quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Família não consegue dano moral por acidente de trabalho de terceirizado

Decisão é do TRT da 15ª região.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

A 2ª câmara do TRT da 15ª região excluiu da condenação de uma empresa o pagamento de dano moral à família de trabalhador morto em acidente de trabalho. O colegiado verificou que o motivo do acidente não tem qualquer ligação com o descumprimento das normas legais, contratuais, regulamentares, técnicas por parte do empregador.
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Os familiares ajuizaram ação pleiteando, dentre outros pedidos, indenização por dano moral decorrente de acidente de trabalho. Consta nos autos que o homem estava prestando serviços na empresa, fazendo substituição de uma tampa da caldeira, quando ela caiu em cima dele próprio, ocasionando-lhe a morte.
Em 1º grau, o pedido de dano moral foi deferido em R$ 80 mil.
Ao analisar o caso, a juíza Dora Rossi Góes Sanches, relatora, excluiu a condenação por danos morais. A magistrada afirmou que o laudo de inspeção e análise de acidente mostrou que a talha e o cavalete utilizados na operação de retirada da tampa da caldeira pertenciam ao obreiro falecido.
Para ela, a falha do equipamento para elevação se deu sem responsabilidade da empresa, cujos trabalhos na caldeira estavam sendo realizados por “profissional capacitado e autônomo, devidamente contratado para tanto, com uso de equipamentos próprios e sujeito aos riscos de seu ofício sob sua responsabilidade”, disse.
“Com efeito, o motivo do desencadeamento do acidente não tem qualquer ligação com o descumprimento das normas legais, contratuais, regulamentares, técnicas ou do dever geral de cautela por parte do empregador na eclosão do evento e de suas consequências. Logo, não demonstrado que a empresa concorreu de alguma forma para o evento, tratando-se de caso fortuito, configura-se a excludente de responsabilidade da ré.”
Por unanimidade, o colegiado seguiu o voto da relatora.
O advogado Eduardo Pavan Rosa defendeu os interesses da empresa.
Veja o acórdão.

