segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Justiça mantém anulação de testamento de milionário da Mega-Sena

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Publicado em 23/08/2018 - 06:22

Por Douglas Corrêa - Repórter da Agência Brasil Rio de Janeiro

Os desembargadores da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio negaram nessa quarta-feira (22) recurso de Adriana Almeida e Renata Senna, respectivamente viúva e filha do milionário da Mega-Sena Renee Sena, e do testamenteiro Marcos Pizarro contra decisão que anulou o último testamento feito por Renee antes de ele ser morto, em 2007. O documento foi anulado em fevereiro deste ano a pedido dos irmãos de René, que haviam sido excluídos.

Com a decisão, a cabeleireira Adriana Almeida, já condenada pela morte do companheiro, continua sem direito à herança.

Testamento

A 17ª Câmara Cível aceitou o recurso dos familiares de Renne Sena, assassinado em Rio Bonito, no interior do estado, e anulou o testamento em que eram beneficiárias a viúva Adriana Almeida, condenada pelo crime, e a filha dele, Renata Senna.

Segundo o desembargador Elton Leme, relator do processo, o testamento, feito em 2006 é nulo porque favorecia a viúva, que não estava legitimada a receber a herança em razão de ter sido condenada criminalmente pela morte dolosa de Renne.

Marcos Pizarro Ourivio, inventariante nomeado por Renne, também réu no processo, tinha interesse na celebração do ato, uma vez que era sócio-gerente da empresa que administrava os bens. Além disso, as testemunhas levadas por ele eram funcionárias da empresa.

Lavrador
O ex-lavrador Renne Senna ganhou R$ 52 milhões na Mega-Sena em julho de 2005 e foi assassinado quase dois anos depois, com quatro tiros, quando conversava com amigos na porta de um bar em Rio Bonito, onde morava. A viúva, Adriana Almeida, 25 anos mais jovem que Sena, foi apontada pela polícia como a mandante do crime, supostamente motivada pela herança.

O caso foi encerrado em dezembro de 2016, quando Adriana Almeida foi condenada a 20 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado. Ela era cabeleireira na cidade e foi levada por uma irmã da vítima a passar o natal na casa do milionário, que ele tinha adquirido num condomínio de luxo no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio. Durante a festa de fim de ano, Adriana se aproximou de Renne e começou a namorá-lo. Humilde, ele decidiu voltar para Rio Bonito, onde nascera, e, meses depois, se casou com Adriana, que começou a mandar em tudo, afastando Renne de seus irmãos e parentes e até da filha, que Renee tinha de um relacionamento anterior.

O ex-lavrador era diabético e teve de amputar as duas pernas, em consequência da doença. Ele andava em um quadriciclo pela cidade e tinha o hábito, de nos finais de semana, ir a um bar conversar e tomar cerveja com amigos, quando foi assassinado. Os matadores estavam em uma moto e fizeram diversos disparos contra Renne, que morreu na hora.

Edição: Graça Adjuto

Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-08/justica-mantem-anulacao-de-testamento-de-milionario-da-mega-sena

Credor hipotecário tem preferência em imóvel mesmo sem pedir penhora

O direito de preferência do credor hipotecário não exige a penhora sobre o bem. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que negou o pedido de preferência a um credor hipotecário porque ele não efetuou a penhora sobre o imóvel arrematado.
No caso, os autores promoveram ação de execução de título extrajudicial para cobrança de aluguéis. Houve a penhora de imóvel hipotecado, e a Caixa Econômica Federal, como credora hipotecária, requereu a habilitação de seu crédito, com preferência no levantamento de valores após a arrematação.
Em primeiro grau, o juiz rejeitou o pedido de preferência do credor hipotecário, por entender que, como não fez a penhora sobre o imóvel, seu crédito passou a ser quirografário (sem preferência em relação aos demais).
Com a decisão, mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a ordem de preferência no pagamento ficou estabelecida, de forma sequencial, ao condomínio, às fazendas públicas, aos exequentes e aos credores quirografários.
Ordem de preferência
A ministra Nancy Andrighi destacou julgamentos do STJ no sentido de que o exercício do direito legal de preferência independe do ajuizamento da execução pelo credor hipotecário, podendo ser exercido nos autos de execução ajuizada por terceiro.
“Convém salientar que, nos termos dos artigos 333, II, e 1.425, II, do Código Civil de 2002, a penhora do bem hipotecado em execução promovida por outro credor produz, na ausência de outros bens penhoráveis, o vencimento antecipado do crédito hipotecário, porque faz presumir a insolvência do devedor”, apontou a relatora.
Segundo a ministra, a exigência de que o credor hipotecário promova a execução da dívida como requisito para o exercício do direito legal de preferência traz como consequência o esvaziamento da própria garantia, tendo em vista que, se a hipoteca é extinta com a arrematação do bem, o crédito hipotecário seria ameaçado pela possível ausência do patrimônio.
Apesar de afastar a exigência da prévia penhora para o exercício do direito de preferência pelo credor hipotecário, a ministra ressaltou que a jurisprudência do STJ estabelece que o crédito resultante de despesas condominiais tem preferência sobre o crédito hipotecário. No mesmo sentido, lembrou a relatora, o crédito tributário tem preferência sobre qualquer outro, inclusive sobre o crédito condominial, ressalvados aqueles decorrentes da legislação do trabalho.
Com o provimento parcial do recurso especial, o colegiado fixou a seguinte ordem de pagamento: débitos tributários, despesas condominiais, dívida garantida por hipoteca e créditos quirografários. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.580.750
Revista Consultor Jurídico, 24 de agosto de 2018, 15h43
https://www.conjur.com.br/2018-ago-24/credor-hipotecario-preferencia-mesmo-pedir-penhora

