quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Doação inoficiosa e o prazo para a ação de redução

Flávio Tartuce

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

De acordo com o art. 549 do Código Civil, é nula a doação quanto à parte que exceder o limite de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. Essa liberalidade, que prejudica a legítima ou reserva, quota dos herdeiros necessários, é denominada desde tempos remotos de doação inoficiosa.

Como herdeiros necessários, na literalidade do art. 1.845 do Código Civil estão previstos os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Porém, com a recente e tão comentada decisão do Supremo Tribunal Federal, de reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1.790 e equiparação sucessória da união estável ao casamento, tenho sustentado que ali também deve ser incluído o companheiro (Informativo n. 864 da Corte, com repercussão geral de maio de 2017). Esclareça-se que se trata de consequência sucessória do decisum que, indiretamente, repercute no plano contratual.

Voltando-se à doação inoficiosa, apesar da existência de entendimento em contrário - que sustenta haver nulidade relativa ou anulabilidade nessa situação, o que é sustentado por José Fernando Simão -, entendo que o caso é de nulidade absoluta textual, pois a lei prevê expressamente que o ato é nulo (art. 166, inc. VII, primeira parte, do CC). De todo modo, há uma nulidade parcial, que atinge apenas a parte que excede a tutela da legítima ou reserva.

A título de exemplo, se o doador tem o patrimônio de R$ 100.000,00 e faz uma doação de R$ 70.000,00, o ato será válido até R$ 50.000,00 (parte disponível) e nulo nos R$ 20.000,00 que excederam a proteção da legítima. O que se percebe é que o art. 549 do Código Civil tem como conteúdo o princípio da conservação do negócio jurídico, uma vez que procura preservar, dentro do possível, a autonomia privada manifestada na doação. Julgando dessa forma, entre acórdãos remotos do STJ, destaco o seguinte: "A doação ao descendente é considerada inoficiosa quando ultrapassa a parte que poderia dispor o doador, em testamento, no momento da liberalidade. No caso, o doador possuía 50% dos imóveis, constituindo 25% a parte disponível, ou seja, de livre disposição, e 25% a legítima. Este percentual é que deve ser dividido entre os 6 (seis) herdeiros, tocando a cada um 4,16%. A metade disponível é excluída do cálculo" (REsp 112.254/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 16.11.2004, DJ 06.12.2004, p. 313).

Ainda em sede de Superior Tribunal de Justiça, tem-se entendido que o valor a ser apurado com o fim de se reconhecer a nulidade deve levar em conta o momento da liberalidade. Assim, "para aferir a eventual existência de nulidade em doação pela disposição patrimonial efetuada acima da parte de que o doador poderia dispor em testamento, a teor do art. 1.176 do CC/1916, deve-se considerar o patrimônio existente no momento da liberalidade, isto é, na data da doação, e não o patrimônio estimado no momento da abertura da sucessão do doador. O art. 1.176 do CC/1916 - correspondente ao art. 549 do CC/2002 - não proíbe a doação de bens, apenas a limita à metade disponível. Embora esse sistema legal possa resultar menos favorável para os herdeiros necessários, atende melhor aos interesses da sociedade, pois não deixa inseguras as relações jurídicas, dependentes de um acontecimento futuro e incerto, como o eventual empobrecimento do doador" (STJ, AR 3.493/PE, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 12.12.2012, publicado no seu Informativo n. 512).

Entretanto, tratando-se de doações sucessivas, praticadas por meio de vários atos, tal regra não só pode como deve ser mitigada. Como pontua, entre os clássicos, Pontes de Miranda, "se houve diferentes doações, todas - desde que houve herdeiros necessários - se computam, para saber se há violação da porção disponível. Não se levam em conta as doações que foram feitas ao tempo em que o doador não tinha herdeiros necessários; mas somam-se os valores das que se fizeram em todo o tempo em que o doador tinha herdeiros necessários" (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. t. XLVI, p. 250-251). No mesmo sentido, Agostinho Alvim leciona que, "quando várias doações são feitas, o ponto de partida, para o cálculo da inoficiosidade, é a primeira. Do contrário, o doador iria doando, cada vez metade do que tem atualmente, e todas as doações seriam legais até extinguir a fortuna" (ALVIM, Agostinho. Da doação. São Paulo: Saraiva, 1963. p. 184-185).

