quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Julgado: Estatuto da pessoa com deficiência. Contratação de cuidador para portador de necessidades especiais. Dever do Estado.

Data do julgado: 14/11/2018

Acórdão Nº: 114410
Processo Nº: 0002001-70.2018.8.03.0000
Relator: Desembargador GILBERTO PINHEIRO
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Ementa
CONSTITUCIONAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONTRATAÇÃO DE CUIDADOR PARA PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS - DEVER DO ESTADO - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. 1) A Constituição Federal consagra a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da República. Logo é dever do Estado implementar políticas necessárias ao integral desenvolvimento do educando, inclusive daqueles que demandam tratamento diferenciado.2) O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015, traz expressa previsão em relação à educação para pessoas com necessidades especiais, incumbindo ao poder público o dever de ofertar profissionais de apoio escolar àqueles que dele precisa.3) Agravo de instrumento parcialmente provido.
 
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, aCÂMARA ÚNICAdo EgrégioTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAPÁ, por unanimidade, conheceu do agravo de instrumento, e, no mérito, pelo mesmoquorum, deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto proferido pelo Relator.
 
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores DesembargadoresGILBERTO PINHEIRO (Presidente e Relator), AGOSTINO SILVÉRIO (1.º Vogal) e DesembargadoraSUELI PINI (2.ª Vogal).
 
Teor do Ato
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Estado do Amapá em face de decisão proferida pelo Juiz de Direito do Juizado da Infância e Juventude - Área Cível e Administrativa que, nos autos de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Amapá em favor da infante Jesue Vaz da Silva, deferiu o pedido liminar e determinou que o agravante, por meio da Secretaria de Educação - SEED, proceda a contratação de cuidador com vistas ao atendimento da demanda de menor, portadora de necessidades especiais, bem como da Escola Estadual Zolito Nunes, em todas as atividades realizadas dentro e fora de sala de aula. Fixou, para cumprimento da obrigação, o prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (mil reais).
 
Em suas razões argumentou que a decisão merece reparo, porquanto o agravado não demonstrou o preenchimento dos requisitos necessários à concessão da tutela antecipada de urgência, mesmo porque é vedada sua concessão em desfavor da Fazenda Pública quando o provimento judicial esgota, no todo em qualquer parte, o objeto da ação.
 
Sustentou inexistirem elementos a indicar a negativa da Administração em cumprir a obrigação, bem como se trata de questão afeta ao mérito administrativo, não podendo o Judiciário nela se imiscuir.
 
Discorreu acerca do princípio da reserva do possível, aduzindo que, por mais que a superestrutura estatal esteja satisfatoriamente aparelhada, dificilmente tem condições de promover o atendimento integral a todos que, de alguma forma, necessitam de atuação dos Poderes Públicos.
 
Afirmou estarem presentes os requisitos necessários à concessão da liminar -fumus boni iuris epericulum in mora - requerendo, ao final, sejam suspensos os efeitos da decisão recorrida. No mérito, o provimento integra do agravo de instrumento.
 
Decisão proferia concedendo parcialmente a liminar para fixar o prazo de 60 (sessenta) dias para que o agravante, Estado do Amapá, cumprisse a obrigação constante na decisão impugnada - Processo n. 0022802-04.2018.8.03.0001, mantendo, em caso de descumprimento, a multa nela constante.
 
O agravado em suas contrarrazões pugnou pelo improvimento do recurso interposto, devendo ser mantida a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos.
 
A d. Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e, no mérito, pelo não provimento do agravo de instrumento.
 
É o relatório.
 
VOTOS
 
O Excelentíssimo Senhor Desembargador GILBERTO PINHEIRO (Relator) - Presentes os pressupostos que admitem o agravo de instrumento, dele conheço.
 
O Excelentíssimo Senhor Desembargador AGOSTINO SILVÉRIO (1.º Vogal) - Também conheço.
 
A Excelentíssima Senhora Desembargadora SUELI PINI (2.ª Vogal) - Também conheço.
 
