segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Aula 1 (resumo) - Direito de Família

Direito de Família

Retrospectiva histórica da legislação pátria

O Código Civil de 1916 considerava a família merecedora de proteção apenas aquela advinda do casamento. Assim, apenas os membros da família originada do matrimônio eram considerados legítimos.
A Constituição Federal de 1988 conferiu proteção às entidades familiares e expressamente dispôs sobre a família advinda do casamento, da união estável e a monoparental. Pelo fato de só ter citado essas três formas de constituição de entidades familiares, grande discussão surgiu entre os doutrinadores acerca de essas hipóteses serem exemplificativas ou taxativas.
Em uma visão mais moderna, Flávio Tartuce (2012) considera que o texto constitucional reconheceu a formação das famílias plurais compostas por núcleos afetivos, que, portanto, merecem o reconhecimento como entidades familiares. O principal fator do núcleo familiar passa a ser o afeto.
O Código Civil de 2002 ampliou o conceito de família do Código revogado para abarcar também a união estável. Seguindo a Constituição Federal, reafirmou a igualdade entre os filhos (art. 227, § 6º, CF/88 e art. 1.596 Código Civil) e entre os cônjuges (art. 226, § 5º, da CF/88 e art. 1.511 do Código Civil).
Flávio Tartuce (2012) entende que essa igualdade de direitos e deveres dos cônjuges deve estar presente na união estável, também reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal.

Direito de Família sob a ótica constitucional

O tratamento do Direito de Família sob uma ótica constitucional implica em uma nova dimensão de tratamento dessa disciplina. Entre os vários princípios constitucionais que passaram a ser aplicados no âmbito familiar, destaca-se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, CF/88).
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana faz parte do fundamento do nosso Estado Democrático de Direito, tal como prevê a CF/88. É baseado nesse citado Princípio que a ótica do Direito de Família passa por uma despatrimonialização, o que gera a diminuição do patrimônio frente a pessoa. Como consequência, tem-se a personalização de tal ramo do Direito, tal como explica a autora Maria Berenice Dias (2015, p. 68):

Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela pessoa, ligando todos os institutos a realização de sua personalidade. Tal fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito.

Diante dessa visão, pode-se afirmar que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana traz não somente um limite para o ente estatal agir, mas, também, um direcionamento para a sua ação positiva. Com isso, quer se dizer que o Estado tem o dever de se abster da prática de atos atentatórios contra a dignidade humana, bem como deve agir no sentido de promover essa dignidade, assegurando o mínimo existencial para cada ser humano.
Essa forma de pensar trouxe como implicação jurídica o entendimento de que todas as entidades familiares mereceriam um tratamento igualitário, servindo de fundamento para os doutrinadores e julgadores conferirem proteção às famílias formadas por laços afetivos.
Ao longo do tempo, ocorreram muitas transformações no instituto familiar, sobretudo no que diz respeito à estrutura, pois este passou a ser composto por um núcleo fundamentalmente afetivo, motivo pelo qual, a Constituição Federal conferiu proteção à família e não mais tão-somente ao casamento.
É preciso dizer que as relações homoafetivas não estão protegidas de forma expressa no Código Civil, o que causa divergências de opiniões tanto entre doutrinadores quanto entre os julgadores. Os casos práticos foram sendo levados aos julgadores, que passaram a fundamentar suas decisões com base nos princípios, tal como prevê o artigo 4.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Outro princípio insculpido no art. 3º, I, CF/88 é o Princípio da Solidariedade Familiar, que justifica, entre outros, o pagamento dos alimentos no caso de sua necessidade, nos termos do art. 1.694 do Código Civil. Destaque-se que essa solidariedade não é só patrimonial, mas também afetiva e psicológica.
Há, ainda o Princípio do Melhor Interesse da Criança, que está previsto no art. 227, caput, da CF/88.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2016) citam vários princípios próprios do Direito de Família. Entre eles se encontra o Princípio da Afetividade, que implicou no reconhecimento do afeto como o principal fundamento das relações familiares. O afeto decorre da valorização constante da dignidade humana. Na jurisprudência nacional, o Princípio da Afetividade vem sendo muito bem aplicado, com o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, predominante sobre o vínculo biológico.
Esses doutrinadores também mencionam o Princípio da Função Social da Família, que estaria previsto no art. 226, caput, da CF/88 ao reconhecer a família como base da sociedade, com especial proteção do Estado. Ressalte-se que a jurisprudência, por diversas vezes, reconhece o imperativo de interpretação dos institutos privados consoante o contexto social.

