser questionada sobre o motivo de homenagear o então padrastro, Mico Freitas, no Dia dos Pais em seu Instagram. Nesta terça-feira (14), a artista disse que o marido foi reconhecido na Justiça como pai da adolescente: 'O Mico não é mais padrasto só da Suzanna. Ele é mais do que isso. O Mico oficialmente é o pai da Suzanna agora'

Kelly Key contou que o marido, Mico Freitas, foi reconhecido na Justiça como pai de sua filha, Suzanna, fruto do relacionamento com Latino. A revelação foi feita após internautas questionarem o motivo de a adolescente homenagear o padrasto nas redes sociais no Dia dos Pais e não o músico. Nesta terça-feira (14), a cantora comemorou a decisão judicial em seu Stories: "O Mico não é mais padrasto só da Suzanna. Ele é mais do que isso. O Mico oficialmente é o pai da Suzanna agora. Tivemos essa boa notícia quando estávamos em Portugal. Nós tínhamos entrado com esse pedido e foi super bem aceito. Suzanna hoje é Freitas oficialmente. Então já podem usar a palavra 'pai' quando se referir ao Mico na vida da Suzanna. Já é oficial". Kelly e Mico também são pais de Jaime Vitor, de 13 anos, e Arthur, que comemorou o primeiro aniversário em janeiro.

SUZANNA EXPLICA RELAÇÃO COM PAI BIOLÓGICO: 'MUITO DISTANTE'

Em seu Stories, Suzanna, cuja semelhança com a mãe impressiona, se pronunciou a respeito do assunto e explicou por que não postou uma foto com Latino na data comemorativa: "Não é porque não postei foto que não desejei 'Feliz Dia dos Pais'. Eu mandei, sim, uma mensagem e ele respondeu. Só que ele está viajando. Eu convivo com meu padrasto e ele é o meu pai. Eu não convivo com meu pai de sangue. Ele não está muito presente na minha vida como o meu padrasto está". Segundo a jovem, não há qualquer problemas na relação com o músico: "Eu não sei qual foi a última vez que eu tirei uma foto com o meu pai. Mas isso não quer dizer que nós somos brigados, que nós não nos falamos, não tem nada a ver. A gente se vê muito pouco. A gente acaba tendo uma relação muito distante. Mas não quer dizer que nós temos uma relação ruim. Nós não somos brigados, não temos desavenças, só temos uma relação distante".

LATINO COMENTA DECISÃO DA FILHA: 'ELE QUEM A CRIOU DESDE OS 3'

Para o portal "UOL", Latino confirmou o pedido judicial para incluir o nome de Mico na certidão de nascimento da filha e disse que a decisão foi consensual: "Ela não vai deixar nunca de ser minha filha. É uma sortuda porque terá dois pais, eu que a coloquei no mundo e o pai que a criou. Ela perguntou se eu iria ficar chateado. Se é uma vontade dela é uma vontade minha também. Temos que fazer o que temos vontade. Não temos que ser infelizes. Mico tem um carinho especial por ela. Foi ele quem a criou desde os 3 anos de idade. Foi uma forma de carinho dela com ele. Um reconhecimento". A Justiça permite a inclusão do nome de mais um pai ou mãe na certidão de nascimento desde 2017.

(Por Tatiana Mariano)

14 agosto 2018 - 13h32
http://www.purepeople.com.br/noticia/marido-de-kelly-key-e-reconhecido-na-justica-como-pai-da-filha-da-cantora-suzanna-oficial_a238876/1

Plano de saúde não pode reajustar mensalidade para usuária que completou 60 anos

Decisão é do TJ/PR, que também determinou que o reajuste por sinistralidade ocorra pela aplicação do menor índice anual previsto pela ANS.
quinta-feira, 16 de agosto de 2018