MÉRITO
 
O Excelentíssimo Senhor Desembargador GILBERTO PINHEIRO (Relator) - Busca o agravante, conforme relatado, suspender efeitos de decisão onde foi determinada a contratação de cuidadores para prover as necessidades de uma menor, bem como do educandário citado na inicial.
 
Acerca da matéria cumpre ressaltar, inicialmente, que a Constituição Federal de 1988 consagrou a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da República (art. 1º, incisos II e III).
 
Nesse contexto, a educação recebeu tratamento de destaque, como instrumento indispensável à formação plena do ser humano, devendo o Estado implementar políticas necessárias ao integral desenvolvimento do educando, inclusive daqueles que demandam tratamento diferenciado, conforme ocorre na hipótese dos autos.
 
Incluída entre os Direitos Sociais - capítulo II do Título II - aeducação aparece como“[...] direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
 
Outrossim, o princípio da dignidade da pessoa humana é balizador das condições materiais exigíveis na fixação do padrão mínimo. Possui a importante função demarcatória, estabelecendo a fronteira para o que se convenciona denominar padrão mínimo na esfera dos direitos sociais.
 
Nesse contexto, não poderá a Administração Pública eximir-se da responsabilidade que lhe é inerente no que diz respeito à outorga do direito à educação como forma mais contundente de expressão do direito à vida e à dignidade da pessoa humana.
 
De mais a mais, como bem destacado na decisão impugnada, a legislação específica - Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei nº 13.146, de 06/07/2015, traz expressa previsão em relação ao direito à educação. Neste sentido são as disposições contidas nos artigos 27 e 28 do mencionado Diploma Legal:
 
“Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.
 
Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.
 
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
 
(...)
 
XVII - oferta de profissionais de apoio escolar;”
 
Denota-se, ainda, que a ausência de profissional adequado tem prejudicado o regular desenvolvimento da menor protegida. Em tais situações, onde se exige uma atenção especial, é indispensável o regular acompanhamento da criança.
 
Mesmo com a ajuda adequada há alguma dificuldade para tais infantes, ou seja, sem este indispensável acompanhamento o desenvolvimento estará completamente comprometido.
 
Inobstante a carência mencionada, destaco, conforme ressaltado em julgamento realizado nesta Corte de Justiça“que não se pode olvidar que os recursos públicos são finitos e escassos frente às infindáveis necessidades humanas. Todavia, a tutela das finanças públicas, não pode ser considerada como um fim em si mesmo, já que o Estado existe para satisfazer as necessidades vitais do homem e não ao contrário.
 
Aliás, vários são os precedentes do Supremo Tribunal Federal que reforçam a onerosidade dos direitos sociais sujeita à reserva do financeiramente possível, dentre os quais destaco: o direito à educação infantil (ADPF nº 45, Rel. Min. Celso de Mello, j. 29/04/04), a distribuição gratuita de medicamentos a pacientes com AIDS (RE nº 271.286/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 12/09/00); o direito à vida e à saúde (RE nº 383.175/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 01/02/06) etc.
 
Entretanto, a chamada Cláusula da Reserva do Possível não pode ser alegada para eximir o Estado de realizar as necessidades fundamentais do homem (vida, saúde, educação, etc), ainda que necessite criar créditos suplementares ou remanejar outras verbas orçamentárias, incumbindo-se ao Poder Judiciário determinar o cumprimento da ordem valorativa estabelecida no texto constitucional. É perfeitamente possível, portanto, o cancelamento de rubricas orçamentárias destinadas à publicidade estatal, v.g., para satisfazer o direito à educação, indispensável ao exercício pleno da cidadania.
 
Dessa forma, o Poder Judiciário Amapaense não apenas pode como deve determinar ao Executivo, no exercício da jurisdição, que realize as prestações públicas fundamentais estabelecidas na Constituição, para, a um só tempo, salvaguardar lesão ou ameaça de direito e impedir que o cidadão agonize a espera de um medicamento ou tratamento que lhes proporcione existência digna.” (MS nº 1.162/07, Rel. Des. Raimundo Vales, j. 27.02.2008)
 
Atuação estatal na concretização do comando constitucional deverá orientar-se, em especial, pelo Princípio da Máxima Efetividade da Constituição onde “à uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todos e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas pragmáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais.” (José Joaquim Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra, Portugal, Livraria Almedina, p. 1208).
 
