domingo, 10 de fevereiro de 2019

Determinação do valor da pensão alimentícia


Na lição de Yussef Said Cahali (in Dos Alimentos, 2013, RT, 8ª Ed., p. 525) "(...) se a obrigação alimentar não se presta somente aos casos de necessidade, devendo-se considerar a condição social do alimentado, ter-se-á em conta, porém, que é imprescindível a observância da capacidade financeira do alimentante, para que não haja desfalque do necessário ao próprio sustento; (...) a prestação deve ser fixada em valor que se aproxima da realidade econômica do alimentante, se imprevisível o valor mensal de seus rendimentos, por auferir ganhos provenientes de comissões de venda ou de atividade liberal;”.
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A mora do donatário na execução do encargo abre ao doador duas alternativas

Veja a lição esclarecedora do doutrinador Fabio Ulhoa Coelho (in Curso de Direito Civil - Contratos, Ed. RT, 1ª e. em e-book, 2016, Capítulo 32, item 2, alínea "b"): “Na doação onerosa, as partes contratam que o acesso do donatário ao benefício depende do cumprimento, por ele, de uma obrigação - cujo valor, lembro, deve ser mínimo em face do bem doado. Normalmente, o contrato estabelecerá o prazo para o atendimento do encargo. Sendo omisso, pode o doador notificá-lo judicialmente estabelecendo prazo razoável para a execução da obrigação contraída. De uma forma ou de outra, vencida esta sem o adimplemento por parte do donatário, configura-se a mora. A mora do donatário na execução do encargo abre ao doador duas alternativas. A primeira é a da cobrança judicial, visando obter o resultado mais próximo do que adviria da execução voluntária da obrigação. Trata-se da opção do doador que ainda pretende ver realizados os desideratos levados em conta por ocasião da assinatura do contrato. A segunda alternativa é a revogação. Ao optar por ela, o doador desiste da realização dos objetivos que motivaram a liberalidade e busca apenas a restituição do bem doado. Na hipótese de revogação por inexecução do encargo, não há norma específica sobre o valor da indenização devida pelo donatário. Submete-se a matéria à disciplina geral que assegura à parte adimplente o direito de reclamar não só a perda, como também os lucros cessantes. Por fim, enquanto estiver em mora na execução do encargo, o donatário não pode compelir o doador à entrega da coisa doada. A doação onerosa é negócio contratual classificado como bilateral díspar e, portanto, seus contratantes podem suscitar a exceção do contrato não cumprido (CC, art. 476), como assentado anteriormente (Cap. 27, subitem 2.2)”.
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O direito real de habitação e o cônjuge/companheiro sobrevivente

Esse direito é chamado de "direito real de habitação" e o STJ entendeu que "(...) o imóvel que servia de residência do casal deve ser conferido ao cônjuge/companheiro sobrevivente não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando concorrerem filhos exclusivos do de cujus".(STJ. 3ª Turma. REsp 1134387/SP, julgado em 16/04/2013).
É bom saber, também, que o regime de bens não influencia neste direito. 
"(...) 4. O fato de o imóvel ter sido adquirido pelo falecido anteriormente à vigência da união estável não constitui, por si só, óbice ao reconhecimento do direito real de habitação da companheira. Com efeito, o regime de bens que rege a união estável não influencia no reconhecimento do direito real de habitação em favor da companheira sobrevivente, de modo que ainda que essa não constitua herdeira, merece ser amparada por ocasião da sua viuvez. Precedentes deste Egrégio.
5. Negou-se provimento à apelação". (TJ-DF, Acórdão n.1050239, 20141210055668APC, Relator: Flávio Rostirola, 3ª T. Cível, Data de Julgamento: 27/09/2017, Publicado no DJE: 02/10/2017. Pág.: 266/270)

Breves apontamentos sobre a evolução histórica do instituto jurídico da legítima no direito brasileiro


Resumo: O presente artigo objetiva traçar um breve panorama crítico a respeito da transformação histórica sofrida pelo instituto jurídico legítima no contexto específico do direito brasileiro. Serão sutilmente arrazoadas as premissas mais remotas que fizeram fundamentar a fixação da atual indisponibilidade de fatia ideal correspondente a 50% (cinquenta por cento) de patrimônio pertencente a determinado indivíduo, restritiva dos direitos de dar e de testar livremente, para finalmente cotejar o instituto com os fenômenos sociojurídicos ocorridos no Direito das Famílias e das Sucessões a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Direito das Famílias e das Sucessões; Direito Brasileiro; Legítima; Aspectos Históricos.

