O juiz de Direito Paulo Sérgio Mangerona, da 1ª vara Cível de Santos/SP, negou indenização a uma mulher que recebeu atestado médico com o CID errado da doença. O CID mencionado no atestado dava conta de que a paciente era portadora de HIV, sendo que tinha feito tratamento de gastroenterite.
Embora confirmado que o erro material constante do atestado médico era "indiscutível", consignou o juiz sentenciante que a ficha de atendimento aponta que a doença da autora foi corretamente diagnosticada e tratada, "tudo sem maiores complicações".
Quanto ao erro no atestado médico, ponderou o magistrado que foi inocente e incapaz de atingir a honra e reputação da paciente. "Aliás, se realmente a autora foi efetivamente tomada pelo pânico ou se sentiu constrangida com o ocorrido, mormente por conta de comentários feitos por seu empregador, alunos da faculdade e da postura incompreensível de seu noivo, por óbvio que isto se deu mais pela desinformação e preconceito dela própria e de todas essas pessoas próximas do que em razão da atitude da médica responsável pelo preenchimento do documento", afirmou.
O advogado Mauricio Guimarães Cury, sócio do escritório Cury e Moure Simão Advogados, atuou na causa pelo Hospital Sociedade de Beneficência Portuguesa de Santos.
TJ-SP
Disponibilização: segunda-feira, 12 de março de 2012.
Arquivo: 1980 Publicação: 151
SANTOS Cível 1ª Vara Cível
562.01.2011.033132-6/000000-000 - nº ordem 1044/2011 - Indenização (Ordinária) - R.M.R. X HOSPITAL SOCIEDADE DE BENEFICÊNCIA PORTUGUESA DE SANTOS E OUTROS - Fls. 203 - Isto posto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação e condeno a autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em R$ 1.500,00, para cada réu, nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC, com as ressalvas da Lei 1060/50.
CERTIDÃO: Certifico e dou fé que as custas de apelação importam no valor de R$ 1600,00 (Lei Estadual 11.608 de 29/12/2003, art. 4º, II, parágrafo 2º) e deverão ser depositadas no Código 230 (GARE), bem como o apelante deverá depositar o valor de R$ 50,00, correspondente ao porte de remessa e retorno dos autos ao Tribunal, no código 110-4 na guia do Fundo de Despesas do Tribunal - DECO, tudo conforme provimento 833/2004 de 09/01/2004. Santos, d.s.. Eu, __________________, (Luciane Ferreira Martins Ares), escrevente, subscrevo. - ADV LISSA CARON SARRAF E SILVA OAB/SP 311128 - ADV MAURICIO GUIMARAES CURY OAB/SP 124083 - ADV HENRIQUE BERKOWITZ OAB/SP 86513 - ADV DANIELLA LAFACE BERKOWITZ OAB/SP 147333 - ADV GUSTAVO MARTINS BORGES OAB/SP 278776
Vistos, R.M.R. moveu a presente ação contra o HOSPITAL SOCIEDADE DE BENEFICÊNCIA PORTUGUESA e A.C.S.B. objetivando o recebimento de indenização por danos morais decorrentes da emissão de um atestado médico, por parte da segunda ré, preposta do hospital demandado, contendo a anotação incorreta de um CID (Código Internacional de Doenças) - dando conta de que era portadora do vírus HIV.
Disse ter experimentado constrangimento e sério dissabor com o ocorrido, tudo passível de ser reparado. Fundamentou o pleito no artigo 186 do CC/2002. Atribuiu à causa o valor de R$ 80.000,00. Instruiu a inicial com os documentos de fls. 17/19.
Citado, o hospital-réu apresentou a contestação de fls. 25. Arguiu, em sede de preliminares, a ilegitimidade passiva.
No mérito, a seguir, ressaltou a regularidade do atendimento médico prestado à autora, bem como o detalhe de ter sido preenchido o atestado indicado na inicial com mero erro material, até porque sequer a paciente chegou a ser submetida a um teste de HIV no hospital, onde apenas recebeu tratamento para diarréia e gastroenterite.
Salientou, ademais, a inexistência de danos morais a serem reparados. Pugnou, enfim, pela improcedência da causa. Juntou os documentos de fls. 53/116. Houve réplica a fls. 138.
A corré A.C.S.B. também foi citada e ofereceu a defesa de fls. 164. Arguiu, como matéria preliminar, a ilegitimidade passiva. No mérito, em seguida, sustentou que a autora foi devidamente tratada no hospital, tendo contado com o diagnóstico correto para sua doença (CID A09), de sorte que, por mero erro de grafia, foi lançado no atestado que assinou um código diverso referente à sua moléstia. Afirmou, outrossim, ter tomado conhecimento do ocorrido somente após a propositura desta demanda, sendo certo que tal atestado poderia muito bem ter sido substituído por outro a qualquer momento. Também realçou a inexistência de danos morais causados à autora. Pediu a improcedência da demanda. Juntou os documentos de fls. 159/161 e 176. Réplica da autora a fls. 181.