Na hipótese dos autos resta evidenciada a necessidade de intervenção do Judiciário para adoção de medidas indispensáveis para assegurar às crianças e adolescentes, inclusive aqueles que necessitam de atenção especial, o mínimo necessário ao pleno desenvolvimento não apenas intelectual, mas, sobretudo, humano, com vistas ao exercício da cidadania.
 
Acerca da matéria trago à colação entendimento já exposto por nossa Corte de Justiça:
 
CONSTITUCIONAL - APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO À EDUCAÇÃO - TRANSPORTE ESCOLAR GRATUITO. 1) A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente garantem o direito ao ensino e ao acesso a este, sendo responsabilidade dos entes federados fornecer escolas, bem como o transporte escolar gratuito às crianças e adolescentes do ensino municipal e estadual. 2) Remessa ex officio não provida e recurso voluntário prejudicado.(TJAP, APELAÇÃO. Processo Nº 0001097-39.2012.8.03.0007, Relator Juiz Conv. JOAO GUILHERME LAGES MENDES, CÂMARA ÚNICA, julgado em 29 de Julho de 2014, publicado no DJE Nº 151/2014 em 25 de Agosto de 2014)
 
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À EDUCAÇÃO. REFORMA DE ESCOLA. PRAZO PARA INÍCIO DA OBRA. MULTA-DIÁRIA. 1) A Constituição Federal de 1988, em seu art. 205, estabelece que a educação é um direito de todos e um dever do Estado, que deve ser garantido mediante políticas que visem ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, dispondo, ainda, em seu art. 227, ser de absoluta prioridade em relação à criança, ao adolescente e ao jovem. 2) Verificado que o prazo estabelecido para o Estado iniciar a obra de reforma da escola não se revela razoável, frente às providências administrativas que devem ser tomadas pela Administração para o fiel cumprimento da decisão judicial, impõe-se a ampliação do mesmo de 15 para 60 dias. 3) Se o valor fixado a título de multa-diária, para o caso de descumprimento da medida judicial, reclama redução, diante das peculiaridades do caso concreto, cabe ao Tribunal fazê-la, em grau de recurso. 4) Remessa oficial à qual se dá parcial provimento e apelação julgada prejudicada.(TJAP, REMESSA EX-OFICIO (REO). Processo Nº 0000334-44.2012.8.03.0005, Relator Desembargador CARMO ANTÔNIO, CÂMARA ÚNICA, julgado em 23 de Setembro de 2014)
 
Por fim, deve ser consignado, ainda, como também realçou o Juiz singular, que a ação civil pública decorre de procedimento administrativo instaurado em março de 2018, sendo que, decorridos cerca de 04 (quatro) meses, não se obteve uma solução fora da esfera judicial.
 
Único aspecto que entendo ser necessária pequena correção, em razão da realidade atual, diz respeito ao prazo para cumprimento da obrigação imposta na liminar, porquanto, no meu sentir e considerando as peculiaridades próprias da lide em questão, se mostra um pouco exíguo, devendo ser dilatado para possibilitar o fiel cumprimento dodecisum.
 
Posto isto, e por tudo o mais que dos autos dou provimento parcial ao agravo de instrumento, a fim de fixar o prazo de 60 (sessenta) dias para que o agravante, Estado do Amapá, cumpra a obrigação constante na decisão impugnada - Processo n. 0022802-04.2018.8.03.0001, mantendo, em caso de descumprimento, a multa nela constante.
 
É o meu voto.
 
O Excelentíssimo Senhor Desembargador AGOSTINO SILVÉRIO (1.º Vogal) - Acompanho o Relator.
 
A Excelentíssima Senhora Desembargadora SUELI PINI (2.ª Vogal) - Também acompanho.
 
DECISÃO
 
A Câmara Única do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, por unanimidade, conheceu do agravo de instrumento, e, no mérito, pelo mesmoquorum, deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto proferido pelo Relator.