A 8ª câmara Cível do TJ/PR determinou que um plano de saúde se abstenha de realizar reajuste relativo à mudança de faixa etária para usuária que completou 60 anos durante a vigência do contrato. O colegiado também limitou os reajustes anuais pelo menor dos índices entre a variação da sinistralidade ou daqueles fixados pela ANS.
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Na ação contra o plano, a autora defendeu a ilegalidade do reajuste do plano de saúde com base na sinistralidade e na mudança da faixa etária. O juízo de 1º grau declarou a abusividade do reajuste por sinistralidade e entendeu que deve ser aplicado os índices aprovados pela ANS para planos individuais e familiares para o mesmo período. No entanto, nada dispôs sobre o reajuste em virtude da mudança da faixa etária.
Diante da decisão, tanto o plano de saúde quanto a usuária recorreram. Ao analisar o recurso, o desembargador Luis Sérgio Swiech, relator, deu razão em parte aos pedidos da autora e não atendeu aos pedidos do plano.
Com relação ao pedido referente à faixa etária, o relator aplicou o CDC, o Estatuto do Idosoe a lei dos planos de saúde, a qual veda a variação da mensalidade em função da idade, para os consumidores com mais de 60 anos, que tiverem mais de 10 anos de relação contratual, previsão aplicável ao caso.
"Destaco, ainda, o julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.568.244/RJ, no qual o colendo Superior Tribunal de Justiça reafirmou essa posição, ao entender pela validade da cláusula contratual que estipula o reajuste a idosos, desde que não tenham contratos há mais de dez (10) anos."
Já com relação ao reajuste por sinistralidade, o relator concluiu que as cláusulas do contrato entre as partes não são claras, não trazem os índices a serem aplicados e tampouco os custos dos serviços e assistência médica. Assim, decidiu limitar os reajustes anuais pelo menor dos índices entre a variação da sinistralidade ou daqueles fixados pela ANS.
Ao prover em parte o recurso da autora, a 8ª câmara negou o pedido da restituição em dobro dos valores cobrados e determinou a restituição simples.
O caso foi patrocinado pela banca Fachin Advogados Associados.
Veja a decisão
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http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI285699,91041-Plano+de+saude+nao+pode+reajustar+mensalidade+para+usuaria+que

STF: MP pode ajuizar ACP para obrigar o Estado a fornecer medicamentos

Legitimidade foi reconhecida à unanimidade pelo plenário.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ACP com o objetivo de compelir entes federados a entregar medicamentos a portadores de certas doenças. Assim entendeu, de forma unânime, o plenário do STF na sessão desta quarta-feira, 15. Mais de 1800 casos estariam sobrestados aguardando a decisão. A tese fixada para repercussão geral, redigida pelo relator, ministro Marco Aurélio, foi a seguinte:

"O Ministério Público é parte legítima para ajuizamento de ação civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de certa doença."



O acórdão recorrido entendia pela ilegitimidade ativa do MP, porquanto o fornecimento de medicamentos a pessoas determinadas não se inseria no âmbito objetivo da ACP, de modo que foi indeferida a inicial.

No RE, o MP de Minas Gerais sustentou que "a defesa dos interesses individuais indisponíveis - quer como autor, quer na condição de fiscal da lei - constitui atribuição tradicional do Ministério Público, que nunca despertou controvérsia".

Em contrarrazões, o Estado de Minas alegou "a impossibilidade da utilização da ACP como instrumento para defesa de interesse de natureza meramente individual", apontando a ilegitimidade do parquet para a defesa de direitos individuais homogêneos que não se enquadrem em relações de consumo. Vários Estados, a União e o DF foram admitidos como interessados.

Ao votar, o relator, ministro Marco Aurélio, destacou que "é induvidoso que ao MP cabe, ao teor do exposto no inciso III, art. 129 da CF, promover inquérito civil em ACP visando a defesa de interesses difusos e homogêneos, coletivos."

Ele votou por prover o recurso para que, suplantada a ilegitimidade declarada no TJ, este prossiga no julgamento da apelação do Estado, ressaltando que, nas razões respectivas da apelação, versou-se não apenas a preliminar, como a matéria de fundo, as quais de forma igual mereceram tratamento no juízo, mas não tratamento pelo TJ, porque proclamou a ilegitimidade do MP.

O ministro foi seguido integralmente pelos demais ministros presentes: Moraes, Fachin, Barroso, Rosa, Fux, Lewandowski, Gilmar e Celso de Mello.

O ministro Alexandre de Moraes frisou que é competência do MP zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na CF, “promovendo as medidas necessárias para essa garantia”. Entre estes serviços, destacou, está a Saúde.