INTRODUÇÃO

A ideia de suceder, enquanto ato genérico de se tomar o lugar de outro, concebido no contexto de uma relação em que pessoas, por razões variadas, arvoram-se legitimamente sobre direitos e deveres dos quais originalmente não seriam titulares, confunde-se com a própria perspectiva que se idealiza de um Estado Democrático de Direito, fomentador de um dinâmico fluxo de ambições socioeconômicas, de forma geral manifestadas por todos os integrantes de sociedades ditas civilizadas.

A sucessão obituária, como espécie desse conceito, e em seu sentido mais estrito, consubstancia-se na potencial transmissibilidade de direitos e de obrigações em decorrência do falecimento de um indivíduo, desta feita por força de determinação legal, que designa-lhes uma específica destinação, ou, no mais das vezes, em razão de expressa manifestação de última vontade deduzida pelo proprietário, na medida em que essa mesma lei o autorizar.

Nesse enleio, o instituto jurídico da legítima figura como uma complexa construção cultural, presente na tessitura normativa de uma infinidade de ordenamentos jurídicos, fundada no conceito de que sobre uma fatia ideal do patrimônio pertencente a determinado indivíduo há de incidir parcial indisponibilidade, restritiva do direito de dar e testar livremente, porque referida parcela pertenceria, paradoxalmente, não a seu efetivo titular, mas a um grupo de indivíduos indicados pela lei.

É exatamente no sítio da história desse instituto secular que o presente trabalho pretende se desenvolver, tendo-se como objetivo principal o estabelecimento de uma narrativa crítica a respeito dos eventos históricos que propiciaram sua a constituição e sua a transformação no contexto específico do direito brasileiro.

Desse modo, serão brevemente retratados, sempre sob a perspectiva do instituto de que se cuida, os acontecimentos sociais e jurídicos que impregnaram as sociedades constitutivas da história ocidental, durante a antiguidade, idade medieval e idade moderna, de forma a entrelaçá-los com as bases históricas que fizeram brotar a legítima no Brasil.

Posteriormente, serão escrutinadas as modificações havidas no direito brasileiro pelas imediações da promulgação do Código Bevilácqua de 1916, possivelmente o maior responsável pela consolidação inconsciente do instituto da legítima no cenário jurídico brasileiro.

Nesse mesmo entremeio, serão observadas algumas modificações pontuais que afetaram o funcionamento do instituto até o advento da vigência do “velho novo” Código Civil de 2002, cujos dispositivos respectivos acabaram sendo quase que integralmente reproduzidos a partir do que já havia sido anteriormente fixado no código revogado.

Finalmente, o instituto será analisado a partir dos fenômenos sóciojurídicos irrompidos em decorrência do giro principiológico observado na história recente do sistema jurídico brasileiro, caracterizado pelo protagonismo normativo da Constituição Federal de 1988, avistando-se a sua possível deformação frente ao novo paradigma hermenêutico que se instalou.

(...)
LEGÍTIMA À BRASILEIRA E O CÓDIGO BEVILÁCQUA

A “controvérsia nacional” do século passado a respeito da configuração da legítima, já influenciada pelo proselitismo do costume, limitou-se a digladiar acerca do dualismo existente entre a mais absoluta liberdade de testar, fundada na autonomia da vontade, de raízes eminentemente romanas, e a sua mais completa proibição, que reconhecia continuidade somente nos herdeiros de sangue, sob pretexto de proteção familiar, alinhada com precedentes germânicos. A batalha teria sido intermediada pelo direito canônico, conjecturada por sua extremada moral religiosa.

