quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Como evitar que o namoro se transforme em uma união estável

 24 de agosto de 2020, 13h05


Por 

JORNAL CONTÁBIL: A IMPORTÂNCIA DE FORMALIZAR O DIVÓRCIO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIALMENTE

 Publicado em: 28/08/2020

Muitas vezes, o casal deixa de formalizar o divórcio porque estão de acordo com a divisão dos bens, de maneira informal, ou já decidiram quanto a guarda dos filhos, a pensão alimentícia e a questão das visitas, acreditando que um simples acordo é mais vantajoso do que entrar com um processo, entretanto, essa informalidade deixa ambos vulneráveis.
 
Ocorre que, no momento da separação, o casal até pode estar de acordo, mas não há nenhum documento que resguarde os envolvidos, por tratar-se de um acordo meramente verbal (contrato de boca).
 
Formalizar o seu divórcio, seja de forma consensual ou litigiosa, na via judicial (Fórum) ou extrajudicial (Cartório), é o único meio eficaz para garantir o cumprimento do acordado.
 
É muito comum, na prática, que o casal divida seu patrimônio, de forma verbal, e deixe para formalizar/transferir em um momento futuro, entretanto, esta conduta gera uma grande insegurança jurídica, uma vez que ambos os cônjuges podem iniciar um novo relacionamento, adquirindo novos bens e concebendo novos herdeiros.
 
Neste caso, se o(a) cônjuge iniciar um novo relacionamento, ainda casado civilmente, adquirindo novos bens, e vier a falecer, os bens poderão ser discutidos posteriormente, seja pelo(a) cônjuge e/ou pelo(a) convivente em união estável.
 
Este fato também vale para pedido de pensão por morte, perante o INSS, o qual poderá ser discutido, na via administrativa ou judicial.
 
Por exemplo, a pensão ficou regulada em um salário mínimo, porém, o responsável pelo pagamento, simplesmente deixou de pagá-la, gerando incontáveis prejuízos a(o) ex-cônjuge, bem como aos filhos.
 
Neste caso, os valores em atraso não poderão ser cobrados judicialmente, uma vez que não houve a regulamentação da pensão, juntamente com o divórcio, através de um único processo, devendo ser contratado um advogado, para que seja regularizada a situação, podendo se estender por um longo período, uma vez que as partes não estão mais de acordo, cabendo o ingresso de processo litigioso.
 
Caso houvesse sido formalizado o divórcio, juntamente com a pensão, guarda e as visitas, a parte somente iria contratar um advogado para ingressar com pedido de execução dos valores em atraso.
 
E ainda, caso a(o) ex-cônjuge impeça o outro de ter acesso aos filhos, impossibilitando as visitas acordadas verbalmente, o(a) ex-cônjuge lesado deverá ingressar com um processo litigioso, buscando regulamentar essas visitas.
 
Caso houvesse sido formalizado o divórcio, juntamente com a pensão, guarda e visitas, a parte poderia registrar um boletim de ocorrência, o qual seria anexado ao antigo processo, intimando a outra parte para prestar esclarecimentos, sendo que essa atitude, de maneira reiterada, pode resultar, ainda, na perda da guarda do filho.
 
Também é possível a medida judicial de busca e apreensão de menor, em último caso, a fim de resguardar o melhor interesse da criança.
 
Portanto, é de suma importância a formalização do divórcio, pois somente assim você terá meios de garantir seus direitos!
 
Por: Chris Kelen Brandelero, OAB/PR nº 91.055, Advogada de Direito Civil, Família e Sucessões.

Fonte: Jornal Contábil

https://www.cnbsp.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=MjAwMDE=&filtro=1&Data=

Como fica o imóvel financiado com a partilha de bens?

 

Lembrem-se, mesmo que o casamento chegado ao fim, achem a chave para uma melhor solução: O diálogo! Uma boa conversa sempre é a melhor saída!

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Quando o amor acaba, alguns problemas surgem, e entre eles (e talvez o maior de todos) a divisão dos bens.

Fim de relacionamento... e começo de discussões sobre partilha.

Na separação do antigo casal, dividem-se os bens e as dívidas, e tudo é feito de acordo com o regime de bens adotado pelo casal. (E claro, tem aqueles que optam pela união estável e também se enquadram aqui).