A obrigação propter rem, uma figura frequente no Direito Ambiental

Por 
“Obrigação, derivado do latim ‘obligatio’, do verbo ‘obligare’ (atar, ligar, vincular), literalmente quer exprimir a ‘a ação de se mostrar atado, ligado ou vinculado a alguma coisa [...] Restritamente, como já a compreendiam os romanos, a obrigação revela-se como um vínculo que se estabelece entre duas pessoas determinadas em virtude do que uma delas deve uma prestação a outra, prestação que tanto pode constar de uma ação de uma abstenção.”[1]
Abstraindo a controvérsia teórica colocada pelos civilistas, a obrigação, em sua acepção mais comum, corresponde ao vínculo entre pessoas, que corresponde a um dar, fazer ou não fazer, denominada pelos romanos de ius in personam e que tem por objeto um fato. Ao lado dela se desenvolveram os direitos reais, o ius in re ou ius ad rem, que se caracteriza por um dever negativo de todos para com o sujeito e que tem por objeto uma coisa. Entre os juristas medievais medrou uma terceira categoria, a da chamada obligatio propter rem, que não era bem uma obligati’ nem um jus in re, uma preocupação de simetria ao criar-se a correspondência entre o ius ad rem e a obligatio ob rem.
“A ‘obligatio propter rem’ somente encorpa-se quando é acessória a uma relação jurídico-real, ou se objetiva numa prestação devida ao titular do direito real, nesta qualidade (‘ambulat cum domino’). E o equívoco dos que pretendem definir a obrigação ‘propter rem’ como pessoal é o mesmo dos que lhe negam a existência, absorvendo-a na real. Ela é uma obrigação de caráter misto, pelo fato de ter como a ‘obligatio in personam’ objeto, consistente em uma prestação específica; e como a ‘obligatio in re’ estar sempre incrustada no direito real.”[2]
A terminologia é expressiva: propter, como preposição, quer dizer “em razão de”, “em vista de”. A preposição ob significa “diante de”,“por causa de”; trata-se, pois, de uma obrigação relacionada com a coisa. (Venosa, 2012, p. 38). Resumindo e para efeito deste estudo, podemos dizer que a obrigação propter rem consiste em uma prestação específica incrustada no direito real; uma obrigação que ambulat cum domino e acompanha a propriedade conforme é transmitida ao novo titular. E, se ambulat cum domino, a transmissão da propriedade implica na extinção da obrigação do transmitente e na sua assunção pelo adquirente, que se torna o titular do direito real e da obrigação acessória decorrente.
A obrigação propter rem é figura frequente no Direito Ambiental e vem citada em inúmeros estudos acadêmicos e precedentes judiciais; mas interligada de modo algo confuso à ideia de uma obrigação objetiva ou de solidariedade, que não lhe pertencem, e sem diferenciar a diversa natureza das obrigações tratadas no Direito Ambiental: a obrigação de fazer ou não fazer, a multa administrativa, a multa cominatória e a indenização do dano ambiental. A pergunta é: são todas propter rem?
A obrigação mais relevante no Direito Ambiental é a de fazer ou não fazer, pois diretamente ligada à preservação da natureza: recompor, restaurar, não degradar. Essa é a obrigação propter rem em sua essência, pois envolve uma prestação pessoal do titular do direito real em prol da coisa em si e, como dizermos nesta seara, em prol do direito de todos ao ambiente ecologicamente equilibrado. A obrigação adere à propriedade, à sua função social, e transita (ambulat) de titular para titular, de modo que cada um a seu tempo deve prestá-la ainda que não tenha sido o autor da degradação; e como é uma obrigação acessória à propriedade que com ela transita, ela se extingue para o transmitente ao mesmo tempo em que passa, com titularidade da coisa, a obrigar o adquirente, o novo proprietário.
Não parece correto dizer que o transmitente continua obrigado como se vê aqui e ali; e a manutenção do transmitente no polo passivo das ações ou o prosseguimento da execução contra ele traz um inconveniente teórico (pois desconsidera ser uma obrigação acessória ao direito real, de que o transmitente não é mais o titular) e um inconveniente prático, pois configura de certo modo uma obrigação impossível, já que não cabe a quem não é dono interferir ou alterar a coisa que está na propriedade e ou posse de terceiro. Diz-se, em acréscimo e sem mais bem definir, que o vínculo do transmitente sobrevive por solidariedade, noção que não parece correta e que pretendo enfocar em outro momento.
Duas noções podem ser extraídas: uma, a transmissão da propriedade extingue a obrigação do transmitente no momento em que, acompanhando a propriedade, passa a obrigar o adquirente; outra, ela transita em apenas um sentido (do transmitente para o adquirente) e nunca no sentido inverso (do adquirente para o transmitente).
Merece meditação a obrigação de não fazer imposta em juízo. Ela obriga o réu e obrigará o adquirente, como visto acima; mas por quanto tempo? Obrigações são vínculos transitórios por natureza que se extinguem com o cumprimento; é por isso que o cumprimento implica na extinção da obrigação delineada na sentença (não na obrigação legal in fieri) e nova degradação será objeto de novo processo. Como a obrigação de não fazer é exatamente isso, um non facere, pode ser exigida a partir da mesma sentença indefinidamente, dezenas ou centenas de anos depois, de adquirentes sucessivos nesse período? Em outras palavras, se a obrigação de fazer imposta em sentença é transitória e se extingue, de algum modo em algum momento deve extinguir-se também a obrigação de não fazer nela imposta e a execução possa ser extinta, algo pouco analisado e que os doutos responderão.
A obrigação propter rem se destaca das obrigações pessoais propriamente ditas; por isso não assumem tal natureza as sanções judiciais e administrativas. A multa administrativa, como delineia com clareza o Superior Tribunal de Justiça, é subjetiva e pessoal; é imposta ao infrator e dele deve ser exigida, não do adquirente[3].
A multa cominatória tem natureza processual e implica em uma sanção pessoal pelo descumprimento da prestação determinada; transmite-se ao adquirente (a prestação, a obrigação e o prazo determinado), mas não o próprio descumprimento do transmitente e a sanção pecuniária que lhe caiba, de modo que a multa cominatória corre contra o adquirente a partir da transmissão da obrigação, pelo fato próprio. Em ambos os casos o adquirente responde pelo fato próprio, não pelo fato de terceiro.
Finalmente, a obrigação de indenizar em pecúnia ligada a um dano localizado no espaço e no tempo, é pessoal ou proter rem? Imagine-se, por argumentação, algo localizado no tempo e no espaço como o vazamento de efluente industrial para um curso d’água em um evento determinado (o rompimento de uma tubulação, por exemplo), em seguida controlado, ou a supressão não autorizada de vegetação. Há várias hipóteses: (a) a propriedade é transmitida antes de qualquer conduta administrativa ou judicial; (b) a propriedade é transmitida no curso do processo administrativo ou judicial em que a indenização acaba estabelecida; ou (c) a propriedade é transmitida depois da definição da indenização definida pela administração ou pelo juízo. Não há dúvida quanto à transmissão da obrigação de fazer (efetuar a recomposição ambiental); mas que destino dar à indenização, uma obrigação de dar (e não de fazer) que contempla também a sanção da conduta ofensiva (e sanção é pessoal por natureza) praticada pelo proprietário anterior? Fica a indagação, a enfocar em outro artigo.
Finalmente, a mesma imprecisão conceitual surge nos casos envolvendo terceiros, como a obrigação de fazer, a autuação administrativa ou multa cominatória imposta ao arrendatário, ao transportador ou a terceiro (pela qual pode responder o proprietário, mas não pela cláusula propter rem), a exigir um cuidado maior do jurista e, principalmente, do juiz ao imputar a responsabilidade e atribuir-lhe o contorno jurídico.