O remédio: o titular de patrimônio somente seria dono, dono mesmo, de parcela correspondente a 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio, podendo disto dispor livremente, dizendo-a disponível. A parcela restante pertenceria “de pleno direito” aos “herdeiros necessários”, definidos em lei, constituindo fração patrimonial gravada com parcial indisponibilidade.

Essa ideia foi iniciada por Afonso Pena, a partir de decreto de sua lavra:

DECRETO Nº 1.839, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1907
Regula o deferimento da herança no caso da successão ab intestato

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil:

Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sancciono a resolução seguinte:
(...)
Art. 2º O testador que tiver descendente ou ascendente succesivel só poderá dispor de metade do seus bens, constituindo a outra metade a legitima daquelles, observada a ordem legal.

Art. 3º O direito dos herdeiros, mencionados no artigo precedente, não impede que o testador determine que sejam convertidos em outras especies os bens que constituirem a legitima, prescreva-lhes a incommunicabilidade, attribua á mulher herdeira a livre administração, estabeleça as condições de inalienabilidade temporaria ou vitalicia, a qual não prejudicará a livre disposição testamentaria e, na falta desta, a transferencia dos bens aos herdeiros legitimos, desembaraçados de qualquer onus.
(...)
Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1907, 19º da Republica.
AFFONSO AUGUSTO MOREIRA PENNA.
Augusto Tavares de Lyra.

E foi, assim, logo reproduzida no Código Civil de 1916, consoante base normativa ali fixada:

CC 1916
Art. 1.721. O testador que tiver descendente ou ascendente sucessível, não poderá dispor de mais da metade de seus bens; a outra pertencerá de pleno direito ao descendente e, em sua falta, ao ascendente, dos quais constitui a legítima, segundo o disposto neste Código (arts. 1.603 a 1.619 e 1.723)[22].

Apesar de paradoxal, a indisponibilização e a destinação obrigatória de parcela patrimonial aos considerados “herdeiros necessários”, no século passado, tinha nítida fundamentação na subsistência de um conceito familiar marcado pela explícita patrimonialização.

A família sempre foi tida, nesses idos, como uma instituição que possuía interesses morais e patrimoniais que dissolviam a figura de seus integrantes, individualmente considerados[23], e que denotava um forte e retroalimentado sentido de ostensividade moral e social.

Também por isso, era marcada por insidiosas peculiaridades, oriundas da ideia patrimonializadora da instituição familiar, como a explícita distinção de tratamentos entre os filhos considerados legítimos e aqueles havidos fora das núpcias, denominados adulterinos, a quem a legítima não se destinava, e, no mais das vezes, ficava proibido do recebimento de parcelas patrimoniais, ainda que em decorrência de vontade explicitamente manifestada.

Esse conceito foi paulatina e naturalmente superado, dando lugar à perspectiva de família como “locusde realização existencial de cada um de seus membros e de espaço preferencial de afirmação de suas dignidades”, nas palavras de Paulo Luiz Netto Lôbo[24].

LEGÍTIMA, O CÓDIGO REALE E O RECENTE FENÔMENO DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS NO BRASIL

É absolutamente sensível e aos quatro ventos tem-se revelado que o direito privado, tanto quanto outras vertentes jurídicas, viu-se profundamente afetado pelo giro principiológico evidenciado na história recente do sistema jurídico brasileiro, caracterizado pelo protagonismo normativo da constituição, cuja prospecção deixou de ser meramente figurativa e passou a ser de verdadeira ingerência formal e material, influenciando densamente a validação e a fundamentação das normas jurídicas.

A partir da promulgação da Carta Cidadã de 1988, qualificou-se a primazia constitucional em detrimento de uma paradigmática onipotência da legislatura ordinária, a se cominar uma necessária releitura de seculares institutos de Direito Civil, de modo a torna-los mais consentâneos com essa nova e dinâmica hermenêutica, intimamente “associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico”, conforme lecionado por Luís Roberto Barroso[25].

Foi exatamente essa conflagração ideológica contemporânea, possuidora de altíssima carga humanizadora, centralmente vinculada ao sobreprincípio da dignidade da pessoa humana, que remodelou de forma visceral as bases fundamentais do Direito de Família, promovendo, na mesma medida, a impositiva “ressignificação”[26]de institutos sucessórios que delas constituiriam prolongamento natural.

