sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Acolhimento familiar cresce no Brasil como alternativa a abrigos e casas-lares


Estatuto da Criança e do Adolescente diz que acolhimento familiar temporário tem preferência ao institucional, mas abrangência do programa ainda é pequena

30 de maio de 2017 - 10:10Felipe Sérgio Koller

Mais de 40 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos no Brasil. Vítimas de abandono, maus-tratos, negligência e agressões, a grande maioria delas vai chegar à idade adulta sem saber o que é viver em uma família saudável. Mas há outro caminho, além da adoção, que possibilita essa oportunidade a essas crianças e adolescentes: o programa Família Acolhedora, que, graças à ação de ONGs, conselhos tutelares e juízes da Vara da Infância e da Juventude, tem crescido no Brasil como uma alternativa ao acolhimento institucional.

O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que “a inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional” (art. 34, parágrafo 1º). Apesar disso, o programa ainda tem uma abrangência pequena se comparado ao acolhimento institucional, em abrigos e casas-lares: segundo dados de 2016 do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, no Brasil inteiro há 962 crianças e adolescentes acolhidas em famílias..

“Por melhor que seja uma instituição, o melhor para a criança é ficar em uma família”, diz ao Sempre Família Leolina Cunha, diretora da Associação Cristã de Assistência Social (Acridas), que acaba de implantar o programa em Curitiba, com um evento no último domingo (28/05). A ONG capacitou cinco casais para se tornarem famílias acolhedoras na capital paranaense, que até agora não dispunha dessa modalidade de acolhimento.

“Existem pesquisas que dizem que o desenvolvimento neurológico da criança é muito melhor quando ela está inserida numa família do que quando está em uma instituição”, explica Leolina. O programa de formação dos casais abordou aspectos jurídicos, sociais e psicológicos do acolhimento familiar. “Não é adoção. Estas famílias estão muito conscientes do seu papel. Muitas vezes essa será a única chance de essas crianças saberem o que é realmente uma família. Essas famílias serão referenciais para elas pelo resto da vida”, diz a diretora.

O acolhimento familiar constitui uma guarda provisória da criança ou adolescente, diferentemente da tutela ou da adoção. O acolhido – sempre um por vez, a não ser que se trate de irmãos – permanece com a família de apoio até que volte para a família de origem, caso ela retome a sua guarda, até que seja adotado ou até completar 18 ou 21 anos, idade que depende da legislação local. Quem deseja adotar, porém, não pode entrar no programa de acolhimento familiar, que não tem por objetivo o estabelecimento de filiação, mas a prestação de um serviço à sociedade e ao acolhido.

“O diferencial é o atendimento individualizado que cada criança e adolescente acolhido recebe”, diz o juiz Sérgio Kreuz. “Na instituição isso não é possível. As crianças com frequência não formam vínculos com as pessoas que trabalham na instituição, em parte por causa da grande rotatividade dos voluntários, servidores e acolhidos. Sem uma relação de afetividade e afinidade com essas pessoas, a criança vê prejudicado o seu desenvolvimento”.

Referência internacional

Kreuz, que hoje é juiz auxiliar na Corregedoria-Geral da Justiça em Curitiba, esteve à frente da Vara da Infância e da Juventude por vinte anos na comarca de Cascavel. Lá, fez do programa de acolhimento familiar do município paranaense, iniciado em 2006, o maior da América Latina. Cascavel hoje sequer tem abrigos institucionais.

Os casais acompanhados pela Acridas, por exemplo, serão auxiliados com recursos da própria ONG – o que limita o crescimento do projeto. “O Estado tem recursos para os acolhimentos, mas eles são direcionados prioritariamente às instituições. Esse modelo precisa mudar, porque se o acolhimento familiar é preferencial, precisa ter prioridade no direcionamento de recursos”, aponta Kreuz. “É um processo longo, mas que está começando e precisa prosseguir”.Das 962 crianças e adolescentes acolhidas nessa modalidade no país, 332 estão no Paraná, das quais 253 em Cascavel. Em seguida, estão Rio de Janeiro, com 198 crianças, Santa Catarina, com 119, e São Paulo, com 116. Cinco unidades da federação ainda não implantaram o programa e em outras 15 delas o número de acolhidos não passa de 25. Para que o programa possa se expandir, é necessário o redirecionamento de verbas públicas.

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Criança mandada a abrigo deve ficar com pai registral até decisão final sobre veracidade do registro

DECISÃO
14/02/2019 19:29

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para que uma criança permaneça sob os cuidados do pai registral e de sua companheira até o trânsito em julgado da ação que investiga a legalidade do registro civil.

A Justiça estadual havia determinado a busca e apreensão e o acolhimento institucional da criança no âmbito de uma ação de destituição do poder familiar, investigação de paternidade e anulação de registro civil proposta pelo Ministério Público. Conforme o processo, a criança estava sob os cuidados do pai registral e da companheira desde os três dias de vida, e a medida judicial foi tomada quando ela já tinha 11 meses de idade.

Segundo o relator do caso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, a determinação de acolhimento institucional baseou-se tão somente no argumento do Ministério Público de que teria havido adoção irregular mediante fraude no registro, sem a apresentação de evidências de que a criança estivesse em perigo físico ou psíquico ao conviver com o pai e sua companheira.

Medida excepcional

O ministro destacou que a regra do artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê o acolhimento institucional em situações de risco, não prescinde da demonstração de evidências de ameaça de violação dos direitos tutelados.

“A ação do juiz corretiva de desvios – tanto no âmbito da ação estatal, no âmbito da família, por ato próprio da criança ou adolescente e, ainda, no âmbito da sociedade – deve, necessariamente, ser pautada pela precisa identificação de situação concreta de ameaça ou violação de direitos, notadamente em se tratando da medida de proteção que impõe o acolhimento institucional, por ser esta uma medida excepcional e provisória”, explicou o relator.

Salomão disse que o registro civil é dotado de fé pública e, até prova em contrário, goza de presunção de verdade. Dessa forma, a declaração do pai, ao reconhecer e registrar o filho, “não pode ser elidida por simples argumentações e conjecturas acerca de sua autenticidade sob o ponto de vista da paternidade biológica”.

Melhor interesse

O relator ressaltou que o melhor interesse da criança e do adolescente é mais que um princípio, pois traduz verdadeira regra jurídica de cumprimento e observância obrigatórios.

Portanto, segundo ele, devem ser afastadas medidas que, embora possam dar a impressão de atender ao caráter protetivo da lei, em certos casos revelam “excessivo formalismo a aviltar o melhor interesse da criança”, que é “conviver em um lar estabelecido”.

O mesmo entendimento vale, de acordo com o ministro, para a regra do cadastro nacional de adoção, cuja ordem cronológica pode ser flexibilizada em respeito ao princípio do melhor interesse.

“O Estatuto da Criança e do Adolescente não se rege pelo critério da legalidade estrita, mas sim pelo critério finalístico, que se alcança por meio de uma interpretação teleológica objetivando os fins sociais a que a lei se dirige, consoante o artigo 6º do citado diploma”, declarou.

Salomão afirmou ainda que não há razoabilidade na decisão de transferir a guarda da criança, primeiro a um abrigo e depois a outro casal cadastrado na lista de adoção, e que isso poderia causar “danos irreparáveis à formação de sua personalidade na fase mais vulnerável do ser humano”. Tal solução, acrescentou, “evidencia um desvirtuamento da regra máxima de proteção e do princípio do melhor interesse da criança”.O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.