Companheira, assim como descendente, tem direito a metade de imóvel do falecido


14/11/2018Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

Equiparação de cônjuge e companheiro na sucessão ainda gera polêmica e promove o debate


14/11/2018Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

Em maio de 2017, no julgamento do Recurso Extraordinário Nº 878.694, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, o qual sustenta diferenciação entre cônjuge e companheiro, no que tange à sucessão hereditária.

O Ministro Barroso, relator, firmou a seguinte tese acerca do tema: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/02”.

A decisão parecia ter solucionado grande controvérsia jurídica, a partir da fixação da referida tese, cônjuges e companheiros deveriam ter os mesmo direitos na sucessão. Acontece que não ficou clara como seria essa aplicação do artigo 1.829, que regula a ordem de vocação hereditária. Acerca do tema, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) pediu esclarecimentos ao STF, em sede de embargos de declaração.

Nos embargos de declaração, o IBDFAM sustentou que o regime sucessório do cônjuge não se restringe ao artigo 1.829 do Código Civil, de forma que o acórdão embargado teria se omitido com relação a diversos dispositivos que conformam esse regime jurídico, em particular o artigo 1.845 do Código Civil. A entidade pediu esclarecimentos sobre qual seria o alcance da tese de repercussão geral, no sentido de mencionar as regras e dispositivos legais do regime sucessório do cônjuge que devem se aplicar aos companheiros.

Os embargos foram rejeitados pelo STF porque, segundo o Ministro Barroso, “a repercussão geral reconhecida diz respeito apenas à aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis. Não há omissão a respeito da aplicabilidade de outros dispositivos a tais casos”.

“A posição que prevalece é a de que o companheiro é herdeiro necessário”, diz especialista.

Para Ana Luiza Nevares, vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Família do IBDFAM, que é favorável à equiparação de regimes sucessórios para cônjuge e companheiro, quando o STF diz que o regime sucessório não pode ser diferente, automaticamente está dizendo que, se um é herdeiro necessário, o outro também é.

“Tecnicamente, eu não consigo enxergar a matéria de outro jeito. Se é inconstitucional tratar eles (cônjuge e companheiro) de forma diversa, então ambos têm que ter os mesmos direitos sucessórios”, diz.

Ela expõe: “Para mim, a ratio decidendi, a razão de decidir do Supremo, foi muito clara: na sucessão hereditária, ambos são tratados de forma igual, se o cônjuge é herdeiro necessário o companheiro também deve ser. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou no sentido de que a repercussão geral estabelecida pelo STF leva, necessariamente, a posição do companheiro como herdeiro necessário. Mas é verdade que essa manifestação ainda não se deu em sede de uma decisão vinculante, pode ser que o STJ mude a sua posição. Eu penso que a razão de decidir da repercussão geral foi a igualdade plena de direitos sucessórios entre cônjuge e companheiro, eu já tenho uma posição da corte superior a respeito da legislação infraconstitucional, já tenho uma posição do STJ no sentido de que o companheiro é herdeiro necessário, então, apesar da decisão do STF nos embargos, a posição que prevalece é a de que o companheiro é herdeiro necessário. Evidentemente, o debate está na mesa e seria muito importante que a gente tivesse uma decisão que resolvesse de uma vez essa questão”.

Contraponto

Para o advogado Mário Luiz Delgado, presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM, que é contrário à equiparação entre união estável e casamento, casamento e união estável são duas entidades familiares típicas, mas com “enorme” diferenciação fática e normativa.

“A tutela estatal abrangente das entidades familiares típicas e atípicas não provoca a equiparação da respectiva moldura normativa, posto que em sendo diversas as suas características, imperioso reconhecer a diversidade de regimes legais, sem que se incorra no equívoco da hierarquização”, diz.