Retrata-se um fenômeno sem volta que tem tangenciado qualquer procedimento jurídico de produção interpretativa, jurisdicional e legiferante. Nos dizeres do doutrinador Paulo Luiz Netto Lôbo:

Pode afirmar-se que a constitucionalização é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional.[27]

O instituto jurídico da legítima, de natureza eminentemente sucessória, mas com incautos efeitos nos mais variados ramos do direito privado, passou a colocar-se em posição de considerável crise existencial dentro desse coetâneo reboliço constitucional.

Pois disso tudo indaga-se: exatamente por quais razões fundamentais valida-se a configuração matemática da legítima, restritiva de parcela ideal correspondente a 50% do patrimônio de determinado titular, dizendo-a pertencente aos denominados “herdeiros necessários”? Com quais grandezas constitucionais afinou-se o legislador ordinário ao tomar a drástica medida de ratificar, já na vigência da Constituição Cidadã, a supressão pela metade do livre exercício do direito de propriedade?

A resposta parece uníssona: por nenhuma e com nenhuma.

A vigente praxe do 50/50 tenta lançar um sentimento de razoabilidade e justiça social, às vezes digerido porque soa coerente. Contudo, e a bem de toda verdade, disfarça de forma implacável – e isto se percebe diante de sua mansa aquiescência social – uma solução puramente casuísta – senão genuinamente arbitrária – e totalmente cega à nova realidade instituída pelo sistema constitucionalizante da modernidade.

Esse vazio constitucional é prontamente notado, dentre outras tantas maneiras, a partir da análise das memórias legislativas que registraram a tramitação do Código Civil de 2002, indicativas de não ter havido uma mínima emenda sequer ao mencionado art. 1.846 (pedra de toque do instituto) e alusiva, portanto, à absoluta escassez de discussões sérias a respeito do tema por parte do Congresso Nacional[28]:

CC 2002
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.[29]

Ademais, a trava referida tem seu espírito autoritário dissipado em diversas outras normas infraconstitucionais, podendo ser visualizado notadamente nos dispositivos do Código Civil que nulificam a chamada doação inoficiosa (aquela em que a liberalidade cometida pelo titular do patrimônio ultrapassa a razão de 50% e arvora-se à parte que de pleno direito pertence aos herdeiros ditos necessários) e instituem a barreira testamentária (que impossibilita a livre disposição da legítima no ato de testar). Veja-se:

CC 2002
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.[30]

Ora, a legítima, tanto quanto arquitetada, representa uma vertiginosa limitação ao consagrado direito de propriedade, que representa um dos maiores matizes da ordem constitucional em vigor. E limitação a ele, portanto, só há de se operar na medida das próprias disposições constitucionais, e em razão delas.

Há, então, sentido constitucional na instalação de assemelhada contenção à disponibilidade do direito à propriedade?

A replicação é complexa e precisa navegar por um longo, profundo e cheio de vicissitudes oceano de argumentações, atravessando o mar intelectual da autonomia da vontade e dissecando princípios informadores do direito de propriedade.

Mas deve-se de já sintetizar que, de fato, o direito de propriedade não se apresenta absoluto, nem desatado de condicionantes constitucionais. Pelo contrário. As mais evoluídas linhas doutrinárias constitucionais vêm para estabelecer que o conteúdo ontológico do direito à propriedade é essencialmente vinculado à função social que deve desempenhar, disso despontando as suas mais variadas limitações.

O ponto nodal desse percurso é a inevitável colisão existente entre o livre exercício de uma das facetas do direito à propriedade, desdobrada na disposição (de doar e de testar, sobretudo) e o pretexto conservador de proteção às entidades familiares, a considerar que o instituto da legítima tem base histórica intimamente relacionada à ideia de perpetuação de suas idiossincrasias.