"A CF dá a possibilidade de a legislação disciplinar como o MP pode atingir esse objetivo, e nada mais fez o art. 25 inciso V, letra A da lei 8.625, lei orgânica nacional dos MPs estaduais, permite o ajuizamento de ACP exatamente na hipótese da defesa dos serviços públicos de relevância, para que se assegure a efetividade dos direitos fundamentais, entre eles o direito à saúde."

Tema complexo

Barroso destacou que, diferentemente da questão processual – que era o estava em discussão –, a questão de fundo do processo, esta sim seria complexa. Isto porque se o MP estiver postulando algum medicamento que já tenha sido incorporado pelo SUS, a hipótese é simples. Se, por outro lado, estiver postulando um medicamento não incorporado pelo SUS, aí sim seria uma questão complicada. Neste caso, destacou, se estaria dando acesso diferente para aqueles que têm acesso à Justiça, de forma desigual.

O ministro Gilmar Mendes também se manifestou sobre complexidade do tema. Ele, por sua vez, destacou o problema da judicialização extrema da Saúde. “Imagine que cada promotor público em Minas Gerais escolha um dado medicamento e proponha uma ação semelhante a essa. Vamos analisar o tamanho da repercussão. O serviço vai melhorar?" Ele afirmou que este tema precisa passar por um escrutínio severo por parte do Judiciário.

Processo: RE 605.533

https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI285668,41046-STF+MP+pode+ajuizar+ACP+para+obrigar+o+Estado+a+fornecer+medicamentos

Paternidade socioafetiva reconhecida em cartório, sem assistência jurídica: proteção ou tiro no pé?


1. LINHAS INTRODUTÓRIAS E A PROBLEMÁTICA

O Provimento nº 149, de 13 de janeiro de 2017, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, seguindo a toada de alguns outros Estados da Federação, trata do reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva, perante os Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, sem nenhuma assistência de operador do Direito. Vale dizer, o cidadão, jurisdicionado, não precisa mais subir o caminho áspero do fórum, içado por advogado, para reconhecer essa paternidade; basta passar, sozinho, no cartório, e pronto, está reconhecida sua paternidade. Afinal, se ele se diz “o pai”, dito está, então o é.

Partindo da premissa de que o legislador constituinte confere à família a cláusula geral de tutela do Art. 226 (“especial proteção do Estado”), e que é notória a complexidade que envolve a identificação desse vínculo socioafetivo, que tem suscitado desafios e tarefa hercúleos dos juristas (em seus variados espaços de ação – juízes, advogados, doutrinadores), custa crer que o referido Provimento (e tantos quantos) atenda aos parâmetros constitucionais de proteção.

O que se deduz, com perplexidade e temor, é que a intenção de desjudicializar e desburocratizar, neste caso, não são sinônimos de proteção (quem dirá “especial proteção”) e segurança jurídica, mas uma temerária exposição a riscos elevados, para a família e para a sociedade. Detalhe: esse reconhecimento é irretratável.

Antes de avançar, porém, cumpre esclarecer dois conceitos: paternidade socioafetiva e desjudicialização.

1.1 AINDA À GUISA DE INTRODUÇÃO: O QUE É PATERNIDADE SOCIOAFETIVA?

Em dias de pós-modernidade os juristas constataram (com notório atraso em relação à Psicanálise) que o vínculo biológico entre um homem e seu descendente não era sinônimo de paternidade, mas poderia representar mera genitalidade. Que o homem poderia ser o genitor, sem nunca ter sido pai, considerada a premissa de que paternidade é função e não o mero liame biológico em si mesmo.

Possível imaginar este quadrante de hipótese, tanto quando o genitor não pratica a chamada “paternidade responsável” (que deveria se chamar apenas “paternidade”, e bastaria), como quando é doador anônimo de sêmen. Aliás, que diferença existiria, em essência, entre o homem que apenas dorme com a mulher (e desaparece na manhã seguinte), e aquele homem que em anonimato depositou seu material biológico em banco de reprodução assistida?

Passou-se, então, desde dessas constatações, a valorizar o vínculo que determinado homem constrói (trata-se de construção psicológica) em relação a alguém que não seria seu filho biológico, mas, que, na cotidianidade da vida se esboça paulatina e inexoravelmente num aprofundamento qualificado de relação parental. O homem não apenas constrói (em face de), como também é construído, numa dialética natural e lógica (embora não haja consanguinidade), que faz surgir a perfeita identificação do vínculo paterno-filial.