A responsabilidade do Google por revenge porn

Por 
A expressão inglesa revenge porn (“pornô de vingança”) infelizmente se tornou muito conhecida no Brasil nos últimos anos, já que o compartilhamento de fotos e vídeos íntimos sem o consentimento da pessoa retratada tornou-se mais fácil em decorrência dos smartphones e das redes sociais.
O termo “pornô de vingança” não é o ideal, pois costuma abarcar situações em que o compartilhamento não se dá por vingança. Seja qual for o motivo, porém, as consequências para a vítima costumam ser parecidas. A partir do momento em que a imagem se espalha nas redes sociais ou em sites pornográficos, torna-se praticamente impossível restringir essa disseminação. Se o compartilhamento ainda ocorreu com o uso do nome da vítima, pior ainda: basta uma pesquisa pelo nome dela no Google para encontrar uma série de links e imagens dela.
A vítima pode se valer do artigo 21 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14) para requerer a exclusão do conteúdo ilícito diretamente dos sites em que houve a publicação. Segundo esse dispositivo, o provedor de aplicações de internet que disponibilizar conteúdo gerado por terceiros que viole a intimidade de alguém pela divulgação de imagens, vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, será responsabilizado subsidiariamente se não retirar esse conteúdo do ar após mera notificação. Trata-se de uma exceção à regra prevista no artigo 19, segundo a qual os provedores devem ser responsabilizados por conteúdo ilícito postado por terceiro apenas se descumprirem ordem judicial que determine a exclusão.
Esse artigo é, de fato, muito importante, porém muitas vezes é ineficaz. Boa parte dos sites pornográficos são sediados em outros países, e muitos deles sequer oferecem a opção de enviar notificações. Quando oferecem a opção, as notificações precisam ser enviadas em inglês, o que dificulta a vida de grande parte da população brasileira que é vítima desses atos. Para piorar a situação, a partir do momento em que o conteúdo se espalha na web, torna-se necessário notificar centenas, às vezes milhares, de sites.
Mas e o provedor de busca, pode ser responsabilizado? Para avaliar essa possibilidade, é imprescindível verificar como funciona um provedor como o Google. Como o próprio Google explica[1], sua atividade é dividida em três partes: a) rastreamento (utilizam-se programas automatizados chamados “rastreadores” para procurar páginas novas ou atualizadas; as URLs das páginas são armazenadas em uma grande lista); b) indexação (a página rastreada é acessada pelo Google e seu conteúdo é analisado, inclusive imagens e arquivos de vídeo, para que se identifique sobre o que essa página trata; essa informação fica registrada em um grande banco de dados denominado “índice do Google”); c) exibição dos resultados de pesquisa (quando um usuário faz uma pesquisa no provedor de busca, o Google busca classificar quais são os resultados mais próximos daquilo que foi pesquisado; esse processo de classificação é feito por uma série de algoritmos).
Em função desse papel de intermediário do provedor de busca, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, no famoso caso da apresentadora Xuxa Meneghel (Recurso Especial nº 1.316.921/RJ), que o Google apenas indica links de acordo com os termos da pesquisa, mas não gerencia os sites. Por isso, o provedor de busca não poderia ser obrigado a eliminar de seu sistema os resultados derivados da busca por determinado termo ou expressão. Caberia à vítima demandar contra cada um dos sites individualmente considerados.
Porém, essa descrição da atividade do Google é simplista e não abrange mecanismos mais sofisticados que o provedor de busca desenvolveu ao longo dos anos. Um desses mecanismos é a pesquisa de imagens (Google Imagens). Enquanto o mecanismo de pesquisa tradicional fornece apenas a parte textual de sites, o Google Imagens disponibiliza diretamente as imagens consideradas mais adequadas às palavras-chave pesquisadas pelo usuário (hoje em dia, o mecanismo também permite que se faça um upload de uma imagem ou se indique o URL de uma imagem para encontrar outras iguais ou semelhantes na web). O mecanismo de pesquisa apresenta essas imagens em miniatura. O usuário pode clicar na imagem desejada, que é ampliada. Também é possível acessar o site em que essa imagem foi encontrada.
Como o Google Imagens disponibiliza diretamente conteúdo produzido por terceiros, então deve ser aplicado o artigo 21 do Marco Civil da Internet. Isto é, se o provedor de busca não retirar do ar, após mera notificação extrajudicial, conteúdo de nudez ou de sexo publicado sem o consentimento da parte retratada, pode ser responsabilizado subsidiariamente pelos danos causados. Não há necessidade, portanto, de ajuizamento de ação por parte da vítima. Ainda que o Google não seja o site original em que o conteúdo ilícito foi postado, não se pode ignorar que o provedor de busca o disponibiliza diretamente em seu mecanismo Google Imagens.
Importante destacar que essa notificação pode ser feita, atualmente, por meio de um formulário disponibilizado pelo Google[2], que possui uma Política de Remoção que determina a remoção de imagens pornográficas falsas ou não consentidas. Em muitos casos, porém, nem todas as imagens são retiradas após o envio desse formulário, o que torna necessário o ajuizamento de ação em face do provedor de buscas. Nessa situação, não caberia a aplicação da argumentação do STJ no caso “Xuxa Meneghel”, pois no Google Imagens o provedor de busca não indica apenas links, mas disponibiliza de fato o conteúdo.
Obviamente, não se trata de imputar ao Google a obrigação de excluir as imagens e os vídeos dos sites em que se encontram publicados. Ainda se mostra imprescindível notificar cada um dos sites para que o conteúdo seja excluído. Porém, a retirada das imagens do mecanismo de pesquisa do Google dificulta bastante que estas sejam encontradas por meio de uma simples pesquisa feita com o nome da vítima.


[1] Disponível em <https://support.google.com/webmasters/answer/9128586>. Acesso em 17 de fevereiro de 2020.
[2] Disponível em <https://support.google.com/websearch/troubleshooter/9685456#ts=2889054%2C2889099>. Acesso em 17 de fevereiro de 2020.
 é advogado do escritório Frullani Lopes Advogados, especialista em Direito e Tecnologia da Informação pela Escola Politécnica da USP, graduado pela Faculdade de Direito da USP e mestrando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela mesma instituição.
Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2020, 6h36