Entretanto, quando se trata de IMÓVEL FINANCIADO, este ainda não pertence de fato ao casal, devido estar financiado, porém independente disto, no ato do divórcio precisa-se deliberar quanto a divisão do imóvel financiado em comum.

Primeiro, é importante lembrar que o valor atribuído ao bem deve ser o valor de mercado da época da separação do casal e não a somatória das parcelas pagas do financiamento, pois, o valor do imóvel sofre variação com o decorrer dos anos através de valorização, benfeitorias ou até mesmo perde valor quando se trata de deteriorações.

Então, para chegarmos ao valor partilhável, temos que calcular: O valor de mercado do bem na época da separação, menos o saldo devedor na data da separação!

E como resolvemos o problema da divisão?

Acordo: Havendo comum acordo, maravilha! Muitas vezes um dos ex-cônjuges indeniza a parte do outro e assume as parcelas ainda a vencer. Lembre-se que haverá uma nova análise de crédito, portanto quem assumir deve dar conta de pagar!

Sem acordo: Se não tem acordo entre o casal a alternativa é ratear a dívida, cada um assumirá o seu percentual e os encargos da responsabilidade do financiamento. Após a quitação, pode, caso queiram, vender o imóvel e dividir a quota parte de cada um!

Ninguém quer o imóvel: E se nenhum dos dois queira assumir a dívida e nem ouvir falar do imóvel? O melhor a se fazer é colocar o imóvel a venda antes de quita-lo. Pode-se transferir o financiamento imobiliário para terceiros (sujeito a análise de credito, claro!) Ou também pode, como última opção, vender o imóvel em leilão público.

Lembrem-se, mesmo que o casamento chegado ao fim, achem a chave para uma melhor solução: o diálogo! Uma boa conversa sempre é a melhor saída!

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*Agnes Laís de Oliveira dos Anjos é especialista em Direito e Processo do Trabalho, com capacitação para ensino no Magistério Superior, representante da OAB/MT e representante no Conselho de Defesa do Consumidor - CONDECON na Comarca de Pedra Preta/MT. Advogada.

https://www.migalhas.com.br/depeso/332772/como-fica-o-imovel-financiado-com-a-partilha-de-bens

Pai não pode entrar na sala na hora do parto por causa da pandemia

 terça-feira, 23 de junho de 2020

O coronavírus tem alterado drasticamente a rotina e os hábitos das pessoas em todo o mundo. O distanciamento social ainda é, infelizmente, a medida mais efetiva para conter a virulenta propagação da pandemia, a despeito de outras medidas não menos importantes.

Essas medidas de combate à pandemia têm provocado não só sensíveis restrições aos direitos fundamentais (principalmente liberdade de ir e vir e liberdade de exercício de atividade econômica), mas também inúmeras limitações no dia a dia das pessoas.

E, diante dessa nova realidade, as pessoas estão tendo que mudar, adaptar e reinventar as formas de trabalhar, estudar, se divertir e, por vezes, conviver. E nesse processo, a tecnologia tem sido fundamental.

Até mesmo a comemoração daqueles momentos mais especiais, como aniversários e casamentos, precisou ser reinventada e a solução tem sido realizar esses eventos no mundo virtual, a fim de evitar aglomerações e o contágio entre as pessoas.

Lê-se com frequência notícias de criativas e divertidas festas realizadas com amigos e familiares ao vivo no WhatsApp, Instagram ou qualquer outra plataforma que permita o encontro virtual das pessoas.

Mais surpreendentes têm sido as celebrações de casamentos virtuais, algo impensável até bem pouco tempo.

Em Recife, o magistrado da 1ª vara de Registro de Família realizou uma cerimônia de casamento por meio de chamada de vídeo no WhatsApp.

Segundo ele, "essa é uma novidade trazida pela necessidade de tentar, dentro de uma situação de pandemia, minimizar os efeitos para as partes"1.

Dessa forma, quem ainda não marcou o casamento, mas não quer – ou não pode – esperar o fim da pandemia, pode entrar em contato com o cartório para agendar um horário e, no dia e hora marcada, o juiz faz a conferência com os noivos, o oficial do registro e as testemunhas.

Nem tudo, contudo, é feito virtualmente, pois todo o procedimento antecedente de apresentação de documentos (ainda) precisa ser feira de forma presencial, sendo apenas a celebração realizada virtualmente, embora não surpreenda se em breve todo o procedimento passar a ser feito via online2.