[1] DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, vol. III, 7ª Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1982, pág. 268.
[2] CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, vol. II, 3ª E. Forense, Rio de Janeiro, 1972, pág. 41/44.
[3] Tivemos um caso em que a prefeitura autuou e impôs uma multa administrativa por supressão não autorizada de vegetação, ocorrida anos antes, ao proprietário atual de um terreno. Afastamos a sanção, por entender que a natureza pessoal (e não propter rem) impedia a autuação, por esse motivo, de quem adquirira o terreno desmatado; o julgamento, por maioria, foi revertido em embargos infringentes quando a maioria equiparou a sanção pessoal ao dano e ao benefício auferido pelo adquirente. Não se discutiu a obrigação de fazer. Jaime dos Santos v. Prefeitura Municipal de Bertioga, AC 0001892-35.2008.8.26.0075, Tribunal de Justiça de São Paulo, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, 13/2/2014, rel. Torres de Carvalho. Embargos infringentes julgados em 2/10/2014, rel. João Negrini. Para confronto: "Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano" (o caso cuidava da autuação do dono da carga pelo derramamento de óleo causado pelo transportador, em um acidente de trânsito) (REsp 1.251.697/PR, rel. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 17/4/2012).
Ricardo Cintra Torres de Carvalho é desembargador do TJ-SP.
Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2018, 8h05
https://www.conjur.com.br/2018-ago-25/ambiente-juridico-obrigacao-propter-rem-figura-frequente-direito-ambiental