Lobo e Dias: A penhora do direito de laje

Por  e 
A inadimplência no Brasil é alta. Muitas cobranças e execuções são frustradas por falta de bens disponíveis do devedor. A situação interfere no spread bancário e, consequentemente, na taxa de juros dos empréstimos.
Sabemos que, via de regra, o imóvel que serve de morada ao devedor não pode ser penhorado quando se tratar de bem de família. Porém, é necessário pensar “fora da caixinha” e fazer uma reflexão: com o surgimento do direito de laje no Brasil, que configura uma matrícula imobiliária autônoma, seria possível penhorar a laje de um imóvel ainda que o seu proprietário não a tenha instituído? Em outras palavras, o direito de laje poderia ser compulsoriamente instituído para pagamento de um débito?
Em 2017, a Lei 13.465 estabeleceu uma regularização fundiária e implementou a proteção ao direito de moradia (previsto no art. 6º da Constituição Federal), vindo a alterar o artigo 1.225 do Código Civil, que hoje prevê, expressamente, que é direito real: “XIII – a laje”.
Era necessário que o legislador reconhecesse o direito da laje enquanto um direito real registrável, podendo recair sobre a superfície superior ou inferior do imóvel inicial, que passa a se chamar construção-base.
Anteriormente tratado como uma projeção do direito de superfície, um verdadeiro direito de sobrelevação ou de “infrapartição”, o direito da laje, que já se constituía em direito (mesmo que não passível de registro).
O artigo 1.510-A, § 3º deixa clara a independência da nova propriedade privada que pode vir a ser instituída de maneira formal, com uma matrícula autônoma no Cartório de Registro de Imóveis. Não há que se falar em vinculação de finalidade, ressalvada restrição no ato de cessão (que constituiria em limitação ao uso da propriedade). Por exemplo, pode a construção inferior ter finalidade comercial e a superior ser destinada à habitação (respeitas as normas de postura – §§ 5º e 6º).
O direito de laje pode abranger a superfície superior ou inferior (quando o conceito de laje se apresentaria um tanto quanto modificado).
O que nos traz a este espaço, hoje, é analisar a possibilidade de penhora do direito de laje, esteja esta constituída ou não. E mais, esta análise abarcará tanto a possibilidade de penhora forçada, quanto a oferta da laje como bem para garantir execução.
Muitos devedores querem pagar suas dívidas, mas muitos não têm (e outros tantos não conseguem enxergar que têm) patrimônio disponível.
A cascata que nos espera é desalentadora: maior inadimplência, maiores juros, maior dificuldade de concessão de crédito, menor aquecimento do mercado, maior inadimplência etc. Some-se a isto a ineficiência destacada dos processos executórios (sejam autônomos ou em cumprimento de sentença) diante dos indivíduos sem bens disponíveis.
Neste quadro, a defesa da impenhorabilidade é necessária para resguardar a dignidade humana. Mas é necessário pensar caminhos que, sem reduzir o patrimônio útil do devedor, possibilitem a satisfação do direito do credor. Sim, exatamente isso o que defendemos: a laje, ainda que não tenha sido formalmente instituída, é um meio especial de satisfação do crédito. Pode ser penhorada, oferecida em dação em pagamento ou ofertada à penhora pelo próprio devedor para quitar suas dívidas.
Sabe-se que a penhora pode recair sobre diversos tipos de direitos, inclusive os derivados de relações reais sobre imóveis de terceiros, como a conhecida penhora do domínio útil da enfiteuse (veja-se, por exemplo, o seguinte precedente: Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região — AP23544520115120004 SC, Publicação: 20/08/2015).
Na mesma linha de entendimento, não se pode criar restrição para a penhora do usufruto (que recai sobre o exercício e não sobre o direito em si).Isto porque a restrição se dá em razão da natureza personalíssima da relação usufrutuária e não da condição de direito real sobre coisa alheia.
Como se sabe a laje é direito real sobre coisa própria tão importante quanto a propriedade. Desta forma, é um direito [já efetivado ou em potencial de sê-lo] existente no patrimônio de qualquer proprietário de bem imóvel. Assim entendido, como direito disponível, não vemos qualquer obstáculo para que a vontade Estado-Juiz possa substituir a do devedor-executado. A ordem judicial pode gerar uma instituição forçada da laje e, ato contínuo, a penhora do novel bem criado.
E a razão prática disso é clara: se ao lajeário irregular que reside em bem dependente da vontade do proprietário para se tornar realidade é dado mecanismo de instituição forçada da laje, por que negar ao credor, desiludido com infrutíferas tentativas de penhora pelos meios de menor impacto, a possibilidade de gerar a satisfação de seu crédito a partir de um direito, que jaz inerte no patrimônio do devedor, sequer utilizado por este? Não, não há razão para isto.
E, melhor, mesmo que se tenha na construção base imóvel adjetivado com a condição de bem de família e, assim, por regra, impenhorável, não há qualquer óbice que a penhora se dê sobre a laje do mesmo. Isto porque, a laje é autônoma (artigo 1.510-A, §4º do Código Civil c/c art. 176, §9º da Lei 6.015/73) em relação ao imóvel base.
Não há que se atribuir a ela os mesmos adjetivos que recaem sobre o imóvel base. A laje é imóvel novo, autônomo em relação à construção que lhe dará origem. Sendo essa bem de família, razão não há para a impenhorabilidade, também, da laje, já que o direito à moradia não será prejudicado.
Como paradigma daquilo que aqui se defende,em recente decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que é possível a penhora da laje (no caso, um salão inferior — laje em infrapartição),desde que o desdobro esteja em consonância com as normas municipais de postura, as quais devem permitir [ou pelo menos não podem restringir] a instituição da laje na localidade, como prova da divisão cômoda do bem (TJSP - no Agravo 2250114-95.2018.8.26.0000,publicado em 31/10/2019).
Portanto, parece-nos que, a vontade (ou inexistência desta) do proprietário não pode ser óbice absoluto à penhora da laje não instituída. Incumbe ao credor o ônus de provar a viabilidade física do desdobramento do imóvel, para demonstrar [através de um laudo de engenharia, por exemplo],a viabilidade técnica do desmembramento do imóvel em construção-base e laje autônoma.
Por outro lado, nada impede que o proprietário que responde um processo de execução venha a ofertar a instituição da laje (agora direito) como bem a ser penhorado, valendo a decisão que efetiva a penhora como instrumento para registro em cartório (para fins acautelatórios) e, uma vez praceada a laje, mandado específico autorizará a abertura de nova matrícula e definitiva instituição da laje.