A inovação conta com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, por meio do Provimento n. 100, de 28/5/2020, estabeleceu normas gerais sobre a prática de atos notariais eletrônicos por meio do sistema e-Notariado, permitindo, dentre outras inovações, que a captação do consentimento das partes para o ato seja feita por videoconferência.

Por isso, uma das ferramentas mais utilizadas na celebração do casamento virtual tem sido a Webex Meeting, disponibilizada inicialmente pelo CNJ para a realização de audiências e sessões, mas que, diante da realidade da Covid-19, tem sido empregada para a realização de casamentos virtuais.

Segundo relatório da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de Pernambuco (Arpen-PE), só no período de 17 de março a 30 de abril desse ano foram realizados no Estado 432 casamentos por videoconferência.

Segundo o site do CNJ, o uso dessa tecnologia representa inegável conquista para a racionalidade, a economia orçamentária, eficiência, segurança jurídica e desburocratização, sem prejuízo da autenticidade, da segurança e da eficácia dos atos praticados3.

Diante disso, e pelo andar da carruagem, tudo indica que o casamento virtual veio para ficar, assim como entrada do Poder Judiciário no mundo digital.

Mas nem todos os obstáculos têm sido contornados no mundo da Covid-19 e alguns momentos marcantes não estão sendo presenciados nem física, nem virtualmente.

Na Alemanha, um pai foi proibido de vivenciar um momento único em sua vida: o nascimento do filho. Na verdade, dos filhos gêmeos.

O caso aconteceu na cidade de Leipzig. O marido queria acompanhar a esposa na sala de parto a fim registrar a chegada ao mundo dos gêmeos, mas foi impedido pela clínica da Universidade de Leipzig, onde o parto aconteceria.

Ele entrou, então, com medida liminar alegando a abusividade da decisão da clínica.

Segundo o marido, a decisão era irrazoável, porque ele poderia manter o distanciamento mínimo de 1,5 metro para o corpo médico e de enfermagem na sala de parto.

Além disso, ele estava disposto a fazer o teste para comprovar que não estava acometido de Covid-19 e a usar as roupas adequadas, fornecidas pelo hospital, para reduzir ainda mais o risco de contágio.

A clínica universitária, em contestação, contraditou todos os argumentos, aduzindo, em síntese, que essas medidas seriam insuficientes para impedir, com segurança, um eventual contágio de Covid-19 durante o parto.

Além disso, as normas internas da clínica de combate ao coronavírus proíbem a presença de familiares na sala de parto. Aliás, aqui merece ser dito, que essa regra tem sido adotada por inúmeras clínicas e hospitais na Alemanha.

Diante disso, o colegiado de primeira instância denegou a liminar requerida, dando ganho de causa à clínica. Trata-se do processo VG Leipzig Az. 7 L 192-20, julgado em 9.4.2020 pelo Tribunal Administrativo (Verwaltungsgericht).

Segundo a decisão, o teste anterior de Covid-19 seria insuficiente para legitimar a presença do pai na sala de parto. Isso porque, ainda quando o pai testasse negativo para Covid-19 antes do parto, isso não garantiria segurança suficiente para excluir totalmente o risco contágio de todas as pessoas presentes na sala.

O mesmo se diga em relação à utilização das indumentárias, incluindo máscaras e luvas. Ademais, há de se ter em vista que, nas atuais condições, os hospitais não dispõem de roupas de proteção em quantidade suficiente para disponibilizá-las aos acompanhantes das parturientes, disse a decisão.

O julgado assinalou que é perfeitamente compreensível o interesse do pai de participar e acompanhar o nascimento dos filhos, mas que o interesse público na preservação do funcionamento do hospital, respeitando suas normas de segurança, deveria prevalecer sobre o interesse particular no caso concreto.

As regras internas da clínica universitária, que proíbem a entrada de acompanhantes durante o período de pandemia, têm por fim evitar o contágio e garantir o direito à saúde e à vida das pessoas expostas e são, nesse sentido, proporcionais, concluiu o Verwaltungsgericht.

Resta saber se o pai, que perdeu o momento único do nascimento dos gêmeos, irá continuar a briga e recorrer da decisão para, eventualmente, receber dano moral.