Necessidade de um modelo de avaliação do ativismo do STF

Por Rodrigo de Oliveira Kaufmann

Um dos temas mais prementes em matéria de jurisdição constitucional hoje no Brasil envolve as investidas do Supremo Tribunal Federal em assuntos da autoridade política do Congresso Nacional. A discussão em torno da função “legislativa” do STF está certamente inserida no plano maior da controvérsia da filosofia do direito constitucional que opõe neoconstitucionalistas de um lado e defensores de uma competência mais auto-limitada do tribunal.
Esse quadro de embate teórico cria a falsa perspectiva de que se está diante de um sistema binário de possibilidades de atuação do tribunal. Para os neoconstitucionalistas, adotar o regime clássico-tradicional seria acanhar o próprio regime de direitos trazido pela Constituição de 1988, especialmente diante de um Parlamento exageradamente conservador. Para os defensores do modelo auto-restritivo, a hipótese neoconstitucional traz o STF para o centro da atuação política, criando o paradoxo de que, em plena democracia, as principais decisões públicas caberiam a um órgão não só contramajoritário, mas — acima de tudo — aristocrático.
Diante desse desenho, as posições variam entre argumentos muito teóricos (mesmo que haja uma tentativa de ancorá-los na história) e argumentos muito casuísticos (na base da discordância pessoal e conjuntural com uma decisão específica do tribunal). Em ambos os caminhos, ignora-se a variedade de riquezas de casos que poderiam ser considerados, mesmo que em grau diferentes, decisões de ativismo judicial.
Parece razoável supor que a eventual atividade “legiferante” do STF deveria exigir em cada um desses graus condições especiais, requisitos e fundamentações extraordinárias específicas para cada conjunto de casos. Esse tipo de atividade do STF, quando contradiga literalidade da Constituição, deveria ser precedida de uma lista mais consistente de pré-requisitos para ser considerada, enquanto que a interpretação “criativa” do tribunal para compor ou completar mera lacuna de lei poderia pressupor apenas algumas exigências mínimas.
A Suprema Corte Americana acabou por desenvolver um modelo com esse tipo de preocupação — e que poderia ser inspiração para nós — quando fez surgir de sua jurisprudência ativista durante o Tribunal Waren o chamada strict scrutiny para examinar a Cláusula da Igual Proteção (Equal protection clause) prevista na Seção 2 da Emenda XIV[1]. Assim sendo, a Corte avaliou que determinados atos estatais que fizessem uso dos chamados “critérios suspeitos de diferenciação” deveriam se submeter a determinados requisitos substantivos especiais sob o risco de serem declarados inconstitucionais. Uma grande parcela das legislações estaduais de cunho racial foi declarada inconstitucional com base nesse escrutínio.
strict scrutiny se diferenciava das premissas corriqueiras de julgamento de inconstitucionalidade de atos normativos (o chamado rational basis test) e também de um terceiro grupo de casos que, embora exigissem mais do que a mera análise racional da pertinência do uso do fator de discriminação, pressuporia mais rigor na fundamentação (o chamado intermediate scrutiny)[2].
A questão interessante aqui é destacar a disposição de o tribunal elaborar uma espécie de metodologia para conduzir seus próprios julgamentos, tornando-os mais coerentes e com fundamentações mais claras. O critério de rigor na análise para a judicial review também permitiu ao grande público melhor estudar, monitorar e julgar a atividade desenvolvimento pela Suprema Corte. A gradação em três níveis com diferentes pré-requisitos de fundamentação tornou, em outras palavras, a Suprema Corte Americana mais consistente e permitiu que a eventual crítica a uma de suas decisões pudesse ser feita em bases teóricas mais sofisticadas.
Minha sugestão segue essa metodologia com a diferença de que, ao invés de o tribunal exigir condições especiais a serem respeitadas pela legislação federal ou estadual de modo a ser considerada constitucional (como no sistema rational basis test - intermediate scrutiny - strict scrutiny), o Supremo Tribunal Federal passaria a exigir premissas extraordinárias para justificar a sua própria decisão ativista ou de natureza legiferante nos vários níveis de julgamento que um caso pode exigir. Essa medida certamente traria transparência à atividade da Corte ao mesmo tempo em que construiria robustez e consistência à sua própria jurisprudência.