Delgado entende possível ao legislador infraconstitucional estabelecer regras e direitos diferentes, especialmente no que se refere à qualidade de herdeiro necessário. Sobre o tema ele comenta: “Mesmo após a decisão do STF, não cabe a aplicação do art. 1.845, com elevação do companheiro sobrevivo ao status de herdeiro necessário. Primeiro porque ser herdeiro necessário decorre do preenchimento das formalidades próprias do casamento, dispondo a lei, de forma explícita, que somente quem possua o estado civil de ‘casado’ portará o título de sucessor legitimário, ostentando a qualificadora restritiva da liberdade testamentária. Segundo porque o art. 1.845 é nítida norma restritiva de direitos, pois institui restrição ao livre exercício da autonomia privada e, conforme as regras ancestrais de hermenêutica, não se pode dar interpretação ampliativa à norma restritiva. O rol do art. 1.845, portanto, é taxativo. Da mesma forma que só a lei pode retirar qualquer herdeiro daquele elenco, somente a lei pode ampliar o seu conteúdo, não sendo permitido ao intérprete fazê-lo”.

Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM, “se equiparar cônjuge e companheiro em todas as premissas, incluindo o de ser herdeiro necessário, estará tolhendo a liberdade das pessoas de escolherem esta ou aquela forma de família. Poderia, na verdade, sucumbir o instituto da união estável. Se em tudo é idêntica ao casamento, ela deixa de existir, e só passa a existir o casamento. Afinal, se a união estável em tudo se equipara ao casamento, tornou-se um casamento forçado. Respeitar as diferenças entre um instituto e o outro é o que há de mais saudável para um sistema jurídico. Um dos pilares de sustentação do Direito Civil é a liberdade. Se considerarmos o (a) companheiro (a) como herdeiro necessário estaremos acabando com a liberdade de escolha entre uma e outra forma de constituir família, já que a última barreira que diferenciava a união estável do casamento já não existiria mais”.

“Debate continua”, diz advogado

Ana Luiza Nevares afirma que a decisão do STF nos embargos de declaração deixou a situação “confusa” e abriu espaço para mais debates sobre a matéria. “Ao meu ver, essa decisão está trazendo angústia, porque o artigo 1829, que regula a ordem de vocação hereditária, não vive sozinho. Ele precisa dos outros artigos que regulamentam a divisão entre os herdeiros previstos no artigo 1829. Outros dispositivos regulamentam como se dá a partilha da herança do artigo 1829 e o Supremo disse que nenhum desses artigos, inclusive, o artigo 1845, que se refere à sucessão hereditária, foram discutidos na repercussão geral. A situação ficou um pouco confusa porque, inicialmente, o Supremo diz que a sucessão do cônjuge e do companheiro é igual, depois, nessa decisão, ele diz que determinados artigos não forma abordados, então ainda há a discussão se o companheiro é ou não herdeiro necessário”.

Com outro ponto de vista, Mário Delgado interpreta que o STF foi “expresso e categórico” ao aduzir que a repercussão geral reconhecida no acórdão embargado dizia respeito apenas à aplicabilidade do artigo 1.829 do Código Civil às uniões estáveis, não existindo qualquer omissão a respeito da aplicabilidade de outros dispositivos a tais casos. “A decisão vai ao encontro das minhas manifestações anteriores, na linha de que o companheiro não se tornou herdeiro necessário, pois o STF não se manifestou, em momento algum, sobre a aplicação do art. 1.845 à sucessão da união estável. As leis gozam de presunção de constitucionalidade e se o STF nada disse sobre o art. 1.845, que exclui o companheiro sobrevivente, presume-se a sua constitucionalidade. Logo não se pode em absoluto supor ou pressupor a sua inconstitucionalidade. Até que o STF volte a se manifestar sobre o tema, especificamente no que tange ao art. 1.845, herdeiros necessários no nosso ordenamento jurídico permanecem sendo apenas descendentes, ascendentes e cônjuge. O companheiro, por ora, está fora desse rol. E isso não significa qualquer incompatibilidade no ordenamento, em razão das diferenças entre as duas entidades, como eu já pontuei”, salienta.