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1 Casamento pela internet é opção para oficializar união durante a pandemia. G1, 14/5/2020.

2 Coronavírus: casamentos por videoconferência se tornam opção em Pernambuco. Matéria publicada em 18.5.2020 no site do CNJ. Acesso: 18/6/2020.

3 Cartórios do interior de Minas Gerais já podem realizar casamentos virtuais. Matéria publicada em 21/5/2020 no site. Acesso: 18/6/2020.

Relacionamento virtual pode gerar união estável

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“Amor não é virtual. Nunca. Amor é real. Eu sinto. É meu. Virtual é a paquera, o namoro, até o sexo. Se é pela internet, é virtual. Mas o amor é real.” (Mônica Raouf El Bayeh)

Na França, no final do século XIX, ocorreram pedidos judiciais de mulheres que exigiam a partilha de bens adquiridos durante a constância de uma união informal, com base na teoria do enriquecimento ilícito.2.

No direito romano, e também no nosso contexto histórico do século XIX e início do século XX, a união informal entre homem e mulher era considerada inferior e era denominada: concubinato. Este termo significava dizer que a união entre esses sujeitos não foi feita pelo casamento e, por isso, não produziria efeitos jurídicos no campo do Direito das Famílias, mas viável no Direito das Obrigações por ser uma “sociedade de fato”.

Diante desse cenário, são inegáveis as nocivas violações (duradouras) de valores consagrados como a autonomia da vontade, igualdade das pessoas, liberdade, além da dignidade da pessoa humana.

Com isso, o reclamo de proteção jurídica para essas relações afetivas fez com que o Judiciário fosse provocado e, por ele, reconhecido direitos que, por lei, não teriam. O STF, antes mesmo da CF/88, editou duas súmulas que até hoje oferecem suporte a casais em união estável:

Súmula 380: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”

Súmula 382: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato.”

Com esse entendimento da Corte Superior, vários outros direitos antes só reconhecidos por pessoas ligadas pelo casamento foram reconhecidos a casais em união não formal pelos Tribunais dos Estados, o que abriu espaço para legislações extravagantes virem a ser inseridas no nosso ordenamento jurídico, destacando-se: uso do patronímico pela companheira (lei 6.015/73), reconhecimento de filho extraconjugal com a Lei do Divórcio (lei 6.515/77), pensão para companheira de ex-combatente (lei 4.297/63), dentre outros.

A Constituição de 1988 consolidou a união estável como família e em seu artigo 226 estabelece especial proteção do Estado à família com vistas a promover a dignidade da pessoa o que inclui as uniões livres (art. 226, § 3º CF).

Proclamou-se, naquele momento, o status familae da união estável, convertendo-a de fato social em fato jurídico, como entidade familiar que deveria ser.

Após a Constituição, duas leis especiais (leis 8.971/94 e 9.278/96) foram editadas disciplinaram precariamente um “estatuto” da união estável. Ao final, o Código Civil de 2002 acabou recepcionando e dispondo sobre a união estável (arts. 1.723 a 1.727), absorvendo algumas orientações doutrinárias e jurisprudenciais, revogando as referidas leis.

Destaca-se, por oportuno, que o Código Civil não conseguiu consagrar, por completo, que a compreensão fundamental da união estável deve advir dos comandos constitucionais. O núcleo familiar formado por duas pessoas livres, mesmo não sendo um homem e uma mulher, merecerá proteção do Estado e garantia da dignidade de todos os seus membros3. Por esta razão, ao longo de todos esses anos (pós entrada em vigor do Código Civil 2002), os Tribunais e a doutrina civilista, em especial, encarregaram-se de defender e estender as garantias conferidas às pessoas casadas também àqueles que viviam em união estável4, incluindo os homossexuais5.

Nesse passo, apesar de inúmeras “equiparações” da união estável ao casamento, aquela não tem o mesmo status familae deste6, porém, não há dúvida de que o objetivo da união estável é o de constituir família (intuitu familiae) somado a alguns elementos caracterizadores estabelecidos em lei (arts. 1.723 a 1.727 CC) para ser reconhecida como entidade familiar.