Por fim, a penhora do direito de laje ainda não instituído tem as seguintes consequências positivas: a) pode incentivar a economia, por favorecer um maior volume de pagamento das dívidas, com a regularização do nome de centenas de devedores inadimplentes, restabelecendo a sua capacidade de consumo; b) pode colocar no mercado imobiliário diversas lajes disponíveis para comercialização, o que poderia reduzir, em alguma medida (pela lei da oferta e demanda) o preço dos imóveis; c) pode impulsionar a construção civil, a geração de empregos e o recolhimento de tributos sobre as transações imobiliárias e edificações; d) parece ser ecologicamente correta, na medida em que incentiva o crescimento vertical das cidades, evitando o seu crescimento horizontal, o que, por via de consequência, pode reduzir os desmatamentos oriundos das expansões urbanas e a necessidade de infraestrutura pública em novos bairros; e) evita o ócio patrimonial, já que permite que os potenciais construtivos dos terrenos sejam aproveitados em grau máximo [por exemplo, incentivando a construção de estacionamentos subterrâneos, casas de dois ou três andares]; e f) enfim, favorece o surgimento de situações que podem diminuir a demanda reprimida por imóveis, bem como a especulação imobiliária.
 é professor de Direito Civil, doutor em Direito pela PUC-SP e sócio do escritório Wambier, Yamasaki, Beveranço e Lobo Advogados.
Wagner Inácio Dias é advogado, autor do livro "Direito de Laje" (Juspodivm), professor de Direito Civil e doutorando em Direito Civil na Universidade de Buenos Aires.
Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2020, 7h48

TJ-SP afasta penhora de mansão declarada como bem de família

Por 
A lei não prevê qualquer restrição à garantia do imóvel como bem de família relativamente ao seu valor, tampouco estabelece regime jurídico distinto no que tange à impenhorabilidade. Ou seja, os imóveis residenciais de alto padrão ou de luxo não estão excluídos a priori, em razão do seu valor econômico, da proteção conferida aos bens de família conforme a Lei 8009/90.
Para TJ-SP, o simples fato de a casa ser de luxo não descarta a impenhorabilidadeErika Wittlieb/Pixabay
Com esse entendimento, a 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a penhora de uma mansão, declarada como bem de família em uma ação de execução de título extrajudicial. Um banco credor entrou na Justiça pedindo a penhora da mansão sob o argumento de que vinha, há meses, tentando receber o pagamento de uma dívida, sem sucesso.
Em primeiro grau, foi determinada a impenhorabilidade do bem, por ser a residência da família devedora. O banco recorreu ao TJ-SP, que manteve o entendimento. "No caso presente, os documentos acostados aos autos revelam que o imóvel declarado impenhorável foi o eleito pelos agravados, dentre os seus, como residência familiar, tanto assim que ali foram encontrados para citação, e o endereço é aquele constante das procurações que outorgaram", disse o relator, desembargador Walter Fonseca.
Assim, firmou-se o entendimento de que, no caso concreto, há suficiente prova documental de que o imóvel em questão se trata da residência dos devedores, constituindo seu bem de família, protegido legalmente contra a penhora: "Não se olvida que aludido imóvel é de luxo, o que se verifica pela grandeza de suas dimensões e pela sua localização. Todavia, a Lei 8.009/90 protege os bens de família de forma indistinta, com exceção das hipóteses elencadas em seus incisos, nas quais não se enquadra a hipótese dos autos, relativa ao bem de grande valor".
Ao defender que a mansão constitui bem de família, Fonseca destacou que a família renuncia ao direito de invocar igual benefício em relação a quaisquer outros imóveis de sua propriedade que vierem a ser identificados durante a execução.
A família foi representada pelo advogado Thiago Hamilton, do escritório Deneszczuk Antônio Sociedade de Advogados.

2221458-94.2019.8.26.0000
 é repórter da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2020, 12h46

ABANDONO AFETIVO Distanciamento do pai não dá causa para pagamento de dano moral ao filho