Família

Segundo Pablo Stolze, “Trata-se, em nosso sentir, de um ente despersonalizado, célula-mater da sociedade, cuja definição é ditada pelo vínculo de afetividade que une as pessoas, não cabendo ao Estado definir, mas, tão-somente, reconhecer esses núcleos (típicos ou não).”.
Citando Maria Berenice Dias, Pablo Stolze diz que:

Hoje, podemos afirmar que o conceito de família é socioafetivo (porque somente se explica e é compreendido à luz do princípio da afetividade), eudemonista (pois, como decorrência da sua função social, visa a realizar o projeto de felicidade de cada um dos seus integrantes e anaparental (podendo ser composta, inclusiva, por elementos que não guardem, tecnicamente, vínculo parental entre si).

Casamento

Pressupostos de Existência: o consentimento e a celebração por autoridade materialmente competente.

Obs. Fizemos interpretação dos seguintes artigos do Código Civil:

Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Art. 1.512. O casamento é civil e gratuita a sua celebração.
Parágrafo único. A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.
Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.
Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.
Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.
§ 1o O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.
§ 2o O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532.
§ 3o Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil.

Bibliografia
 DIAS. Berenice. Manual de Direito das Famílias – Princípios do Direito de Família. 10ª ed. São Paulo: RT, 2015. 
 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: direito de família - as famílias em perspectiva constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
 TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Direito de família. São Paulo: Editora Método. 2012.

Mesmo sem registro, contrato de união estável pode discutir comunhão de bens

Ainda que sem registro público, os contratos de convivência em regime de união estável e relações patrimoniais são válidos —  inclusive aqueles que se assemelham ao regime de comunhão universal de bens.
Assim entendeu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer a dissolução de uma união estável e determinar a partilha de bens pelo regime da comunhão universal, conforme contrato estabelecido entre os conviventes.
A sentença já havia seguido a mesma tese, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina afastou a validade do pacto nupcial por entender que os contratos de convivência devem ser restritos à regulação dos bens adquiridos na constância da relação.
A corte catarinense também concluiu que a simples vontade das partes, por meio de contrato particular, não é capaz de modificar os direitos reais sobre bens imóveis preexistentes à união, inviabilizando a escolha pelo regime da comunhão universal.
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, reafirmou seu entendimento de que as regulações restritivas próprias do casamento não podem atingir indistintamente as uniões estáveis, caso não haja razão baseada em princípios jurídicos ou na “proteção de valores socialmente benquistos”.
Segundo ela, a liberdade conferida aos conviventes para definir questões patrimoniais deve se pautar apenas nos requisitos de validade dos negócios jurídicos, conforme regula o artigo 104 do Código Civil.
“Quanto ao ponto, é de se anotar que, diferentemente do que ocorreu na regulação do regime de bens dentro do casamento, o Código Civil, no que toca aos conviventes, laconicamente fixou a exigência de contrato escrito para fazer a vontade dos conviventes, ou a incidência do regime da comunhão parcial de bens, na hipótese de se quedarem silentes quanto à regulação das relações patrimoniais”, afirmou a relatora.
Formalização por escrito
A ministra também disse que nem mesmo a regulação do registro de uniões estáveis, com o Provimento 37/14 do Conselho Nacional de Justiça, exige que a união estável seja averbada no registro imobiliário correspondente ao dos bens dos conviventes. Por consequência, no caso concreto a relatora entendeu que foi cumprido o único requisito exigido para a validade do contrato — a formalização por escrito.
“É dizer: o próprio subscritor do contrato de convivência, sem alegar nenhum vício de vontade, vem posteriormente brandir uma possível nulidade, por não observância da forma que agora entende deveria ter sido observada, e que ele mesmo ignorou, tanto na elaboração do contrato, quanto no período em que as partes conviveram em harmonia”, concluiu a ministra ao restabelecer a sentença. O número do processo não foi divulgado, porque o caso tramita em segredo judicial. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 3 de fevereiro de 2017, 10h16
http://www.conjur.com.br/2017-fev-03/contrato-uniao-estavel-registro-discutir-regime-patrimonial