Com efeito, um bom critério para a comprovação da união estável é a teoria da primazia da realidade7 muito utilizada na órbita das relações de trabalho, mas que ganha apoio no direito das famílias para evidenciar o início da união estável, já que ela pode ser constituída desprovida de qualquer formalidade jurídica. Esta teoria destaca que o que se vê na realidade é o que acontece de forma efetiva. Assim, a verdade dos fatos impera sobre qualquer formalidade.

Assim, para se reconhecer uma união estável de forma real e efetiva deve-se aferir a verdade dos fatos, ou seja, os acontecimentos no dia a dia, de como as pessoas vivem, com publicidade da relação perante a sociedade e familiares (more uxoria), comunhão de vida, esforço e afeto.

A escritura de união estável ou mesmo um documento particular que a ateste possui caráter meramente declaratório e não constitutivo. Isso quer dizer que se a união estável existir, seu registro apenas refletirá um fato anterior. Já se não houver, verdadeiramente, uma união estável, o registro não passará de uma declaração falsa, pois não servirá para criá-la.

Paulo Lôbo8 aduz que a união estável tem origem no elo efetivo dos companheiros, sendo ato-fato jurídico que não exige qualquer manifestação ou declaração de vontade para produzir efeitos, bastando-lhe a existência “fática para que haja a incidência das normas constitucionais e legais cogentes e supletivas para a conversão da relação fática em jurídica”.

Realmente, nem mesmo a convivência sob o mesmo teto é requisito para comprovar a união estável como consagrado na súmula 382 do STF9. Nem a própria Constituição e o Código Civil tratam desta exigência. A realidade do casal, a verdade da união intuitu familiae, é a dos fatos concretos, aceitos, autênticos e que legitimam ostentarem ser companheiros erga omnes.

Se o casal opta por formalizar escritura pública de união estável ou um contrato escrito, apenas facilitará a evidência de vida em comum. Entretanto, servirá apenas de prova juris tantum porque as relações fáticas anteriores a qualquer documento escrito podem demonstrar que a existência pré-existente de uma entidade familiar.

Parece não haver dúvida, para reconhecer união estável deve-se buscar a presença de companheirismo, ligação permanente, aparência pública de casamento. A união estável não se estabelece por um único ato, mas com o tempo e este também não exige prazo mínimo para configurar a estabilidade. O que importa é que nessa convivência haja: publicidade, afeição recíproca, comunhão de interesses, conjunção de esforços em benefício do casal, mesmo que sem filhos e sem coabitação.

Diante dessas considerações, vê-se que, pelas constantes alterações sociais, a internet tem se tornado mais do que um meio de comunicação entre as pessoas. Os relacionamentos afetivos virtuais se tornaram uma realidade, pois a internet criou uma sociedade sem fronteiras, alterando o modelo social vigente.

O ambiente virtual possibilitou às pessoas se relacionarem a quilômetros de distância no campo físico, mas com notável proximidade e ligação emocional e até mesmo econômica. E mais. Esse contato virtual que passa a fazer parte da vida cotidiana das pessoas possibilita o íntimo envolvimento entre elas e uma comunhão de vida, tal como, ou até maior, do que se houvesse a proximidade física.

O ordenamento jurídico brasileiro já reconheceu o envolvimento virtual, mas assim como na fase conceptória da união estável, tal forma de relacionamento ainda não é visto como um relacionamento familiar.

Veja-se, a jurisprudência e a doutrina tratam do relacionamento virtual no âmbito da infidelidade, isto é, se preocupam com o assunto quando uma das partes envolvida for casada10. Entretanto, ainda não há notícias do reconhecimento de união estável virtual entre duas pessoas desimpedidas.

A infidelidade virtual pode ser compreendida pelo “comportamento conjugal intencional no sentido de congresso sexual com estranho, exaurindo nos atos preparatórios ou circundantes, como também se inclui o deslize envolto a sexualidade, porém despido de qualquer contato carnal, representando a infidelidade moral ou espiritual”.11

Ora, se a relação virtual é capaz de gerar uma traição (porque a pessoa é casada ou mantém união estável), também será capaz de gerar um relacionamento familiar como o da união estável, desde que seus elementos estejam comprovados.

De fato, o afeto e o relacionamento humano não têm fronteiras e podem vir a constituir uma família quando as pessoas se relacionarem com publicidade, afeição recíproca, comunhão de interesses, conjunção de esforços em benefício do casal, características próprias da união estável, ou seja, relação more uxório, isto é, se portando como casados nas redes sociais e o mais importante, demonstrando companheirismo e vínculo afetivo.