Ora, ainda que o mundo inteiro conspirasse, negando essa paternidade ou essa filiação, os dois protagonistas (pai e filho) dessa construção nem se importariam com opinião contrária, pois quem sabe de suas identidades psíquicas, são eles, embora seja normal o reconhecimento social nesses casos.

Paternidade socioafetiva, portanto, é vínculo parental que surge de continuada e intensa cotidianidade, entre duas pessoas que se envolvem e reciprocamente edificam suas identidades de pai e de filho. Na palavra simplória do leigo, pai é quem cria. Criação, no sentido mais restrito e mais sublime possível, de criação de identidade.

1.2 AINDA À GUISA DE INTRODUÇÃO: O QUE É DESJUDICIALIZAÇÃO?

A desjudicialização, o que seria? Em que medida a desjudicialização pode ser uma ameaça no caso sub judice?

Desjudicializar, em definição singela, significa criar alternativas para o acesso à Justiça, alternativas em relação ao aparelho judiciário complexo e moroso. Essa alternativa pode ser (e tem sido), a via administrativa, desburocratizada no possível, permitindo ao cidadão, devidamente assistido por advogado, solver amigável e espontaneamente uma questão, consumando essa solução perante o cartório de notas, com lavratura de escritura pública, que, nestes casos, tem peso de sentença judicial, peso este conferido por lei.

Quando se fala em desjudicialização, parte-se de pressupostos mínimos como (i) disponibilidade de direitos e (ii) capacidade das partes, além da (iii) assistência por advogado.

Agora, atenção: resolver administrativamente o reconhecimento da paternidade socioafetiva implica em confiar questão demasiadamente complexa aos cartórios, e, como se não bastasse, pode hoje ser feito sem, nem mesmo, a presença de advogado, como no caso do Estado de Mato Grosso do Sul.

Recomenda-se aqui, que é preciso rever normas regimentais que permitam essa alternativa ao cidadão, pois ao invés de se lhe abrir caminho mais suave, poder-se-ia estar criando um atalho para o abismo. Abismo da falta de proteção estatal a direito personalíssimo, abismo da insegurança jurídica.

2. A DESJUDICIALIZAÇÃO PARA PROMOVER A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

É notório o movimento estatal no sentido de descentralizar matérias que sempre foram tratadas sob vara judicial, tendência esta que resulta da ineficiência que vem tomando o Poder Judiciário, cujas forças se esgotam diante da crescente demanda jurisdicional. Esse volume crescente de demanda, por sua vez, pode ser explicado pelo acesso que se garante constitucionalmente à população carente (Art. 5º, LXXIV), combinado aos demais efeitos democratizantes, voltados para a emancipação do sujeito de direito e consequente promoção da dignidade da pessoa humana.

Nessa enxurrada de demandas versus necessidade de promoção da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF), a saída (ou por falta de saída), tem sido deslocar matérias importantes, inclusive do Direito de Família, para a via administrativa, com lavratura de escritura pública, com assistência de advogado.

Dentre essas normas desjudicializantes, para focar nas questões de família (caso sob análise), cite-se a Lei nº 11.441/2007, que oferece a via alternativa para o divórcio, o reconhecimento e o desfazimento de união estável, além de permitir inventário e partilha.

Note-se que ao advogado o poder público passou a confiar a missão de aplicar e fiscalizar a lei. Diferente da Justiça convencional, em que esse papel cabia ao magistrado e ao órgão do Ministério Público, pela primeira vez foi possível concretizar, em mãos de um profissional liberal, dois munus ontologicamente opostos: o interesse público (boa aplicação da lei) e o interesse privado (do cliente). Essa situação sui generis, que não se condena, antes se aplaude, é pauta para outra empreita (não cabe aqui).

É bem verdade que já na década de 1990 sinalizou-se essa tendência desjudicializatória, quando a Lei nº 8.560/1992 permitiu que se fizesse o reconhecimento da paternidade biológica, espontaneamente, perante a serventia extrajudicial. Referida Lei viria, inclusive, a ser recepcionada pelo Código Civil, em seu Art. 1.609:
O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
[...]