É o relatório, no essencial.
DECIDO.
O feito comporta julgamento antecipado nos termos do artigo 330, inciso I, do CPC, já que desnecessária a produção de outras provas.
O hospital-réu tem legitimidade para responder à presente ação, pois invariavelmente em suas dependências a autora recebeu atendimento médico para o quadro de gastroenterite indicado na inicial.
A médica-requerida também tem legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, posto que preencheu e assinou o atestado de fls. 19 com dados incorretos.
Atinente à matéria de fundo, porém, deve a ação ser julgada improcedente.
Indiscutível o erro material constante do atestado médico de fls. 19, onde foi mencionado o CID B24, quando o correto seria CID A09, especialmente porque a autora em março de 2010 tão-somente passou por um atendimento médico para tratamento de uma gastroenterite, tendo ficado por poucas horas sob os cuidados da médica-ré e nas dependências do Hospital Beneficência Portuguesa.
A ficha de atendimento de fls. 87, inclusive, bem aponta o correto diagnóstico da moléstia que acometeu a autora naquela oportunidade, correspondente ao CID A09, e todos os procedimentos adotados para o restabelecimento de sua saúde, o que se deu em seguida com sucesso.
Não se observa no feito, no mais, qualquer erro médico ou atendimento falho prestado à autora, tanto que sua doença foi corretamente diagnosticada e tratada, tudo sem maiores complicações.
Já o erro material constatado no atestado, justamente pelo simples e rotineiro atendimento médico prestado à paciente, mostrou-se inocente e incapaz de atingir a sua honra e reputação.
Aliás, se realmente a autora foi efetivamente tomada pelo pânico ou se sentiu constrangida com o ocorrido, mormente por conta de comentários feitos por seu empregador, alunos da faculdade e da postura incompreensível de seu noivo, por óbvio que isto se deu mais pela desinformação e preconceito dela própria e de todas essas pessoas próximas do que em razão da atitude da médica responsável pelo preenchimento do documento.
Frise-se, outrossim, que a autora, quando de seu atendimento médico no hospital, não se submeteu a qualquer teste de sangue para detectar a presença de HIV, tampouco recebeu naquela ocasião qualquer diagnóstico de doença mais grave.
Tinha ela, portanto, inteiro conhecimento de que tudo não passou de um mero erro de grafia, detalhe esse, bastante simples, que bem poderia ser corrigido rapidamente, sem se exibir o atestado impugnado para outras pessoas, junto ao hospital e a médica requerida.
E é neste ponto, por sinal, que sua pretensão esbarra na litigância de má-fé, pois pela própria postura que adotou o problema de menor importância ganhou supostamente uma dimensão maior, nada razoável e inteiramente desproporcional. Note-se, a propósito, que esta demanda somente teria algum fundamento se, depois de notificados para a correção do CID anotado no atestado, tivessem os réus se recusado a tanto, o que não ocorreu em momento algum pelo que se infere dos autos, pois nenhum documento acompanhou a inicial dando conta de que foi formulado pedido de retificação do atestado perante o hospital.
Como é sabido, não é todo transtorno ou incômodo que dá ensejo ao reconhecimento moral passível de ser reparado. Este deve ser de tal intensidade que provoque humilhação ou vexame, considerável abalo psíquico, intensa tristeza e dor na alma, detalhes esses que definitivamente não se enquadram na narrativa dos fatos constantes da inicial.
Consoante lição de ANTONIO CHAVES, “propugnar pela mais ampla ressarcibilidade do dano moral não implica no reconhecimento de que todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação ao amor próprio, pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar de asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas, possibilitem sejam extraídas da caixa de Pandora do Direito, centenas de milhares de cruzeiros” (Tratado de Direito Civil, 3ª ed., RT, 1985, vol III, p. 637).
Outrossim, é de se ressaltar que o pressuposto para a configuração do dano moral, ausente na hipótese dos autos, é o gravame à imagem, à intimidade ou à honra da pessoa (CF, art. 5º, V e X).
A propósito, sobre este tema, conferir trecho do excelente voto proferido por Sérgio Cavallieri, na Apelação Cível 8.218/95, do TJRJ: “A matéria de mérito cinge-se em saber o que configura e o que não configura o dano moral. Na falta de critérios objetivos, essa questão vem se tornando tormentosa na doutrina e na jurisprudência, levando o julgador a situação de perplexidade. Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos agora o risco de ingressarmos na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias. Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos....”
Daí a clara improcedência da demanda. Isto posto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação e condeno a autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em R$ 1.500,00, para cada réu, nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC, com as ressalvas da Lei 1060/50. P.R.I.C.
Santos, 06 de março de 2012.
Paulo Sérgio Mangerona
Juiz de Direito
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