Sogra continuará sendo sogra vida afora, pois a afinidade não se extingue

Por 
Sogra e genro, como personagens amantes vintenários, existem em novela justamente para repúdio de situações incestuosas que a própria lei reprime.
Vejamos: extinto o vínculo conjugal ou convivencial, por eventual morte, divórcio ou ruptura da união estável, cônjuges ou companheiros colocam-se no pretérito, seguindo-se as vidas de ambos ou a de um deles. Entretanto, segundo a lei, tal fato jurídico não faz cessar a relação parental (por afinidade) entre genro e sogra (artigo 1.595, parágrafo 2º, Código Civil). A sogra é legítima, a afinidade não se extingue e ela continuará sendo sogra vida afora.
A cada união, o homem haverá de acumular sogras, em perfeita harmonia intertemporal; divorciado ou viúvo da primeira esposa, não poderá casar com a mãe daquela ou com qualquer outra que se lhe seguir como sogra. No ponto, a doutrina assinala: há um vínculo perpétuo que configura o impedimento matrimonial do artigo 1.521, II, do Código Civil (Flávio Tartuce, 2011).
Para além da relação parental dos afins, a sogra é legítima em ação de indenização por dano moral decorrente da perda do genro. O Superior Tribunal de Justiça confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro admitindo a legitimidade ativa da sogra, como autora de uma ação indenizatória por morte do genro, vítima de acidente de trânsito. As instâncias ordinárias concluíram que "a relação de constância e proximidade existente entre vítima e autora foi devidamente comprovada", quando o genro "residia com a sogra, na residência da mesma, e era ela quem cuidava dos netos" (STJ – 4ª Turma, REsp 865.363-RJ, j. em 21/10/2010).
Expressou, então, o ministro relator, Aldir Passarinho Júnior: "Daí a particularidade da situação a, excepcionalmente, levar ao reconhecimento do dano moral em favor da 1ª autora". É fato que no reportado julgado preponderantes foram as peculiaridades do caso; todavia, não há negar que as indenizações serão devidas, sempre que as circunstâncias fáticas indicarem o dano moral sofrido.
A esse propósito, o Superior Tribunal de Justiça pronunciou, mais adiante, que "o direito à indenização, diante de peculiaridades do caso concreto, pode estar aberto aos mais diversificados arranjos familiares, devendo o juiz avaliar se as particularidades de cada família nuclear justificam o alargamento a outros sujeitos que nela se inserem, assim também, em cada hipótese a ser julgada, o prudente arbítrio do julgador avaliará o total da indenização para o núcleo familiar, sem excluir os diversos legitimados indicados" (STJ – 4ª Turma, REsp 1.076.160, j. em 10/4/2012, DJe 21/6/2012 - RT vol. 924 p. 767).
No ponto, o ministro relator, Luís Felipe Salomão, ressaltou que “a mencionada válvula, que aponta para as múltiplas facetas que podem assumir essa realidade metamórfica chamada família, justifica precedentes desta Corte que conferiu legitimação ao sobrinho e à sogra da vítima fatal”.
A sogra também é legítima no direito sucessório. Suficiente observar, na sucessão legítima e em falta de descendentes, deferir-se a ordem da vocação hereditária, aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge (artigo 1.829, II, Código Civil). No mais, situa-se o exemplo: embora somente os filhos do herdeiro pré-morto sejam titulares na sucessão do avô paterno; em falecendo uma das filhas desse herdeiro após a abertura da sucessão, casada em qualquer que seja o regime de bens e sem filhos, o cônjuge concorre com o ascendente e, na hipótese, a mãe da filha falecida, na forma do artigo 1829, II, do Código Civil. (TJ-RJ, 13ª. CC, Apelação Cível 0001213-42.2005.8.19.0202). Em menos palavras: o viúvo terá seu direito sucessório exercido, de maneira concorrente, com o da sogra.
A sogra também é legítima em relações obrigacionais, havida como beneficiária à retomada do imóvel locado e abrangido pela comunhão de bens do casamento (STJ - 5ª Turma, REsp 36.967/SP, j. em 15/9/1993), porquanto a afinidade parental de primeiro grau em linha reta a faz equivalente ao ascendente (STJ - 5ª Turma, REsp 36.365-MG, j. em 18/8/1993).
Também aparece legitimada em percepção de alimentos, com dedução das verbas pagas perante o Imposto de Renda, em razão de acordo judicial (STJ – 1ª Turma, REsp 1.173.538 /MG, j. em 21/10/2010), e coloca-se igualmente legitimada na sua relação com o genro para os fins da Lei Maria da Penha, em interpretação extensiva do inciso III do artigo 5º da mencionada lei, como destinatária de proteção, independentemente de coabitação (TJ-RS – 1ª Câmara Criminal, Conflito de Jurisdição 70043571595, j. em 17/8/2011).