Por 
O mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si, situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. Antes, trata-se, apenas, de um fato lamentável da vida.
A conclusão é do desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao negar apelação de uma mulher que busca indenização por abandono afetivo do pai. Ela interpôs recurso em combate à sentença de improcedência proferida pela 1ª Vara de Família da Comarca de Pelotas.
Apelação
Na apelação, a autora se queixou que o pai, réu na ação, mudou-se para o Rio de Janeiro e deixou de procurá-la. Disse que sentiu humilhada por ter sido chamada de "porquinha" na audiência, diante do próprio juiz, passando a conviver com episódios de depressão por causa da rejeição. Sustentou que os laudos são absurdos por constatarem que, se não há abandono material, não se verifica o abandono afetivo.
Em contrarrazões recursais, o réu disse que a sentença não merece reparos. Afinal, a mãe da autora praticava alienação parental, afastando-o da filha e, na prática, convertendo-o num mero "pagador de pensão alimentícia".
Afastamento natural
O desembargador Chaves observou, em primeiro lugar, que a eventual falta de atenção do pai em relação à filha decorreu de quatro fatores: o fim do casamento entre a mãe e o pai; do fato do réu ter mudado de cidade; dos novos relacionamentos entretidos pela genitora, quando a autora estabeleceu vínculo afetivo com os sucessivos companheiros dela, que assumiram o referencial paterno; e do distanciamento físico e afetivo decorrente desses fatos. Ou seja, o pai não violou direito algum da filha.
"De outra banda, não se pode desconhecer que afeto é conquista e reclama reciprocidade, não sendo possível compelir uma pessoa a amar outra. A convivência familiar somente é possível quando existe amor. E amor não pode ser imposto, nem entre os genitores, nem entre pais e filhos", complementou na decisão monocrática.
Situações excepcionais
Para Chaves, a simples presença do pai na vida do filho não assegura um desenvolvimento saudável, nem a ausência é fato impeditivo deste desenvolvimento. O mais é importante é que o filho seja educado em um ambiente permeado pelo equilíbrio, onde as relações familiares sejam saudáveis, com ou sem a presença de um dos pais. Além disso, pais ajustados podem gerar filhos desajustados, e a ausência do pai ou da mãe também não enseja condenação a uma vida permeada de conflitos.
"Por essa razão é que devem ser evitadas soluções simplistas ou maniqueístas e somente em situações excepcionais é que se pode conceber a possibilidade de reparação por dano moral no âmbito do direito de família. Ou seja, quando se evidencia alguma situação anormal, grave ou teratológica, o que decididamente não ocorre no caso em exame, tanto que sequer foi descrita na petição inicial", definiu Chaves, mantendo os termos da sentença.

Clique aqui para ler a decisão monocrática.
Apelação cível 70082292574
 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2020, 14h33

Perda da guarda impede que mãe execute alimentos atrasados

Não é possível a cobrança de pensão alimentícia atrasada feita pela mãe de menor depois que a guarda passou à responsabilidade do pai. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Segundo a decisão, a troca do responsável afasta a obrigação de pagamento ao titular anterior, porque esse tipo de benefício é destinado apenas ao alimentando Jintana Pokrai
Segundo o colegiado, uma vez extinta a obrigação alimentar pela exoneração do alimentante, o responsável anterior pelo menor não tem legitimidade para prosseguir na execução de alimentos em seu nome, mas pode fazer o pedido de ressarcimento por meio de ação ordinária.
O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que, com a exoneração do alimentante, a genitora perdeu a legitimidade para prosseguir na execução dos alimentos vencidos, em nome próprio, pois não é possível sub-rogação no caso, diante do caráter personalíssimo do direito discutido.
(...)

Sobre a necessidade ou não de autorização do cônjuge para que o sucessor casado possa validamente renunciar à herança


Tema da maior importância prática é o da necessidade ou não da autorização do cônjuge, também denominada frequentemente outorga conjugal, para que o sucessor casado possa validamente renunciar à herança.
E a resposta, infelizmente, não é tão simples de se inferir. Eu e o Prof. Elpídio Donizetti abordamos o tema no nosso Curso de Direito Civil.
Inicialmente, é necessário lembrar que o art. 1.647 do Código Civil de 2002 é o dispositivo legal que trata dos atos para os quais se exige a autorização (outorga). Conforme tal preceito, “[r]essalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III – prestar fiança ou aval; IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação”.
Como se vê, apenas no caso do regime da separação convencional — também chamada de total ou absoluta — é que não se exige a autorização, para os atos de que trata o art. 1.647.
Em um primeiro momento, parece não ser necessária a outorga conjugal para a renúncia da herança. Isso porque tal ato não consta no rol taxativo do art. 1.647.
Não obstante, não podemos nos esquecer de que o objeto do ato de renúncia é o direito à sucessão aberta, o qual, conforme o art. 80, II do Código Civil, considera-se, para efeitos legais, um bem imóvel.
Ademais, é necessário lembrar que, conforme o art. 1.784 do Código, a herança transmite-se aos sucessores do falecido no exato momento da abertura da sucessão — lei, princípio ou droit de saisine.
Logo, não se pode negar que o ato de renúncia implica uma alienação, vez que o que fora por lei atribuído ao renunciante deixará de a ele pertencer.
E, tendo tal alienação por objeto um bem imóvel — o direito à sucessão aberta —, inescapável a conclusão no sentido de ser necessária a autorização do cônjuge, por aplicação do art. 1.647, I, salvo se o regime de bens do casamento for o da separação convencional.
A despeito de a resposta ser inquestionável, ante o Direito posto, já havia dúvida na vigência do Código de 1916.[1] Perdeu o Código de 2002 a oportunidade de ter aclarado o assunto, incluindo a hipótese explicitamente no rol do art. 1.647.
[1] O art. 44, III do Código de 1916 considerava imóvel, para os efeitos legais, o direito à sucessão aberta, e o art. 235, I exigia o consentimento da mulher para que o marido pudesse alienar bens imóveis.