Quais seriam essas tais premissas especiais a serem respeitadas? Ora, tais premissas são aquelas dedutíveis das próprias críticas que o tribunal recebe quando exagera em seus julgamentos ativistas. Também poderiam considerar preocupações institucionais relacionadas ao próprio princípio da separação de poderes (artigo 2º da CF) e aos esforços do Executivo e do Legislativo para resolver o problema apresentado. Também não se deve afastar que a consistência de um julgamento está intimamente relacionada ao ato normativo objeto da análise do tribunal, tanto à sua hierarquia no ordenamento, quanto ao tipo e envergadura da “lacuna” nele identificada.
Em outras palavras, o tribunal, antes mesmo de decidir, precisa diagnosticar o caso que está sob sua responsabilidade, demonstrando ao público, à comunidade jurídica e política e aos próprios ministros que entende bem o que está em jogo, conhece as consequências de sua futura decisão e se tem condições técnicas ou políticas de decidir aquele tema. Essa é inclusive a preocupação de fundo quando se critica o STF por sua atuação ativista ou legiferante. Isso porque a necessidade de uma decisão criativa do tribunal não deve se sustentar em algum tipo de apelo teórico, militância política ou vaidade acadêmica, mas apenas no auto-convencimento de que não restam outros caminhos, de que se uma decisão não for dada, consequências graves, imediatas e concretas ocorrerão para o sistema político, para o exercício de direitos ou para as bases do modelo econômico.
Assim, de forma a balizar essa preocupação que deveria ser do STF, para nortear e estabelecer os limites e a responsabilidade do tribunal em relação ao que julga, algumas perguntas — transformadas em algum tipo de checklist a exigir uma fundamentação mais sofisticadas e profunda — poderiam ser colocadas. Por exemplo:
1. A interpretação criativa tem como foco a Constituição ou a lei?
2. Há texto expresso (literal) em sentido contrário ao que se quer decidir?
3. Trata-se de questão sobre a qual o Congresso Nacional já decidiu recentemente ou está em processo de discussão?
4. O tribunal está diante de um problema prático e urgente ou está diante de mera divergência teórico-doutrinária com pouco impacto concreto imediato?
5. O tribunal está decidindo um caso concreto ou está julgando uma lei em abstrato?
6. O tribunal dispõe de dados, informações ou elementos objetivos seguros para uma decisão? Há divergência em relação à consistência ou resultados das pesquisas e dados informações ao tribunal?
7. Há algum tipo de consenso científico em torno da questão?
8. A eventual decisão do tribunal criará problemas institucionais graves, seja na relação entre os Poderes, seja no próprio modelo federativo?
9. O tribunal dispõe de expertise econômico, orçamentário ou financeiro para a decisão, tendo claro a avaliação de custos e de benefícios da medida que será objeto da decisão?
Tais questões (além de outros que podem ser ainda propostas), se respondidas adequadamente pelo Tribunal, podem desenhar uma quadro mais exato dos riscos e responsabilidades da Corte com uma decisão ativista.
Não seria razoável, do ponto de vista jurídico, político e institucional, que o STF se arvorasse em uma decisão contrária ao texto literal da Constituição, especialmente se a questão tratada não fosse urgente ou de consequências imediatas graves. Estaríamos claramente diante de uma espécie de abuso da jurisdição constitucional. Da mesma forma, seria contra-indicado alguma decisão do tribunal em tema já recentemente discutido pelo Parlamento e para cuja solução os dados disponíveis não fossem absolutamente consistentes e confiáveis. Ainda nesse mesmo grupo de casos, estaria aquele por meio do qual o tribunal fosse obrigado a decidir para resolver contenda teórica ou abstrata, com graves riscos para a divisão e harmonia dos poderes.
Por outro lado, uma decisão ativista, mesmo que integrasse lacuna da Constituição, poderia ser mais aceitável se, em relação a ela, houvesse consenso científico, dados confiáveis e um problema prático real a ser evitado ou mesmo o estabelecimento de normas e regras para completar um hiato legislativo de maneira a trazer equilíbrio financeiro e proteção de algum grupo subjulgado.
É importante destacar que a função “legiferante” do STF não deixa de ser uma aspecto quase que ontológico da interpretação judicial, aliás como já bem reconhecia Lúcio Bittencourt em seu famoso texto de 1943[3]. Ocorre que essa “atribuição” somente se encaixa no modelo da separação de poderes se exercida com parcimônia e equilíbrio. O ativismo não pode ser visto como algum tipo de consectário natural de um Tribunal sedento por reconhecer direitos e gravar o seu nome na história. Ao contrário, ele somente se justifica a partir da necessidade premente e pragmática de uma decisão excepcional do STF quando está diante de um contexto crítico e singular.