Constata-se, portanto, que parte da doutrina defende que, tratando-se de aferir se houve violação da legítima ou não, devem ser consideradas todas as liberalidades realizadas, e não apenas o valor de cada doação, isoladamente considerada. Sigo, nessa linha, a posição de se considerar, da última doação até a primeira, qual foi a que invadiu a legítima, reconhecendo-se a invalidade de todas aquelas que extrapolaram a quota dos herdeiros necessários. Exatamente neste sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em célebre julgado, verdadeiro precedente estadual sobre o tema, que foi assim ementado: "Doação inoficiosa. Doação feita a netos, desfalcando a legítima das filhas. Laudos comprovando a parte excedente. Interpretação finalística do art. 1.176 do C.C. Procedência" (TJRJ, Apelação Cível 4344/92, 4.ª Câmara Cível, Rel. Des. Semy Glanz, j. 19.02.1993). Observe-se que, além de constar da ementa do acórdão o caráter finalístico da interpretação do art. 1.176 do Código Civil de 1916, correspondente ao atual art. 549 do Código Civil de 2002, o Relator explicitou que a finalidade da nulidade imposta por esses dispositivos não é outra que não o respeito à legítima dos herdeiros necessários. Após citar a doutrina de Agostinho Alvim, ora mencionada, arrematou o julgador: "logo, a finalidade da nulidade é a proteção das legítimas".

Como a questão envolve ordem pública, entendo que a ação declaratória de nulidade da parte inoficiosa - também denominada de ação de redução -, é não sujeita à prescrição ou à decadência (didaticamente, imprescritível), podendo ser proposta a qualquer tempo, como está expressamente previsto no art. 169 do CC/2002, segundo o qual a nulidade não convalesce pelo decurso do tempo.

De todo modo, tem prevalecido, especialmente no âmbito do STJ, um outro entendimento, no sentido de que, pelo fato de a questão envolver direitos patrimoniais, e por questão de se proteger a segurança jurídica, a ação de redução está sujeita a prazo prescricional, que é próprio dos direitos subjetivos de cunho patrimonial. Como não há prazo especial previsto, deverá ser aplicado o prazo geral de prescrição, que na vigência do CC/1916 era de vinte anos (art. 177), e na vigência do CC/2002 é de dez anos (art. 205). Concluindo desse modo, vejamos um primeiro aresto superior:

"Civil e processual. Acórdão estadual. Nulidade não configurada. Ação de reconhecimento de simulação cumulada com ação de sonegados. Bens adquiridos pelo pai, em nome dos filhos varões. Inventário. Doação inoficiosa indireta. Prescrição. Prazo vintenário, contado da prática de cada ato. Colação dos próprios imóveis, quando ainda existentes no patrimônio dos réus. Exclusão das benfeitorias por eles realizadas. CC anterior, arts. 177, 1.787 e 1.732. § 2.º Sucumbência recíproca. Redimensionamento. CPC, art. 21. Se a aquisição dos imóveis em nome dos herdeiros varões foi efetuada com recursos do pai, em doação inoficiosa, simulada, em detrimento dos direitos da filha autora, a prescrição da ação de anulação é vintenária, contada da prática de cada ato irregular. Achando-se os herdeiros varões ainda na titularidade dos imóveis, a colação deve se fazer sobre os mesmos e não meramente por seu valor, a teor dos arts. 1.787 e 1.792, § 2.º, do Código Civil anterior. Excluem-se da colação as benfeitorias agregadas aos imóveis realizadas pelos herdeiros que os detinham (art. 1.792, § 2.º). Sucumbência recíproca redimensionada, em face da alteração decorrente do acolhimento parcial das teses dos réus. Recurso especial conhecido em parte e provido" (STJ, REsp 259.406/PR, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, data da decisão: 17.02.2005, DJ 04.04.2005, p. 314).

A aplicação do prazo geral de dez anos foi confirmada em acórdão de 2014, do mesmo Tribunal Superior, segundo o qual "aplica-se às pretensões declaratórias de nulidade de doações inoficiosas o prazo prescricional decenal do CC/2002, ante a inexistência de previsão legal específica. Precedentes" (STJ, REsp 1.321.998/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.08.2014). Todavia, merece destaque o voto vencido do Ministro João Otávio de Noronha, seguindo o mesmo entendimento por mim compartilhado, de que a ação de redução não está sujeita a qualquer prazo, seja ele prescricional ou decadencial. Ponderou o julgador que "discute-se, em ação declaratória de nulidade de partilha e doação, qual o prazo para que a herdeira necessária possa insurgir-se contra a transferência da totalidade dos bens do pai para a ex-esposa e para a filha do casal, sem observância da reserva da legítima, circunstância que caracteriza a doação inoficiosa. Trata-se, portanto, de caso de nulidade expressamente prevista no art. 549 do atual Código Civil, em razão do disposto nos arts. 1.789 e 1.846 do mesmo diploma legal. E, a teor da norma contida no art. 169 do mesmo Código, 'o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo', a significar que a nulidade é imprescritível. Essa é a tese que defendo. Não desconheço a discussão existente a respeito dessa norma e que, em nome da paz social, levou ao entendimento jurisprudencial de que tal nulidade não fica imune à ocorrência de prescrição. Reservo-me o direito de, em momento oportuno, trazer a matéria a debate na profundidade que entendo necessária" (REsp. 1.321.998/RS).