ITCMD ou ITBI? O que incidirá na separação do patrimônio do casal?

Thaís Folgosi Françoso e Marcus Swenson de Lima
Quando o casamento chega ao fim, além da guarda dos filhos e até mesmo dos pets, é necessário partilhar os bens do ex-casal, para os casamentos que adotaram o regime da comunhão universal, da comunhão parcial ou da participação final nos aquestos.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

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Todos sabemos que os tributos são parte do nosso cotidiano. Gostemos deles ou não, estão lá. No casamento não é diferente, principalmente quando chega ao fim, na partilha dos bens do casal em razão da separação ou do divórcio.
Abordaremos aqui os dois principais impostos que costumam incidir nestas hipóteses, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, o ITCMD, de competência Estadual (4% no Estado de SP) e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis, o ITBI, recolhido ao Município onde se localiza o imóvel (3% no Município de SP), ambos calculados sobre o valor da transação ou valor venal de referência do imóvel (VVR), a depender do Município, o que for maior.
Sem adentrar novamente nas discussões sobre a abusividade do uso do VVR (prática adotada no Estado e Cidade de São Paulo, por exemplo), e aqui vale a releitura do artigo publicado nesta coluna, em 11 de outubro de 20181, o artigo de hoje busca tentar esclarecer a dúvida de muitos casais na partilha dos bens do casal, quando do fim da relação.
Quando o casamento chega ao fim, além da guarda dos filhos e até mesmo dos pets, é necessário partilhar os bens do ex-casal, para os casamentos que adotaram o regime da comunhão universal, da comunhão parcial ou da participação final nos aquestos. O regime da comunhão universal engloba todo o patrimônio do casal, adquirido antes ou depois do casamento2. No regime de comunhão parcial e no de participação final nos aquestos, os bens a partilhar são aqueles que foram adquiridos onerosamente durante o casamento pelo casal. Essa metade ideal do patrimônio comum do casal que cabe a cada um dos cônjuges é conhecida como meação.
No momento de definir a destinação de cada bem da meação, quando da separação, não são raras as vezes que um dos cônjuges recebe bens em valor superior ao do outro. Para ilustrar com um exemplo muito simples, imaginemos um casal que possui um imóvel de R$ 200 mil, um automóvel de R$ 100 mil e R$ 50 mil na poupança. Na separação, acorda-se que a esposa fique com o apartamento, enquanto o marido fica com o carro e a poupança. Se isso ocorrer, haverá uma “meação desproporcional” e isto poderá acarretar em dois tratamentos tributários, a doação ou a transmissão onerosa.
Neste cenário, quando um dos cônjuges recebe bens em valor maior que o outro e não há uma contrapartida paga em dinheiro ao cônjuge, digamos, “prejudicado”, entende-se que houve uma doação da quantia excedente, incidindo, portanto, o ITCMD. Se o cônjuge que recebeu o bem imóvel de maior valor repor ao outro a diferença em dinheiro, estará caracterizada a transmissão onerosa da parte excedente deste imóvel e, por consequência, do ITBI. Nos dois cenários, o imposto será calculado apenas sobre os valores excedentes, não sobre o valor integral dos bens partilhados.
Pode parecer pequena a diferença ao se calcular os dois impostos no exemplo dado. Mas a depender do patrimônio, essa diferença de 1% na alíquota (considerando as alíquotas de SP) poderá representar uma quantia significativa de dinheiro que sairá do patrimônio e engordará os cofres públicos. Vale muito mais agir com a razão do que com a emoção nestas horas, embora seja muito fácil falar do que agir, principalmente aqui, do lado de fora.
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2 Exceção aos bens recebidos ou herdados que tenham sido gravados com cláusulas de incomunicabilidade.
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*Thaís Folgosi Françoso é sócia do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, responsável pelas áreas de contencioso tributário, procedimento administrativo tributário, compliance e direito do entretenimento.
*Marcus Swenson de Lima é advogado do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, atua nas áreas de Direito societário, contratos e imobiliário.

STJ mantém o poder familiar do genitor e concede a adoção unilateral para mãe socioafetiva.


STJ não reconhece como bem de família imóvel utilizado por terceiro.