No caso da paternidade biológica, compreende-se, o simples reconhecimento espontâneo, admitindo o vínculo de sangue, bastava e basta. Na dúvida, poder-se-ia testar com o exame de D.N.A., antes de declarar-se pai.

Em distância de léguas, porém, encontra-se a paternidade socioafetiva. Permitir que esse vínculo seja reconhecido com a maior acessibilidade possível (desburocratização), claro, é um avanço na promoção da dignidade da pessoa, mas, daí a dizer-se que a parentalidade socioafetiva (com a complexidade que envolve a questão) possa ser admitida como verdade jurídica, sem a presença, pelo menos, de um único operador do Direito, não é o caminho, por certo, para tal desiderato.

3. A PECULIARIDADE DO DIREITO DE FAMÍLIA E A COMPLEXIDADE DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA EXIGEM ATENÇÃO E PRUDÊNCIA

Como pode uma pessoa leiga, sem qualquer assistência jurídica, declarar-se pai socioafetivo? Essa pessoa tem consciência (aptidão volitiva), sabe o que está declarando perante o poder público?

A complexidade, ao que se vê, é questão ontológica mesmo, resulta da natureza jurídica do vínculo socioafetivo. É muito diferente conferir paternidade biológica e conferir paternidade socioafetiva. Numa metáfora, a distância entre uma e outra paternidade, seria como conferir fronteira delimitada por cerca de arame farpado e fronteira delimitada pelo centro do álveo do rio, respectivamente.

O Escritório de Advocacia Oton Nasser Advogados Associados, em Campo Grande-MS, representado nas pessoas de seus advogados familiaristas, subscreveram requerimento administrativo à Ordem dos Advogados no Estado de Mato Grosso do Sul, cujo expediente quis alertar para os riscos potencialmente provocados pelo Provimento nº 149/2017 (da Corregedoria do referido Estado), norma esta que permite o reconhecimento de paternidade socioafetiva por mera declaração do alegado pai ao Oficial do Registro Civil.

O escopo do documento produzido pela referida Banca de advocacia, teve por base a complexidade do instituto dessa paternidade versus a falta de proteção que, imagina-se, resulte da desburocratização exagerada (dispensa, inclusive, advogado). Em última análise, produziu-se referido documento na esperança de que a Ordem dos Advogados venha/viesse a exercer o seu papel de defesa da Constituição.

3.1 ALGUNS ASPECTOS PECULIARES DO DIREITO DE FAMÍLIA

É velha conhecida a peculiaridade do Direito de Família, enquanto sub-ramo do Direito Civil, senão, veja-se, em apertada síntese:

a)o Direito de Família é campo que exige interpretação especializada (daí os juízos especializados), não em vão, mas por ser campo orientado predominantemente por normas de ordem pública (Venosa, 2015), com notória interferência do Estado em pleno Direito privado, interferência esta, unicamente, com viés protetivo (Art. 226, CF: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”);

b)como exata decorrência da alínea anterior (intervenção protetiva), os negócios jurídicos de família possuem a indisponibilidade típica dos direitos da personalidade (Diniz, 2007), de modo que ditos atos, uma vez consumados, irradiam, ipso iure, toda a sua eficácia. É sabido que o sujeito não tem controle sobre tais efeitos, por resultarem da projeção já desenhada na lei.

3.2.A COMPLEXIDADE DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO

A paternidade socioafetiva é uma construção jurídica desafiadora, seja por se tratar de instituto ainda em seu frescor, seja pela complexidade abstrata desse vínculo paterno-filial.

A verificação desse vínculo, consoante doutrina autorizada, perpassa, basicamente, por três elementos: nome, trato e fama (Tartuce, 2015). Diferente da paternidade sanguínea, na socioafetividade predominam aspectos abstratos, subjetivos, tais quais a modernidade líquida de Bauman (2001).

Não bastasse a dificuldade dessa exigência (nomen, tractatus e reputatio), denota-se em Tartuce (2015), que, em verdade, esses elementos são apenas a premissa (ponto de partida, mesmo!) para se constatar o vínculo propriamente, que é a conferência da identidade psíquica (FREUD, 1974). Reconhecer a paternidade socioafetiva exige essa constatação do vínculo indelével bordado na alma do indivíduo, indo muito além do escopo de uma simples declaração de vontade. Essa paternidade é uma realidade inexorável, mas tão real quanto difícil de constatar, de aferir.