Diversas as representações da sogra, como a literária em Aloísio de Azevedo (1895) — onde a viúva independente planejara a vida conjugal da filha, a inibir frustrações que tivera em projeto de uma vida feliz — ou a da sociologia jurídica de família — em torno do marido, como filho único de mãe solteira —, em todas elas, porém, é certo que no multifacetado fenômeno das relações jurídico-familiares a sogra será sempre legítima.
Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa (FDUL). Preside a Comissão de Magistratura de Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam).
Revista Consultor Jurídico, 5 de fevereiro de 2017, 7h20
http://www.conjur.com.br/2017-fev-05/jones-figueiredo-alves-sogra-continuara-sendo-sogra-vida-afora

Alimentos compensatórios: nem só de pão vive o homem

Por 
No mundo jurídico, alimentos é uma expressão técnica que designa uma verba destinada àquele que não pode prover por si mesmo sua subsistência. É também conhecido como pensão alimentícia. Decorre da solidariedade que deve existir nos vínculos parentais e conjugais. Mas pode também nascer a obrigação jurídica, de testamento, ato ilícito e contrato. A Emenda Constitucional 64/2010 alterou o artigo 6º da Constituição como um direito social, o que reforça a sua amplitude e importância como direito fundamental e atributo da dignidade da pessoa humana.
O valor dos alimentos são fixados de acordo com a necessidade de quem recebe e a possibilidade de quem paga. Mas o que é a necessidade? É apenas o mínimo para subsistência? Eis aí uma questão que a doutrina e a jurisprudência tem evoluído bastante. Afinal, “nem só de pão vive o homem”, e aqui nos socorremos, novamente, à arte (poesia) para ajudar a pensar melhor o direito, com a música dos Titãs: A gente não quer só comida/ A gente quer comida/ Diversão e arte (...). Portanto, a necessidade vai além de arroz e feijão, e pode variar de acordo com o padrão de vida das partes envolvidas, tal como anunciado no CCB, pois deve ser estabelecido de modo compatível com a sua condição social (artigo 1.694).
A história das pensões alimentícias mostra que uma das partes fica sempre insatisfeita: quem paga, na maioria das vezes, acha que está pagando muito, e quem recebe sempre acha que está recebendo pouco. Para além dos aspectos objetivos, e do binômio necessidade/possibilidade, há toda uma carga de subjetividade que permeia tais relações e faz relativizar o justo. A pensão para os filhos, por exemplo, vem sempre acompanhada da sensação, por parte de quem paga, de que parte vai para o sustento da ex-mulher, ou que o valor é excessivo e antipedagógico. Mas não tem jeito. Isso sempre foi e continuará sendo assim. A novidade, na evolução da ideia e conceito de alimentos, está na relação entre ex-cônjuges e ex-companheiros.
A primeira delas é que a discussão de culpa, especialmente após a Emenda Constitucional 66/2010, que simplificou o divórcio, extirpou o inadequado e inútil instituto da separação judicial, se desatrelou da ideia de alimentos. Não faz sentido condenar alguém a não ter como sobreviver porque não se comportou bem no casamento/união estável. Alimentos saiu do campo da moralidade e foi para o campo da ética. Um ex-cônjuge/companheiro perde o direito a receber alimentos não por ter tido uma relação extraconjugal, mas porque dele não necessita ou se os seus atos forem considerados indignos (artigo 1.708, parágrafo único, CCB), tal como já acontecia no direito das sucessões com a deserdação. A indignidade ainda é assunto pouco explorado pela doutrina e jurisprudência no Direito de Família. O seu conceito traz consigo uma carga de subjetividade e relatividade perigosa que fica no limiar da moral/moralismo e a ética.