#STJ #bemdefamília

Ratinho indenizará em R$ 150 mil família exposta de forma vexatória na TV

Equipe de reportagem entrou sem autorização na residência da família com o objetivo de confrontar o pai sobre a venda de uma rifa.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O apresentador Carlos Roberto Massa, conhecido como Ratinho, terá de indenizar em R$ 150 mil por danos morais uma família que foi exposta em seu programa de forma vexatória e sensacionalista. Decisão é da 4ª turma do STJ ao manter a condenação.
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Segundo o processo, o Programa do Ratinho, veiculado pelo SBT, exibiu ao vivo matéria de uma equipe de reportagem que entrou sem autorização na residência da família, em São Paulo, por volta das 22h, com o objetivo de confrontar o pai da família sobre a venda de uma rifa.
No interior da residência, o repórter encontrou apenas a filha do casal, de 14 anos, o namorado dela e uma criança de dois anos. A equipe de reportagem optou, então, por fazer imagens de uma foto do casal, referindo-se aos donos da casa com palavras ofensivas.
Logo depois, o repórter entrevistou a adolescente, vestida com trajes de dormir. A menor foi ofendida pela plateia do programa, que estava sob orientação remota do apresentador Ratinho, o que aumentou o constrangimento público imposto à família.
Após pedir ao repórter que perguntasse a idade da entrevistada, e diante da resposta, Ratinho ordenou o imediato desligamento das câmeras.
Abuso no direito de informar
Em 1º grau, o apresentador foi condenado a pagar indenização de R$ 150 mil por dano moral decorrente do vexame e da humilhação causados pelo abuso no direito de informar. O TJ/SP confirmou a sentença.
No recurso ao STJ, Ratinho alegou que não era responsável pela pauta, produção, filmagem, edição ou escolha das reportagens exibidas em seu programa, nem pela condução da plateia e, muito menos, pelos jornalistas contratados para trabalhar nessas matérias. Segundo o apresentador, tudo seria responsabilidade da emissora, e ele mesmo só tomaria conhecimento do teor das reportagens ao chegar ao estúdio.
Revisão impossível
A relatora do caso, ministra Isabel Gallotti, negou provimento ao recurso do apresentador, destacando que a sentença, mantida em 2º grau, deixou claro que a condução da reportagem foi de sua responsabilidade.
Segundo Isabel Gallotti, rever as conclusões do tribunal de origem, como queria o apresentador, exigiria reexame de provas e fatos – o que não é possível em recurso especial, em razão da súmula 7 do STJ.
"No presente caso, o valor de R$ 150 mil arbitrado pelo julgado estadual mostra-se dentro dos padrões da razoabilidade e proporcionalidade, não se justificando a intervenção desta Corte Superior."
Leia o acórdão.

A reserva da quarta parte da herança (art. 1.832 do Código Civil) e a sucessão híbrida