Segundo o advogado Flávio Tartuce, diretor nacional do IBDFAM, o STF não apreciou a questão da distinção entre cônjuge e companheiro na sucessão, no julgamento dos embargos. “Entendo que o julgamento dos embargos de declaração pelo STF não mergulhou na análise de ser o companheiro herdeiro necessário ou não. Houve a sua rejeição (dos embargos) por uma razão processual e o debate continua nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Na minha visão, predomina a resposta positiva na doutrina. Ademais, existem julgados do STJ na mesma linha. Porém, para que haja uma pacificação do tema e nos termos do art. 927 do CPC/2015, a questão precisa ser solucionada pela Segunda Seção do STJ ou pelo próprio STF em outro julgado”.

http://www.ibdfam.org.br/noticias/6813/Equipara%C3%A7%C3%A3o+de+c%C3%B4njuge+e+companheiro+na+sucess%C3%A3o+ainda+gera+pol%C3%AAmica+e+promove+o+debate

O VALOR JURÍDICO DO AFETO E A INDENIZAÇÃO POR DESAMOR

Por Jordana Mendes Silva

Resumo: A indenização por abandono afetivo não deve ser encarada como uma forma de vingança exercida pelo “filho rejeitado” e não pode ter por escopo interesses puramente patrimoniais-individualistas, mas, com fulcro em um direito violado ou dever omitido, deve ser passível de reparação. Não é só a presença física dos pais que cumprem de forma satisfatória o dever de convivência familiar, exigindo-se a presença moral e afetiva, sendo a omissão um ato lesivo aos direitos da personalidade da criança. O Direito Civil soma o papel de resgatar a dignidade da pessoa humana e os direitos sociais, em conformidade com o previsto constitucionalmente, também pela relevância do tema, pois, na análise do conceito atual de família, prevalece a ideia de afetividade.

Artigo publicado na REVISTA ELETRÔNICA DO MPGO

Confiram no link abaixo

http://www.mp.go.gov.br/revista/edicoes_anteriores/pdfs_7/11-Artigo%2022_R28_Layout%201.pdf

Jurista ressalta a necessidade de uma maior punição nos casos de abandono afetivo