Os relacionamentos virtuais rompem o padrão social comum dos relacionamentos presenciais, mas podem trazer os mesmos vínculos jurídicos apresentados em uma relação pessoal/física, levando a evidenciar uma união estável, desde que comprovados os elementos fáticos.

Assim, a relação interpessoal, pela internet, possibilita o reconhecimento de uma união estável com os mesmos objetivos das relações interpessoais com presença física. Sendo eles vínculos duradouros e profundos12, levam a caracterizar uma união estável, ainda que virtual, e que pode ser reconhecida pelo ordenamento jurídico para que possa gerar os devidos efeitos legais.

Por derradeiro, reforça-se. A verdade da união intuitu familiae é a dos fatos concretos, aceitos, autênticos e que legitimam ostentarem ser companheiros erga omnes, ainda que virtualmente.

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1 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 13.


2 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da união estável. In: Direito de Família e o novo Código Civil. Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (coords). Belo Horizonte:Del Rey, 2005, p. 224.


3 Em decisão das ADINs 4.277 e ADPC 132, em 2011, o ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF.


4 Alguns efeitos jurídicos para os conviventes equiparados ao casamento: regime de bens, alimentos, relação de parentesco natural, presunção de paternidade, planos de saúde, seguro de vida, pensão pós morte, regras do direito sucessório com aplicação do art. 1829 CC.


5 V. Provimento 37/14 CNJ: Dispõe sobre o registro de união estável, no Livro "E", por Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais sendo possível a conversão em casamento, também, nas relações homoafetivas . Provimento 175/13 CNJ: “Dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo.


6 Não há equiparação da união estável com o casamento no que tange: a) formalidades legais para sua constituição; b) os requisitos legais para alteração de regime só há para casados (art. 1.639 §2º CC), c) pacto nupcial é necessário, apenas, para casamento quando os cônjuges desejam firmar regime da separação total de bens, ou comunhão total ou participação final dos aquestos. Já a união estável não será necessário, ou seja, pode ser formalizado o regime de bens por Escritura ou por contrato escrito; d) é necessário provas para reconhecer União Estável e assim estabelecer o início do Regime de Bens, já o casamento prova-se, simplesmente, com a certidão de casamento e o regime de bens só vale a partir do casamento; e) não há incidência das regras do divórcio, da separação ou anulação, mas sim regras para Dissolução de União Estável (art. 731 CPC); f) não existe estado civil de companheiro, por enquanto e, g) a exigência de outorga uxória (art. 1.647 CC) deverá ser feita análise da publicidade efetiva da união estável em face de terceiro.


7 Em qualquer dessas situações os fatos prevalecem sobre as formas. Não é necessário analisar ou responsabilizar cada uma das partes. O que importa são os fatos. Demonstrados os fatos eles não podem ser eliminados por documentos ou formalidades.


8 LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. 3ªed., São Paulo:Saraiva, 2010, p. 169.


9 Súmula 382 STF: A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.


10 “Direito Civil – Ação de indenização – Dano moral – Descumprimento dos deveres conjugais – Infidelidade – Sexo virtual (internet) – Comentários difamatórios – Ofensa à honra subjetiva do cônjuge traído – Dever de indenizar – Exegese dos arts.186 e 1.566 do Código Civil de 2002 – Pedido julgado procedente (TJ/DF, Sentença proferida pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida. 21/5/08).


11 CAHILI, Yussef Said. Separações Conjugais e Divórcio. 12ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.345


12 BALLONE GJ, MOURA EC (2003) - Compulsão à Internet, Mito ou Realidade, in. PsiqWeb, Internet. Disponível clicando aqui. Acesso em: 29 de Jul. 2020.

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*Isa Gabriela de Almeida Stefano é advogada do escritório Fogaça, Moreti Advogados. Doutora e Mestre em Direito pela PUC/SP. Professora de Direito Civil e Direito Constitucional (em cursos de graduação e pós-graduação). Autora de obras jurídicas.

*Raquel Valési é doutora e mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Pós-graduada em Direito Processual Civil. Professora de Direito Civil na Universidade São Judas. Professora de cursos de extensão da ESA/SP.



Atualizado em: 10/8/2020 09:15