[1] Embora sua origem primária esteja localizada antes do Tribunal de Earl Warren (como em casos como Skinner v. State of Oklahoma, ex. rel Williamson, 316 U.S. (1942)), foi a partir de 1953 que esse “método” de abordagem ganhou corpo, especialmente em casos como Brown v. Board of Education, 347 U.S. 483 (1954), Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479 (1965), One, Inc. v. Olesen, 301 U.S. 340 (1958) e Sherbert v. Verner, 374 U.S. 398 (1963);
[2] Craig v. Boren, 429 U.S. 190 (1976); Mississippi University for Women v. Hogan, 458 U.S. 718 (1982);
[3] BITTENCOURT, C. Lúcio. A interpretação como parte integrante do processo legislativo. In: Revista Forense, edição comemorativa dos 100 anos. Volume 1 – Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, pág. 55;
 é professor de Direito Constitucional e de Filosofia do Direito em cursos de graduação e pós-graduação em Brasília. Foi assessor e chefe de gabinete de três ministros do Supremo Tribunal Federal. Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Direito e Estado (UnB). É membro do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional.
Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2018, 14h10
https://www.conjur.com.br/2018-ago-25/observatorio-constitucional-necessidade-modelo-avaliacao-ativismo-stf

STJ: Prazo para usucapião pode ser completado no decorrer do processo judicial

É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel na hipótese em que o prazo exigido pela lei para fazer o pedido é implementado no curso da respectiva ação judicial, ainda que o réu tenha apresentado contestação.
Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar recurso especial decorrente de ação cujo autor visava o reconhecimento da usucapião extraordinária de imóvel sob a alegação de possuir posse mansa, pacífica e contínua do bem por mais de 17 anos, conforme estabelecido pelo artigo 1.238 do Código Civil de 2002.
O pedido foi julgado improcedente no juízo de origem, que entendeu que o caso se enquadra no artigo 550 do Código Civil de 1916 e, em razão disso, o prazo para a usucapião extraordinária é de 20 anos. O autor apelou, mas a apelação não foi provida.
Para o autor, a ação de usucapião tem natureza declaratória e, por isso, ainda que se considerasse o prazo estabelecido no Código Civil de 1916, nada impediria que a propriedade pela usucapião fosse declarada quando o prazo de 20 anos se completasse durante o curso do processo, como ocorreu no caso.
Economia processual
No STJ, o ministro relator do processo, Villas Bôas Cueva, acolheu a alegação do recorrente e entendeu que é possível complementar o prazo da usucapião no curso da demanda judicial, visto que “é dever do magistrado levar em consideração algum fato constitutivo ou extintivo do direito ocorrido após a propositura da ação, podendo fazê-lo independentemente de provocação das partes”, conforme o artigo 462 do Código de Processo Civil de 1973.
“O legislador consagrou o princípio de que a decisão deve refletir o estado de fato e de direito no momento de julgar a demanda, desde que guarde pertinência com a causa de pedir e com o pedido”, afirmou o magistrado.
Para o ministro, com essa conduta evita-se que o Judiciário seja demandado novamente para apreciar a existência de direito que já poderia ter sido reconhecido se o juiz tivesse analisado eventual fato constitutivo superveniente, o que é compatível com “os princípios da economia processual e da razoável duração do processo”.
Contestação
Villas Bôas Cueva também destacou que a citação feita ao proprietário do imóvel não é suficiente para interromper o prazo da prescrição aquisitiva, a não ser na situação “em que o proprietário do imóvel usucapiendo conseguisse reaver a posse”.
“Incumbe ressaltar que a contestação apresentada pelo réu não impede o transcurso do lapso temporal. Com efeito, a mencionada peça defensiva não tem a capacidade de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo autor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião. Contestar, no caso, impõe mera oposição à usucapião postulada pelos autores, e não à posse”, disse. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.361.226
Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2018, 8h32
https://www.conjur.com.br/2018-ago-25/prazo-usucapiao-completado-decorrer-acao-judicial

Condenados por homicídio devem indenizar namorada e filha de vítima

Considerando a profundidade do relacionamento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legitimidade da namorada de uma vítima de homicídio para propor ação indenizatória por danos extrapatrimoniais.
Segundo a corte, a legitimidade para propor este tipo de ação é, em regra,  reconhecida restritivamente em favor dos parentes mais próximos da vítima. Porém, complementou diz o acórdão, em situações especiais, pode ser admitida a legitimidade de outras pessoas em face de sua especial afinidade com a vítima.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do STJ condenou dois homens, já condenados por homicídio, a pagar indenização e pensão mensal à companheira e à filha da vítima.
De acordo com os autos, os réus foram condenados em processo criminal, sendo o primeiro por homicídio culposo, reconhecido o excesso na legítima defesa. O segundo foi condenado por homicídio doloso a 14 anos de prisão pela prática de homicídio duplamente qualificado.
No recurso apresentado ao STJ, os réus questionaram o acórdão do TJ-RS argumentando que o reconhecimento da legítima defesa afastaria a responsabilidade de um deles pelos danos causados. Postularam ainda a redução do valor da pensão e a limitação do pagamento até que a filha da vítima alcance a maioridade.
Além disso, apontaram que a mulher não teria direito a indenização pois, apesar de ser a mãe da criança, teve apenas um relacionamento amoroso por um curto período com a vítima.
Obrigação certa
Segundo o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, incide no caso o artigo 935 do Código Civil, combinado com o artigo 91, inciso I,do Código Penal, “pois a condenação criminal torna certa a obrigação de indenizar”.
O ministro afirmou que, embora inicialmente agindo em legítima defesa, o réu passou a agressor quando excedeu nos meios de que dispunha para se defender, conduta que configurou o ato ilícito na esfera penal, resultando na condenação criminal e na cominação de pena restritiva de liberdade, cuja execução foi, posteriormente, suspensa em face da concessão de sursis.
“Em que pese o recorrente possa ter, em algum momento do chamado iter criminoso, estado em situação de legítima defesa, desde que dela passou a usar imoderadamente, ingressou na seara da ilicitude e, assim, da punibilidade penal e, consequentemente, adentrou no âmbito da compensação civil dos danos por ele causados”, disse.
Profundidade do relacionamento
Ao negar o recurso dos condenados, o relator concluiu que a companheira e a filha do falecido têm legitimidade para a propositura da demanda e fazem jus à indenização por danos materiais e morais.
Segundo o relator, conforme registrado pelo TJ-RS, apesar de não possuírem relação conjugal, o direito à indenização, ainda assim, não poderia ser negado, tendo em vista a profundidade do relacionamento havido e mantido entre a mulher e a vítima.
"Apesar de a coautora, quando da data do fatídico assassinato, não manter relação conjugal com o pai de sua filha, logrou a instância de origem identificar que a relação mantida com o falecido possuía profundidade suficiente a evidenciar o seu abalo com a morte daquele com quem dividia a paternidade da coautora", concluiu o relator.
Os valores da indenização (R$ 75 mil) e do pensionamento para a menor (80% do salário mínimo regional do Rio Grande do Sul), além dos prazos estabelecidos pela corte de origem, foram mantidos pelo ministro Sanseverino. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.615.979
Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2018, 15h09
https://www.conjur.com.br/2018-ago-26/condenados-homicidio-indenizar-namorada-vitima

Segue trecho do Relatório e Voto:

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência
     RECURSO ESPECIAL Nº 1.615.979 - RS (2015⁄0075411-0) RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : RICARDO DO AMARAL SIQUEIRA RECORRENTE : ABÍLIO ALVES SIQUEIRA ADVOGADO : ERIC RAFAEL JACQUES DE MATTOS  - RS061292 RECORRIDO : D I F R REPR. POR : L M I F ADVOGADOS : ITAÚBA SIQUEIRA DE SOUZA JUNIOR  - RS048444   PAULO ODILON R DA SILVA  - RS049277 REPR. POR : LISIANE MEDIANEIRA IENSEN FOGAÇA   RELATÓRIO   O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
(...)
"b) Direito à indenização pelos danos morais:
Os recorrentes, aqui, alegam que a coautora, mãe da filha do falecido e que com ele não mantinha relação conjugal, seja mediante casamento, seja mediante união estável, não teria direito à indenização pelos danos morais decorrentes de sua morte. O acórdão, no que respeita, é claro - e sua conclusão se revela escorreita -, no sentido de que, apesar de união estável inexistir à época do passamento, o direito à indenização, ainda assim, não poderia ser negado, tendo em vista a profundidade do relacionamento havido e mantido entre a autora e o falecido. A propósito: Na espécie, acresço que a despeito de não ter sido reconhecida a união estável entre a demandante LISIANE e o falecido GUILHERME, tal situação não é suficiente para afastar a indenização por danos morais.   "Ora", o caso em comento guarda questão sui generis, qual seja, a existência de um relacionamento entre as mencionadas pessoas, fato que culminou com o nascimento de uma criança - circunstância que diz com a continuidade da geração familiar.   A moldura fática do vínculo havido entre a coautora LISIANE e o falecido reflete mais do que um mero namoro mantido entre um jovem casal, tratando-se de ocorrência mais peculiar e que guarda maior profundidade emocional e afetiva.   Inegável, pois, o sofrimento extrapatrimonial decorrente da morte de pessoa com a qual manteve íntimo envolvimento do qual resultou o nascimento de uma descendente, circunstância que certamente rememorará a demandante do já mencionado vínculo afetivo. Dito assim, os abalos extrapatrimoniais, na espécie, se têm tanto pelo abalo próprio, como também por ricochete.   Em sede doutrinária, já defendi que a definição da legitimidade das vítimas por ricochete em face do dano morte apresenta grande relevância prática, em face da necessidade de se limitar o leque de pessoas atingidas reflexamente pelo evento danoso e, assim, de legitimados para postular a correspondente compensação. A propósito, ponderei ( in Princípio da Reparação Integral , Ed. Saraiva, 1ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: 2011, p. 294): Fatos graves, como a morte trágica de uma pessoa em desastre aéreo ou em acidente de trânsito, afetam drasticamente não apenas os parentes próximos (filhos, pais, cônjuge, irmãos), mas também atingem fortemente os amigos do falecido e demais familiares mais distantes. A dificuldade está em estabelecer os limites de parentesco ou de amizade para o reconhecimento da ocorrência desse dano extrapatrimonial pelo prejuízo de afeição, o que é relevante para efeito de se fixar a legitimidade para a propositura da ação indenizatória.   Analisando o direito comparado, conclui que a questão da legitimidade é enfrentada, com profundidade, pelo direito francês: Após uma fase inicial permissiva, a jurisprudência francesa, a partir de 1931, restringiu a legitimidade, passando a exigir a presença de dois requisitos: a) liame de parentesco; b) dano-morte. A jurisprudência posterior evoluiu para um ponto intermediário, exigindo a comprovação pelo terceiro interessado do seu especial sofrimento com o evento danoso. Atualmente, a jurisprudência francesa renunciou a critérios excessivamente rígidos, sendo exigido apenas pela Corte de Cassação que os prejuízos invocados pelo terceiro sejam pessoais, certos e lícitos.   No direito português, o art. 496, n. 2 e 3, do seu CC⁄66 estabelece textualmente que: 2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.   No tocante ao direito brasileiro, concluí seguir-se a mesma linha do direito europeu, sendo a nossa jurisprudência bastante restritiva no reconhecimento da legitimidade para o ajuizamento de ação de indenização por danos morais, em que pese sensível às peculiaridades do caso. A legitimidade para a propositura da demanda indenizatória por danos extrapatrimoniais, em regra, é reconhecida em favor dos parentes mais próximos da vítima falecida (cônjuge, companheiro, pais e filhos), mas, ainda assim, poder-se-á admitir a legitimidade de outras pessoas em face de sua especial afinidade. A propósito, destaquei ( op. cit. p. 295): O cuidado que se deve ter é que o critério principal é o laço de parentesco ou afinidade, não se exigindo, diferentemente da pensão por morte, a demonstração de dependência econômica, pois o prejuízo extrapatrimonial derivado do dano-morte independe da classe social ou da condição econômica das vítimas por ricochete. O STJ, em acórdão relatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, em ação indenizatória por dano moral derivado da morte da vítima, após afastar a necessidade da prova da dependência econômica dos autores em relação ao falecido, reconheceu, "em face das peculiaridades da espécie", que "os irmãos e sobrinhos possuem legitimidade para postular a reparação pelo dano moral''. Em relação aos parentes próximos, a presunção é de que exista a relação de afinidade. Essa presunção, porém, não é absoluta, admitindo prova em sentido contrário (juris tantum). Essa orientação flexível mostra-se mais consentânea com o princípio da reparação integral, particularmente em sua função concretizadora, permitindo o reconhecimento pelo juiz de que outras pessoas diretamente afetadas pelo dano-morte também detenham legitimidade para a propositura da demanda indenizatória por extrapatrimonial (prejuízo de afeição).   Nesse panorama, tenho que o acórdão recorrido merece ser mantido, até mesmo porque, na forma com que foram fundamentadas as suas conclusões, a revisão não prescindiria da reanálise do contexto fático probatório enfrentado. É que, apesar de a coautora, quando da data do fatídico assassinato, não manter relação conjugal com o pai de sua filha, logrou a instância de origem identificar que a relação mantida com o falecido possuía profundidade suficiente a evidenciar o seu abalo com a morte daquele com quem dividia a paternidade da coautora. A responsabilidade que decorre da criação de filhos, notadamente em tempos atuais, em que o educar e proteger está se tornando cada vez mais difícil e complexo, quando dividida entre pai e mãe acaba por revelar-se tarefa menos árdua do que a atribuída a apenas um dos genitores. Apenas com base no fato de que não haveria uma relação conjugal entre a autora e o falecido, não se tem como concluir pela ausência de especial afinidade a fazer reconhecida a existência de danos morais indenizáveis na espécie. Ademais, alterar a conclusão da Corte local, porque estar-se-ia a exigir deste Tribunal Superior revisitar as provas coligidas no cursa da ação, é providência vedada, como já antecipei, na forma do enunciado 7⁄STJ. Mantenho, assim, o reconhecimento do direito da mãe da infante à indenização pelos danos morais."
Fonte: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/590370487/recurso-especial-resp-1615979-rs-2015-0075411-0/relatorio-e-voto-590370496?ref=juris-tabs