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Complementando as regras básicas relativas à ordem de sucessão legítima e à vocação hereditária, com especial tratamento quanto à sucessão dos descendentes em concorrência com o cônjuge, o art. 1.832 do Código Civil de 2002 − sem correspondente na codificação anterior − trata da chamada reserva da quarta parte da herança. Conforme a sua exata redação, "em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer". O objetivo da norma é assegurar um patrimônio mínimo ao cônjuge sobrevivente, papel que era exercido, no Código Civil de 1916, pelo chamado usufruto vidual.
Como primeira observação a respeito do comando, diante da equiparação sucessória feita pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento encerrado no ano de 2017 e que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil (decisum publicado no Informativo n. 840 do STF), passa ele a ter plena incidência para a união estável, o que foi reconhecido em 2019 pelo Superior Tribunal de Justiça, em julgado que ainda será aqui melhor explicado.
Como se pode perceber, a norma da codificação privada em vigor enuncia que o cônjuge – e agora também o convivente ou companheiro – recebe o mesmo quinhão que recebem os descendentes. Ademais, em continuidade, o preceito consagra a citada reserva da quarta parte da herança ao cônjuge ou ao companheiro se ele for ascendente dos descendentes com quem concorrer, geralmente pai ou mãe do filho do falecido, de cuja herança se trata. Assim, se por outro lado o cônjuge ou companheiro concorrer somente com descendentes do falecido, não haverá a referida reserva. Na verdade, o principal debate a respeito do comando somente ganha relevo se houver a concorrência com mais de três descendentes do falecido, situação em que a reserva da quarta parte seria alvo de dúvidas.
Observa-se, portanto, que a principal discussão que o dispositivo desperta tem relação com a chamada sucessão ou concorrência híbrida, expressão criada pela Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, presente quando o cônjuge ou convivente concorre com descendentes comuns − de ambos −, e com descendentes exclusivos do autor da herança (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil. 2. ed. Coord. Antonio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 20, p. 235-236). Isso porque tal hipótese não foi prevista pelo legislador, presente uma lacuna normativa, a ser sanada pelo intérprete. A propósito, a jurista citada tem procurado analisar a polêmica que forma o cerne principal deste artigo em suas aulas e palestras sobre a sucessão legítima.
Duas foram as correntes fundamentais que surgiram sobre essa controvérsia, conforme consta de tabela doutrinária elaborada por Francisco José Cahali, em obra de grande expressão, lançada nos anos iniciais de vigência do Código Civil de 2002 (Direito das sucessões. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 189-192).
Para uma primeira corrente, tida desde o início como majoritária, em havendo a sucessão híbrida, não se deve fazer a reserva da quarta parte ao cônjuge ou ao companheiro, tratando-se todos os descendentes como se fossem exclusivos do autor da herança. Assim entendem − conforme menções constantes na citada tabela doutrinária − Caio Mário da Silva Pereira, Christiano Cassettari, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Gustavo René Nicolau, Inácio de Carvalho Neto, Jorge Fujita, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Maria Berenice Dais, Maria Helena Diniz, Maria Helena Braceiro Daneluzzi, Mário Delgado, Mário Roberto Carvalho de Faria, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim, Euclides de Oliveira e Zeno Veloso; além do presente autor.
Esse entendimento prestigia os interesses e direitos dos filhos em detrimento dos do cônjuge, sendo essa a opção constitucional, como apontam os juristas citados. Adotando a premissa, na V Jornada de Direito Civil, evento promovido pelo Conselho da Justiça Federal no ano de 2011,aprovou-se o seguinte enunciado: “na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida” (Enunciado n. 527). Reitero que a destacada ementa doutrinária e todas essas afirmações têm incidência, agora, para a concorrência do companheiro com os descendentes, eis que foi ele incluído no art. 1.829 do Código Civil pela decisão do Supremo Tribunal Federal antes mencionada, com repercussão geral.
Por outra via, para uma segunda corrente doutrinária, tida como minoritária, em havendo sucessão híbrida, deve ser feita a reserva da quarta parte ao cônjuge, tratando-se todos os descendentes como comuns, como pensam Francisco José Cahali, José Fernando Simão e Sílvio de Salvo Venosa. Essa corrente está baseada em uma interpretação literal do art. 1.832, pois a reserva da quarta parte deve ocorrer em havendo descendentes de ambos, não sendo relevante para afastar tal subsunção a presença também de filhos exclusivos somente do falecido.
Tentando resolver esse dilema, em 2019 surgiu o antes citado precedente da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que menciona obra de minha autoria, especialmente o debate doutrinário aqui exposto. Seguindo a primeira corrente, o aresto conclui que não deve ocorrer a reserva da quarta parte em havendo a sucessão ou concorrência híbrida. Pontue-se que o caso dizia respeito a união estável, e não a casamento, fazendo incidir a equalização sucessória entre as entidades familiares, conforme a tão citada decisão do STF. Como consta da primeira parte da sua ementa, "o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do e. Min. Luís Roberto Barroso, quando do julgamento do RE 878.694/MG, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CCB tendo em vista a marcante e inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável" (STJ, REsp 1.617.501/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/06/2019, REPDJe 06/09/2019, DJe 01/07/2019).
Na sequência é enfrentado o dilema relativo à concorrência do companheiro com os descendentes no regime da comunhão parcial de bens, sendo citado o julgado a respeito da consolidação de pensamento que se deu no âmbito da Segunda Seção da Corte, no sentido de que, "nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus" (STJ, REsp 1.368.123/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/4/2015, DJe 8/6/2015).
E, por fim, enfrentando o tema principal deste texto − e com base nos entendimentos doutrinários de Paulo Lôbo, Carlos Roberto Gonçalves, Mario Luiz Delgado e Mairan Maia −, deduziu-se que "a interpretação mais razoável do enunciado normativo do art. 1.832 do Código Civil é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes comuns. Enunciado 527 da Jornada de Direito Civil. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (art. 1.834 do CCB) e da própria Constituição Federal (art. 227, § 6º, da CF), bem como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma" (STJ, REsp 1.617,501/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/6/2019, DJe 1/7/2019).
Como se pode perceber, o acórdão traz em seu conteúdo respostas a muitas questões que eram pendentes no passado sobre o Direito das Sucessões Brasileiro e resolve mais um dilema, qual seja a não reserva da quarta parte da herança em favor do cônjuge ou companheiro em havendo a sucessão híbrida.

Espero que outros julgados estaduais e mesmo da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça sigam esse entendimento, que traduz a mais correta e prevalecente interpretação doutrinária do vigente sistema sucessório brasileiro. Sobre essa temática, como se pode perceber, doutrina majoritária e jurisprudência estão em sintonia, o que é sempre louvável na realidade contemporânea, para trazer estabilidade às relações privadas.
Flávio Tartuce, é pós-doutorando e doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Professor do G7 Jurídico. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAMSP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.