Nas academias (Graduação e Pós-Graduação), o tema é repercutido com insistência, com as investigações científicas que sua complexidade ontológica suscita, tornando objeto de centenas de trabalhos de conclusão de curso.

Na extensa literatura civilística brasileira, acirra-se o debate na busca dos contornos dessa parentalidade, que não pode ser testada com exame de D.N.A.; que perpassa necessariamente pela análise da construção cotidiana do vínculo, de cuja cotidianidade surge (nessa construção) o tratamento recíproco de pai e filho (é o elemento trato), que é notório aos olhos de todos (elemento fama), o que acaba, por força dessas circunstâncias (geradas naturalmente na cotidianidade da vida), levando ambos os vinculados a buscarem o registro dessa realidade fática (elemento nome).

Completam-se, assim, os requisitos que os doutores do Direito assinalaram como essenciais (nome, trato e fama), que, em verdade, resultam de uma situação fenomênica fática de contornos psicológicos categóricos da denominada (para os juristas) posse do estado de pai (mas, não só) e posse do estado de filho (vetor de mão dupla).

Veja-se que a paternidade socioafetiva não exprime uma convenção particular de vontade, mas, necessariamente, o reconhecimento dessa paternidade é a juridicização do vínculo (que já existe). Sobre a complexidade dessa análise, veja-se a lição de Tartuce (2015, p. 397), que após fazer referência a quinze doutrinadores, arremata: “Em suma, todos os principais Manuais de Direito de Família da atualidade analisam a questão”.

Para os juízos familiaristas, a análise da socioafetividade tem sido um desafio constante. A prática forense mostra que esse desafio leva os operadores a formar suas opiniões na perspectiva de laudos interdisciplinares, projetados da técnica dos núcleos psicossociais que lhes dão suporte.

Tem-se precedentes de casos que a instância superior fez retornar a matéria proba-pericial à primeira instância, para reexame, tal é o desafio que a socioafetividade enseja, a exemplo do acórdão gaúcho (TJRS, Processo 70011086956, 8ª Câmara Cível, Rel. Juiz José Ataídes Siqueira Trindade):
“[...] Paternidade socioafetiva. Em havendo alegação de erro no registro de nascimento da ré, sem relato de ‘adoção à brasileira’, deve ser oportunizada a instrução do feito, até para que seja conferida, também, a comprovação da paternidade socioafetiva, embora o duplo exame de DNA que excluiu a paternidade biológica. Sentença desconstituída, para que seja reaberta a instrução e investigada a paternidade socioafetiva. Apelação provida, por maioria”.

Dessarte, a paternidade socioafetiva exige análise, e mais, análise complexa, tal e qual a natureza do próprio instituto, deixando entrever, dantemão, que a via alternativa implica em risco, mormente quando provimentos desburocratizantes apelam às raias do exagero, ao ponto de dispensar, até mesmo, a presença do advogado.

3.3 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL PRECONIZADA REPROVA PROVIMENTOS DESBUROCRATIZANTES EM EXCESSO

O Art. 226 da Constituição, ao preconizar que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, certamente está a exigir cautelas extraordinárias na proteção das relações familiares, aí ínsito, por óbvio, o vínculo paterno-filial, que deve ser apreciado e reconhecido com a prudência minimamente hábil a produzir segurança jurídica.

No referido dispositivo, “[...] especial proteção”, que é discurso do constituinte, não é mero jogo semântico, mas cláusula geral de tutela constitucional, a exigir atenção redobrada nas questões que envolvem a família.

Nessa perspectiva, não é possível admitir que o reconhecimento de paternidade socioafetiva, a partir de simples declaração de vontade perante o Oficial do Registro Civil, atenda a esse critério constitucional. Entende-se que não é possível atender a esse parâmetro constitucional (repita-se), dispensando, inclusive, a presença do advogado, como franqueia o Provimento nº 149/2017, da Corregedoria Geral de Justiça de Mato Grosso do Sul.