23/05/2018Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJSP e TJAC)
Dois casos ganharam destaque recentemente na Justiça, envolvendo questão de abandono afetivo. Um deles na 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP); o outro, na Vara Cível da Comarca de Brasileia, no Acre.
A 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP reformou uma decisão da Comarca de Limeira, julgando como procedente o pedido de indenização de uma mulher por abandono afetivo e material do seu pai. O valor definido para a reparação foi equivalente a 45 salários mínimos.
De acordo com os autos, o pai da autora abandonou a família, faltando com a assistência moral, afetiva e material. Ele alegou, em sua defesa, que o afastamento se deu por desentendimentos com a mulher. Mas, quando a filha o procurou, 20 anos depois, a tratou bem.
Para o relator, Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, o réu faltou com o dever de prover assistência e alimentos para com a filha, e a pena pecuniária é devida pelo abandono consciente e voluntário promovido por ele. O voto foi acompanhado por unanimidade pelos outros desembargadores presentes.
Abandono moral e efetivo de idoso
Já decisão da Vara Cível da Comarca de Brasileia-AC responsabilizou uma herdeira por abandono moral e afetivo de idoso, destinando a ela R$ 4.937,36, o equivalente apenas a 50% do valor total da herança, enquanto os outros 50% foram fixados ao Lar dos Vicentinos, em Cáceres/MT, instituição onde o falecido pai passou os últimos anos de vida.
“Ao demonstrar ingratidão, desapreço ou ausência de sentimento afetivo para com o de cujus, submetendo-o ao desamparo e a solidão, nada mais justo que deferir o pleito em somente 50% do valor existente em conta bancária em favor da autora, proporção esta que a lei lhe garante no direito sucessório”, relatou o juiz Gustavo Sirena.
Ao analisar o mérito, verificou-se na certidão de óbito que o lugar do falecimento foi o Lar dos Vicentinos, e que, na ocasião da lavratura do documento, o funcionário do local não soube informar se o idoso deixava filho, o que demonstra a ausência de contato entre as partes. Em suas alegações, a autora ressaltou que o reconhecimento da paternidade ocorreu há apenas oito anos, quando pôde conhecer o pai.
O advogado Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, é favorável à indenização pelo efetivo abandono afetivo, “que se caracteriza pelo deliberado e propositado afastamento de um pai que ignora a existência de um filho. Seja não registrando-o; ou registrando-o e o abandonando. Não precisa ser um abandono material, mas um abandono afetivo, com relação aos cuidados, se afastando da existência desse filho, não procurando, não se inteirando, evitando a convivência. Mesmo que pague a pensão alimentícia, para mim existe um real e efetivo abandono, e esse abandono precisa sim ser combatido através da responsabilidade civil, da indenização pelo descuido, pelo não dever de cuidar do filho”, afirma.
Sobre as leis que visam combater o abandono afetivo, ele comenta: “Infelizmente, neste País, as leis chegam com muito atraso, e a renovação da própria jurisprudência às vezes demanda algum tempo, quando a gente verifica que em outros países já estão decidindo neste ou naquele sentido já de longo tempo. Isso acontece aqui com relação ao abandono afetivo. Veja, por exemplo, um pai que abandonou um filho e nunca se interessou, pode tê-lo registrado ou pode até não ter registrado, mas se afasta, não tem uma convivência sequer. A pergunta que eu faço é a seguinte: se este filho morre e não há outros filhos ou descendentes, o pai que o abandonou teria direito à herança? Se tivesse registrado, teria direito à herança, porque a nossa lei não prevê perda do direito hereditário pelo abandono afetivo. Ao contrário de outros países, que ampliaram o leque em casos de indignidade e incluem o abandono afetivo como causa de indignidade, como um motivo para excluir da herança um pai ou um filho, porque é uma via de duas mãos.”
O jurista prossegue: “Filhos que abandonam os pais, pouco importa se eles são registrados, mas que ignoram e excluem a existência dos pais da vida deles. Quando os pais falecem, só porque eles são considerados herdeiros necessários, vão lá e recolhem a herança de alguém que eles nunca se preocuparam, de alguém que eles não sustentaram, e assim por diante. De sorte que como se trata de uma via de duas mãos, para mim deveria não só ter lugar a indenização pelo abandono afetivo, e aí considero abandono afetivo dos pais em relação aos filhos, e no caminho inverso, dos filhos em relação aos pais, e dentre os efeitos deste abandono afetivo incluo a exclusão do direito de herdar por indignidade. Seja do pai que falece, seja do filho que falece. O pai ou o filho que abandona o seu progenitor ou seu descendente deveria sim ser excluído da herança daquele, sem prejuízo da ação de responsabilidade pelo abandono, porque afinal de contas os parentes devem ter, no mínimo entre si, um ato de solidariedade.”
Na opinião de Rolf Madaleno, um dos motivos pelos quais existe uma situação tão evidente, clara e nefasta de abandono está exatamente no fato de que a nossa lei não prevê nenhum tipo de punição. “Não prevê a exclusão do direito hereditário por indignidade, por abandono, porque deveria ser um ato de exclusão do direito de herança, mas não existe essa punição, não existe esse efeito. Pelo contrário, na nossa legislação os ascendentes e descendentes são herdeiros necessários e aconteça o que acontecer eles sempre terão direito à herança, salvo aquelas causas expressas e antigas, previstas no Código Civil desde 1916, como motivos de indignidade, que são extremamente insuficientes. Códigos mais modernos já avançaram e já incluíram outras causas de indignidade, e entre essas outras causas estão aí exatamente o abandono afetivo, o abandono material, o abandono psicológico. É por isso que aqui a impunidade reina ainda solta, tranquila, porque existem muito mais garantias do que punições”, afirma.
Projetos de Lei
Atualmente, estão em tramitação:
PLS 470/2013 - Estatuto das Famílias (elaborado pelo IBDFAM), que prevê em seu artigo 108: “Considera-se conduta ilícita o abandono afetivo, assim entendido a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental da criança ou adolescente”;
PLS 700/2007 (de autoria de Marcelo Crivela), que modifica a Lei 8.069/90 (ECA) para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal;

PL 4294/2008 (de autoria de Carlos Bezerra), que acrescenta parágrafo ao art. 1.632 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e ao art. 3° da Lei nº 10.741, de 1ª de outubro de 2003 - Estatuto do Idoso, de modo a estabelecer a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo.