STJ reconhece dação em pagamento feitas por empresas controladas da Encol

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás e, por unanimidade, afastou a decretação de nulidade absoluta de dações em pagamento feitas em favor do Banco do Brasil por empresas controladas pela construtora Encol, cuja falência foi decretada em 1999.
Para o colegiado, a decretação judicial da desconsideração da personalidade jurídica após as dações não poderia resultar, de forma automática, na imposição retroativa de requisitos à validade de atos e negócios concluídos pelas regras vigentes à época da transação, a exemplo da exigência de certidão de débitos tributários da Encol.
O recurso julgado pela 3ª Turma teve origem em ação proposta pela Associação Nacional dos Clientes da Encol, objetivando a declaração de nulidade de dações em pagamento de imóveis feitas pelas empresas controladas pela Encol. As escrituras públicas de dação foram lavradas em 1996 e 1997.
Segundo a associação, a transação seria nula devido à não apresentação de certidões negativas de débitos tributários pela construtora, como consequência da desconsideração da personalidade jurídica das empresas controladas.
Apresentação obrigatória
Em primeiro grau, o magistrado julgou procedente o pedido da associação para declarar a nulidade das escrituras públicas de dação em pagamento, com a determinação de inclusão do crédito do banco no quadro geral de credores da falência da Encol, além da classificação do banco como credor com direito real de garantia.
A nulidade foi mantida pelo TJ-GO. De acordo com o tribunal, a transferência de bens imóveis integrantes do ativo permanente das empresas dadoras, e por consequência também da Encol, tornava obrigatória a apresentação de certidão negativa de débitos expedida pela construtora.
Interferência judicial
O relator no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que a desconsideração da pessoa jurídica é um instituto gradativamente construído pela doutrina e pela jurisprudência como forma de enfrentar os problemas decorrentes do reconhecimento de ampla autonomia às personalidades coletivas, especialmente nas hipóteses de confusão das esferas jurídicas, subcapitalização e de prejuízos sofridos por terceiros em virtude da utilização abusiva da personalidade jurídica.
No âmbito do procedimento de falência, prosseguiu o relator, a aplicação da desconsideração tem por finalidade estender a responsabilidade para aqueles que legalmente estariam, a princípio, excluídos da responsabilização, mas que, no momento do levantamento da autonomia da sociedade, são “identificados na fotografia da realidade empresarial”.
“Essa observação, por si só, tem o condão de inviabilizar a desconstituição de atos praticados entre a pessoa alcançada em razão da desconsideração e terceiros, ocorridos antes do ato da desconsideração, bem como antes do decreto de quebra e do termo legal de falência judicialmente fixado, ressalvada a desconstituição do ato ou negócio jurídico por reconhecimento de fraude”, afirmou Bellizze.
No caso dos autos, o relator apontou que, por via oblíqua, buscou-se a desconstituição do negócio sem que houvesse a caracterização de fraude ou qualquer outro vício de consentimento.
“Convém ainda notar que a dação em pagamento foi realizada para cumprimento de contrato, no qual os bens já estariam vinculados a título de garantia e cujas dívidas são também judicialmente reconhecidas, tanto que a sentença mantida pelo acórdão recorrido determina, em decorrência da declaração de nulidade da dação, a inclusão da dívida no rol dos credores falimentares”, concluiu o ministro ao afastar a decretação de nulidade das escrituras de dação em pagamento. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.455.636
Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2018, 17h50
https://www.conjur.com.br/2018-ago-26/stj-reconhece-dacao-pagamento-feitas-controladas-encol