Entende-se, nessa toada, ser inadmissível (pede-se máxima venia) que ato jurídico dessa monta seja praticado sem a presença de um único operador do Direito (um único que seja, no caso, o advogado).

O referido Provimento e tantos quantos consagrem esse nível excessivo de desburocratização, admitindo/garantindo que um homem se dirija ao cartório e declare que é pai socioafetivo de alguém, não passam pelo teste da constitucionalidade, vista esta sob o prisma (para o caso) da proteção e da segurança jurídica. Afinal, trata-se de matéria que exige parâmetros firmes, categóricos, seja por se tratar de direito da personalidade, seja pela irretratabilidade, seja pelos ricos efeitos que ex-surgem desse ato de reconhecimento.

Prima-se pela segurança jurídica, sobretudo, em matéria desse jaez. A falta de atenção adequada produzida por normas regimentais dessa estirpe cria um risco social elevado, que atinge - nada mais, nada menos - que a família nuclear, base e matriz social.

O homem que se declara pai socioafetivo, nos termos dessas normas regimentais desburocratizantes, ainda que (claro!) esteja movido da mais pura boa-fé, poderá arrepender-se a qualquer momento, quando constatar que cometeu um equívoco.

É do domínio científico e do senso comum a efemeridade atual das uniões matrimoniais, por exemplo, o que poderá ser motivo (com o desenlace) para o arrependimento desse reconhecimento inocente (ingênuo). Mas, não só uniões matrimoniais, como, também, ainda em maior número (talvez), uniões estáveis que se configuram e num sopro se extinguem.

É possível imaginar que, até como forma de conquistar a confiança do outro consorte, se ofereça como prova de amor o reconhecimento do enteado. Com o fim do “amor de Vinícius”, todavia, não se sabe em que medida esse desenlace poderia implicar no vínculo socioafetivo reconhecido (ou pseudo-vínculo).

Ainda na dimensão da segurança jurídica, aliada à proteção preconizada na Lei Maior, vale registrar, nesta análise, que a fraude grassa pelo país, de modo que esse reconhecimento de uma pseudo-socioafetividade poderia servir de porta à fraude contra a previdência, à medida que o aposentado que não tenha um beneficiário que o suceda, poderá, tranquilamente, “inventar” esse beneficiário que herdará a pensão, bastando que reconheça alguém como seu filho socioafetivo.

Esse reconhecimento ab hoc et ab hac (a torto e a direito) poderia, ainda, ser uma ferramenta à traficância de crianças, à prática de crimes contra pessoas menores, em hipóteses que nem se arrisca arrolar aqui, pela amplitude dos matizes ilícitos nas mentes perversas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo tem a simples, mas severa, pretensão de alertar sobre a possível inconstitucionalidade de normas regimentais (a exemplo do Provimento nº 149/2017, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul) que, na busca da desburocratização do acesso à Justiça, acaba por desbordar dos limites de proteção preconizados pela Lei Maior.

Percebe-se que o constituinte estabeleceu, dentre outras, a cláusula geral de tutela do Art. 226, preconizando a “especial proteção do Estado”. Surge, então, o desafio, que está em desburocratizar o reconhecimento do vínculo paterno-filial socioafetivo, por se tratar de matéria que, além de personalíssima (logo, indisponível), traz em sua compleição (análise ontológica) notória intangibilidade, com variáveis de difícil constatação e aferição.

Sabe-se que todo o enfado das jornadas desburocratizantes presta-se, mormente, à promoção da dignidade da pessoa humana. Nesse jaez, aplaude-se a desjudicialização enquanto atalho para essa promoção do sujeito, mas toque-se a trombeta de alerta frente a essas normas regimentais que se propõem a garantir o reconhecimento de paternidade socioafetiva, em cartório, sem, nem mesmo, a presença de advogado. O atalho pode virar caminho para o abismo da insegurança jurídica e consequentes lesões a direitos da personalidade, com reflexos sobre o sujeito declarante, sobre o filho reconhecido, sobre a família (enquanto célula e matriz) e, por consequente, sobre todo o organismo social.

BIBLIOGRAFIA
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PORTO, Delmiro. Paternidade socioafetiva reconhecida em cartório, sem assistência jurídica: proteção ou tiro no pé?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5523, 15 ago. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/64841>. Acesso em: 16 ago. 2018.