É indiscutível: a família goza de especialíssima proteção normativa, a ponto de ter para si privilegiada localização no plano da topografia constitucional. Todavia, a perspectiva conceitual da entidade, decifrada pela teoria constitucionalizante, não mais alberga qualquer conteúdo de ordem exclusivamente patrimonial, conforme defendido por Paulo Luiz Netto Lôbo:

A realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram ou desempenham função secundária.[31]

A propósito, essa transmutação do conceito de família, das finanças ao afeto, configura um dos pontos mais substanciais a subsidiar inevitável conclusão: a configuração da legítima então fixada no Código Civil de 2002 mostra-se visivelmente deformada, anacrônica e revela um desenho familiar não mais compatível a Constituição Federal de 1988.

No mesmo passo, já contemplando o ideal principiológico afirmador de que a aglutinação familiar passou a ter espeque na afetividade e na convivência, Paulo Luiz Netto Lôbo estabelece a existência de um bivalente princípio da liberdade familiar, a sobrelevar, ao mesmo tempo, a liberdade da entidade familiar diante do Estado e da sociedade; e a liberdade familiar reciprocamente havida entre cada um de seus próprios integrantes[32].

E disso, com sua singular categoria intelectiva, institui o pensamento da “repersonalização das relações da família”, galgada pela sombra constitucional da dignidade humana, da solidariedade e do assistencialismo mútuo:

A repersonalização, posta nesses termos, não significa um retorno ao vago humanismo da fase liberal, ao individualismo, mas é a afirmação da finalidade mais relevante da família: a realização da dignidade de seus membros como pessoas humanas concretas, em suma, do humanismo que só se constrói na solidariedade, com o outro.[33]

É certo, pois, que o atual instituto jurídico da legítima, instituidor de trava normativa ao exercício do direito de propriedade no contexto das relações familiares, mas com pretensões de natureza exclusivamente econômica e financeira, deve ser reformulado a fim de ser revalidado nesse novo panorama constitucionalizante, porque já de há muito esmaecida a legitimidade de qualquer base familiar patrimonialista sobre a qual supostamente parece ter se constituído, além de afrontar transversalmente o lídimo direito à livre disposição patrimonial.

Pablo Stolze, um dos pouquíssimos que de alguma forma se debruçaram sobre a temática, consegue observar com muita clareza a existência desse gigantesco e amansado jabuti jurídico, tecendo sua análise técnica:

Essa restrição do testador também implica afronta ao direito constitucional de propriedade. (...)Ora, tal limitação, sem sombra de dúvida, entraria em rota de colisão com a faculdade real de disposição, afigurando-se completamente injustificada.[34]

E daí lançando mão de sua crítica pessoal:

A preservação da legítima culmina por suscitar, como dito, discórdias e desavenças familiares, impedindo, ademais, o de cujus de dispor do seu patrimônio como bem entendesse. Ademais, se quisesse beneficiar um descendente seu ou a esposa, que mais lhe dedicou afeto, especialmente nos últimos anos de sua vida, poderia fazê-la por testamento, sem que isso em nosso sentir significasse injustiça ou desigualdade, uma vez que o direcionamento de seu patrimônio deve ter por norte especialmente a afetividade.[35]

Fica muito claro que a legítima deve ser repensada, reconstituída, adotando uma nova feição que deve necessariamente observar a nova dinâmica constitucional das entidades familiares, cunhada sob o farol vigilante da função social por elas desempenhada, que se qualifica pela afetividade, pelo assistencialismo pelo solidarismo mútuo, e se distancia, definitivamente, de qualquer conotação exclusivamente patrimonialista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo objetivou realizar breves apontamentos a respeito da evolução histórica sofrida pelo instituto jurídico da legítima, tendo-se como sistema de referência o ordenamento jurídico brasileiro.

O apanhado procurou demonstrar as condições mais remotas que favoreceram o aparecimento e a subsistência do referido instituto na história do mundo ocidental, perpassando a república de Roma, a história da península ibérica e o seu desfecho no direito português, daí fincando as sua bases jurídicas no no Brasil colonial e imperial.

A finalização do trabalhou abalizou a evidente deformação ostentada pela atual configuração da legítima a partir do recente fenômeno da constitucionalização dos direitos, oriundo da promulgação da Constituição Federal de 1988, demonstrando o seu anacronismo e a necessidade premente de ser reformulada e remodelada.
(...)
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