quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Sobre a necessidade ou não de autorização do cônjuge para que o sucessor casado possa validamente renunciar à herança


Tema da maior importância prática é o da necessidade ou não da autorização do cônjuge, também denominada frequentemente outorga conjugal, para que o sucessor casado possa validamente renunciar à herança.
E a resposta, infelizmente, não é tão simples de se inferir. Eu e o Prof. Elpídio Donizetti abordamos o tema no nosso Curso de Direito Civil.
Inicialmente, é necessário lembrar que o art. 1.647 do Código Civil de 2002 é o dispositivo legal que trata dos atos para os quais se exige a autorização (outorga). Conforme tal preceito, “[r]essalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III – prestar fiança ou aval; IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação”.
Como se vê, apenas no caso do regime da separação convencional — também chamada de total ou absoluta — é que não se exige a autorização, para os atos de que trata o art. 1.647.
Em um primeiro momento, parece não ser necessária a outorga conjugal para a renúncia da herança. Isso porque tal ato não consta no rol taxativo do art. 1.647.
Não obstante, não podemos nos esquecer de que o objeto do ato de renúncia é o direito à sucessão aberta, o qual, conforme o art. 80, II do Código Civil, considera-se, para efeitos legais, um bem imóvel.
Ademais, é necessário lembrar que, conforme o art. 1.784 do Código, a herança transmite-se aos sucessores do falecido no exato momento da abertura da sucessão — lei, princípio ou droit de saisine.
Logo, não se pode negar que o ato de renúncia implica uma alienação, vez que o que fora por lei atribuído ao renunciante deixará de a ele pertencer.
E, tendo tal alienação por objeto um bem imóvel — o direito à sucessão aberta —, inescapável a conclusão no sentido de ser necessária a autorização do cônjuge, por aplicação do art. 1.647, I, salvo se o regime de bens do casamento for o da separação convencional.
A despeito de a resposta ser inquestionável, ante o Direito posto, já havia dúvida na vigência do Código de 1916.[1] Perdeu o Código de 2002 a oportunidade de ter aclarado o assunto, incluindo a hipótese explicitamente no rol do art. 1.647.
[1] O art. 44, III do Código de 1916 considerava imóvel, para os efeitos legais, o direito à sucessão aberta, e o art. 235, I exigia o consentimento da mulher para que o marido pudesse alienar bens imóveis.

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