Recepcionista negra será indenizada por dano moral

#RacismoNÃO 🚫 A funcionária de uma empresa de call center acionou a justiça por sofrer discriminação por sua aparência. Segundo os autos, a supervisora de recursos humanos fazia críticas frequentes à aparência da funcionária e insistia para que ela alisasse o cabelo ou o mantivesse preso para "cuidar de sua aparência" e manter um aspecto "arrumado". Mesmo após seguir a instrução, a recepcionista passou a ser alvo de piadas entre os colegas. Saiba mais em http://bit.ly/RacismoNAO

Descrição da imagem #PraCegoVer e#PraTodosVerem: fotografia de uma mulher negra com uma expressão séria. Ela tem cabelos cacheados. Feio é o seu preconceito. Recepcionista negra será indenizada por dano moral após receber orientação de supervisora para alisar cabelo. Caso feriu o princípio da igualdade e o respeito à dignidade da pessoa humana. Decisão do TRT 12. CNJ


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STJ: sucessão anterior à lei de união estável submete-se às regras da sociedade de fato

ADFAS nov 14, 2018

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou, por unanimidade, recurso que discutia se bens acumulados com esforço exclusivo de apenas um dos companheiros, em período anterior à vigência da Lei 9.278/96 – que regulamentou a união estável –, deveriam ser divididos proporcionalmente entre os herdeiros no caso de morte de um dos companheiros.
A turma manteve o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que entendeu inexistir provas que evidenciassem o esforço comum, requisito essencial para declarar a partilha igualitária de bens adquiridos anteriormente à edição da lei que regulamentou a união estável. Além disso, para a corte goiana, dar provimento ao pedido configuraria ofensa a direito adquirido e a ato jurídico perfeito e, por alcançar bens de terceiros, causaria insegurança jurídica.
O ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso no STJ, concluiu pelo acerto da decisão do TJGO, acentuando que “o ordenamento jurídico pátrio, ressalvadas raras exceções, não admite a retroatividade das normas para alcançar ou modificar situações jurídicas já consolidadas. Portanto, em regra, a alteração de regime de bens tem eficácia ex nunc”.
Esforço individual
O processo foi iniciado por descendentes exclusivos do companheiro já falecido da ré, com quem a requerida conviveu 60 anos em relacionamento que, à luz da legislação da época, era denominado sociedade de fato.
Os autores da ação buscaram o Judiciário alegando ter direito, como herança, à parcela de bens imóveis em posse da companheira de seu ascendente e que teriam sido adquiridos no âmbito da união estável.
Reconhecido esse direito em primeira instância, o juiz determinou a partilha de 50% dos bens que tiveram participação do falecido na sua aquisição. Ao apelar para o tribunal estadual, a ex-companheira alegou que os imóveis em sua posse eram fruto de seu esforço individual, e não deveriam ser considerados para fins de inventário, fundamento aceito pela segunda instância, ao reformar a decisão.
Institutos distintos
O STJ, ao analisar o recurso das supostas herdeiras, entendeu que a presunção de esforço comum, típica da união estável, não alcançava o caso em discussão, pois a lei que estabeleceu esse regime foi editada em momento posterior aos fatos. Também levou em conta não ter sido comprovada a colaboração individual de cada um na aquisição e administração de seus respectivos bens, conforme estabelecido pelo tribunal estadual.
Em seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva afirmou que o TJGO interpretou bem o caso ao desfazer a confusão acerca dos conceitos de união estável e sociedade de fato, institutos autônomos e distintos, principalmente em relação à presunção de esforço comum, típica da união estável e inaplicável à sociedade de fato.
“Portanto, no caso concreto, não há falar em partilha em virtude da ausência de vontade na construção patrimonial comum e por não se admitir que a requerida seja obrigada a partilhar bens, a princípio próprios, que adquiriu ao longo da vida por esforço pessoal, com quem não guarda parentesco algum”, concluiu o ministro.
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Fonte: STJ (14/11/2018)