A segunda é a pensão alimentícia compensatória, cujo conceito se aproxima e até se mistura a uma natureza indenizatória. Ela tem por objetivo compensar o ex-cônjuge/companheiro e evitar uma queda brusca no padrão de vida em razão do fim do casamento/união estável, especialmente quando não houver partilha e em razão do regime de bens, ou enquanto não se fizer a partilha.
A pensão alimentícia compensatória surge e ganha força no ordenamento jurídico brasileiro em consequência do comando constitucional de reparação das desigualdades entre ex-cônjuges/companheiros, sob o manto de uma necessária principiologia para o Direito de Família. O desfazimento de um casamento ou união estável, especialmente aqueles que se prolongaram no tempo e tiveram uma história de cumplicidade e cooperação, não pode significar desequilíbrio no modo e padrão de vida pós-divórcio e pós-dissolução da união estável. As normas jurídicas que dão suporte e autorizam a pensão compensatória advêm dos princípios constitucionais da igualdade, solidariedade, responsabilidade e dignidade humana. As normas infraconstitucionais, mais especificamente o artigo 1.694 do CCB 2002, bem como a melhor jurisprudência e o Direito Comparado, apresentam-se também como fontes obrigatórias para a compreensão e desenvolvimento do raciocínio jurídico dessa modalidade de pensionamento (Cf. Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado. Ed. Saraiva. p. 83 — de minha autoria).
Nas sociedades capitalistas e patriarcais, é comum atribuir-se valor apenas à força de trabalho que produz mercadorias e rendas. Em outras palavras, atribui-se valor apenas àquilo que traduz um conteúdo econômico. E, assim, o trabalho doméstico, historicamente desenvolvido pelas mulheres, nunca recebeu seu devido valor. Nunca se atribuiu a ele um conteúdo econômico. Entretanto, não é possível a existência de sociedades e famílias sem esse necessário trabalho doméstico. Mesmo que se delegue a empregados os cuidados e fazeres domésticos, a administração, o cuidado, o olhar, o afeto e a energia ali despendida para que se crie filhos saudáveis, é necessário que, ao menos um dos pais se dedique mais a essa função. Contudo, como isso não gera renda ou produz dinheiro, tal função ganhou uma importância inferior à de quem trabalha fora de casa. E, assim, a importância e o verdadeiro valor da força de trabalho para a criação e educação de filhos são invisíveis. E, assim, a pensão compensatória surge como uma ação afirmativa para diminuir essas desigualdades.

A obrigação alimentar compensatória se extingue com a morte do alimentário ou com a ausência de necessidade compensatória, seja em razão de abrupta queda da possibilidade do alimentante, seja pelo repasse integral de numerário, tornando-se isonômicas as realidades, ou mesmo pela desnecessidade do alimentário decorrente de fator superveniente ao padrão posto em análise no momento da fixação.
Rodrigo da Cunha Pereira é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), mestre (UFMG) e doutor (UFPR) em Direito Civil e autor de livros sobre Direito de Família e Psicanálise.
Revista Consultor Jurídico, 5 de fevereiro de 2017, 8h00
http://www.conjur.com.br/2017-fev-05/processo-familiar-alimentos-compensatorios-nem-pao-vive-homem