A expressão inglesa revenge porn (“pornô de vingança”) infelizmente se tornou muito conhecida no Brasil nos últimos anos, já que o compartilhamento de fotos e vídeos íntimos sem o consentimento da pessoa retratada tornou-se mais fácil em decorrência dos smartphones e das redes sociais.
O termo “pornô de vingança” não é o ideal, pois costuma abarcar situações em que o compartilhamento não se dá por vingança. Seja qual for o motivo, porém, as consequências para a vítima costumam ser parecidas. A partir do momento em que a imagem se espalha nas redes sociais ou em sites pornográficos, torna-se praticamente impossível restringir essa disseminação. Se o compartilhamento ainda ocorreu com o uso do nome da vítima, pior ainda: basta uma pesquisa pelo nome dela no Google para encontrar uma série de links e imagens dela.
A vítima pode se valer do artigo 21 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14) para requerer a exclusão do conteúdo ilícito diretamente dos sites em que houve a publicação. Segundo esse dispositivo, o provedor de aplicações de internet que disponibilizar conteúdo gerado por terceiros que viole a intimidade de alguém pela divulgação de imagens, vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, será responsabilizado subsidiariamente se não retirar esse conteúdo do ar após mera notificação. Trata-se de uma exceção à regra prevista no artigo 19, segundo a qual os provedores devem ser responsabilizados por conteúdo ilícito postado por terceiro apenas se descumprirem ordem judicial que determine a exclusão.
Esse artigo é, de fato, muito importante, porém muitas vezes é ineficaz. Boa parte dos sites pornográficos são sediados em outros países, e muitos deles sequer oferecem a opção de enviar notificações. Quando oferecem a opção, as notificações precisam ser enviadas em inglês, o que dificulta a vida de grande parte da população brasileira que é vítima desses atos. Para piorar a situação, a partir do momento em que o conteúdo se espalha na web, torna-se necessário notificar centenas, às vezes milhares, de sites.
Mas e o provedor de busca, pode ser responsabilizado? Para avaliar essa possibilidade, é imprescindível verificar como funciona um provedor como o Google. Como o próprio Google explica[1], sua atividade é dividida em três partes: a) rastreamento (utilizam-se programas automatizados chamados “rastreadores” para procurar páginas novas ou atualizadas; as URLs das páginas são armazenadas em uma grande lista); b) indexação (a página rastreada é acessada pelo Google e seu conteúdo é analisado, inclusive imagens e arquivos de vídeo, para que se identifique sobre o que essa página trata; essa informação fica registrada em um grande banco de dados denominado “índice do Google”); c) exibição dos resultados de pesquisa (quando um usuário faz uma pesquisa no provedor de busca, o Google busca classificar quais são os resultados mais próximos daquilo que foi pesquisado; esse processo de classificação é feito por uma série de algoritmos).
Em função desse papel de intermediário do provedor de busca, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, no famoso caso da apresentadora Xuxa Meneghel (Recurso Especial nº 1.316.921/RJ), que o Google apenas indica links de acordo com os termos da pesquisa, mas não gerencia os sites. Por isso, o provedor de busca não poderia ser obrigado a eliminar de seu sistema os resultados derivados da busca por determinado termo ou expressão. Caberia à vítima demandar contra cada um dos sites individualmente considerados.
Porém, essa descrição da atividade do Google é simplista e não abrange mecanismos mais sofisticados que o provedor de busca desenvolveu ao longo dos anos. Um desses mecanismos é a pesquisa de imagens (Google Imagens). Enquanto o mecanismo de pesquisa tradicional fornece apenas a parte textual de sites, o Google Imagens disponibiliza diretamente as imagens consideradas mais adequadas às palavras-chave pesquisadas pelo usuário (hoje em dia, o mecanismo também permite que se faça um upload de uma imagem ou se indique o URL de uma imagem para encontrar outras iguais ou semelhantes na web). O mecanismo de pesquisa apresenta essas imagens em miniatura. O usuário pode clicar na imagem desejada, que é ampliada. Também é possível acessar o site em que essa imagem foi encontrada.
Como o Google Imagens disponibiliza diretamente conteúdo produzido por terceiros, então deve ser aplicado o artigo 21 do Marco Civil da Internet. Isto é, se o provedor de busca não retirar do ar, após mera notificação extrajudicial, conteúdo de nudez ou de sexo publicado sem o consentimento da parte retratada, pode ser responsabilizado subsidiariamente pelos danos causados. Não há necessidade, portanto, de ajuizamento de ação por parte da vítima. Ainda que o Google não seja o site original em que o conteúdo ilícito foi postado, não se pode ignorar que o provedor de busca o disponibiliza diretamente em seu mecanismo Google Imagens.
Importante destacar que essa notificação pode ser feita, atualmente, por meio de um formulário disponibilizado pelo Google[2], que possui uma Política de Remoção que determina a remoção de imagens pornográficas falsas ou não consentidas. Em muitos casos, porém, nem todas as imagens são retiradas após o envio desse formulário, o que torna necessário o ajuizamento de ação em face do provedor de buscas. Nessa situação, não caberia a aplicação da argumentação do STJ no caso “Xuxa Meneghel”, pois no Google Imagens o provedor de busca não indica apenas links, mas disponibiliza de fato o conteúdo.
Obviamente, não se trata de imputar ao Google a obrigação de excluir as imagens e os vídeos dos sites em que se encontram publicados. Ainda se mostra imprescindível notificar cada um dos sites para que o conteúdo seja excluído. Porém, a retirada das imagens do mecanismo de pesquisa do Google dificulta bastante que estas sejam encontradas por meio de uma simples pesquisa feita com o nome da vítima.
[1] Disponível em <https://support.google.com/webmasters/answer/9128586>. Acesso em 17 de fevereiro de 2020.
[2] Disponível em <https://support.google.com/websearch/troubleshooter/9685456#ts=2889054%2C2889099>. Acesso em 17 de fevereiro de 2020.
Marcelo Frullani Lopes é advogado do escritório Frullani Lopes Advogados, especialista em Direito e Tecnologia da Informação pela Escola Politécnica da USP, graduado pela Faculdade de Direito da USP e mestrando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela mesma instituição.
Revista Consultor Jurídico, 26 de fevereiro de 2020, 6h36
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