A temática voltou a ser debatida no âmbito da Terceira Turma da Corte em 2019, prevalecendo mais uma vez o entendimento pela incidência do prazo geral de prescrição e vencido o argumento pela não sujeição ao prazo. Também foi analisado se o caso seria de nulidade absoluta ou relativa - tendo o Ministro Moura Ribeiro votado pela última solução e pela incidência de prazo decadencial de dois anos, do art. 179 do CC/2002 -, mas vencendo mais uma vez a primeira posição e pela aplicação do prazo prescricional. O aresto traz citações à doutrina contemporânea, inclusive ao meu posicionamento, ao lado de Pablo Stolze e José Fernando Simão, entre outros autores. Como constou da sua ementa, "o Superior Tribunal de Justiça há muito firmou entendimento no sentido de que, no caso de ação anulatória de doação inoficiosa, o prazo prescricional é vintenário e conta-se a partir do registro do ato jurídico que se pretende anular. Precedentes. Na hipótese, tendo sido proposta a ação mais de vinte anos após o registro da doação, é de ser reconhecida a prescrição da pretensão autoral" (STJ, REsp 1.755.379/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 24.09.2019, DJe 10.10.2019). A menção ao prazo de vinte anos novamente se deu pois os fatos ocorreram na vigência do Código Civil de 1916.

Como se pode perceber, o entendimento pela aplicação do prazo geral de prescrição para a ação de redução de doação inoficiosa tende a se consolidar no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Deve ser considerado, contudo, que há divergência no âmbito da Corte, pois há quem entenda pela incidência da regra do art. 169 do Código Civil, pela não sujeição de prazo; ou pela aplicação de prazo decadencial de dois anos do art. 179 da codificação privada, pela presença de nulidade relativa. Constata-se, portanto, que em matéria de doação inoficiosa, hipótese de nulidade absoluta parcial, o art. 169 não tem sido aplicado na prática, seja pelo argumento da existência de questão patrimonial, seja pela afirmação da segurança jurídica. Trata-se, na verdade, de um dos dispositivos mais ignorados da nossa legislação privada, tema que voltarei a analisar em outro texto.

Atualizado em: 30/9/2020 08:56

Flávio Tartuce, é pós-doutorando e doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Professor do G7 Jurídico. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAMSP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

Imóvel em construção também pode ser considerado bem de família

 29 de setembro de 2020, 7h27

Mesmo que um imóvel ainda esteja em construção é possível considerá-lo um bem de família e também pode ser tido como impenhorável. Este foi o entendimento da 1º Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF), que, por unanimidade, rejeitou provimento ao recurso interposto e continuou com a sentença dada pela juíza titular da Vara Cível de Planaltina. 

Imóvel ainda em construção pode ser considerado bem de família
Piqsels

A autora ajuizou recurso contra a decisão que definiu a penhora de um imóvel adquirido pelo casal, o qual ainda está em construção, argumentando que por ser o único bem de família, que seria destinado a moradia, seria impenhorável. 

O credor continuou defendendo a manutenção da penhora dizendo que não existiam provas de que o tal imóvel seria a única propriedade do casal e muito menos de que seria utilizado para moradia dos mesmos. 

A magistrada da 1º instância esclareceu que restou comprovado nos autos que o imóvel foi adquirido pelo programa "Minha Casa minha vida", que não permite a participação de pessoas que possuam outro imóvel ou que não o utilizem como moradia. E por isso, compreendeu que se tratava de um bem de família, mesmo que ainda não finalizado, e que não poderia ser usado como objeto de penhora.

Ainda descontente, o credor interpôs recurso de apelação alegando novamente que não tem como considerar um imóvel como bem de família sendo que o mesmo ainda não podia ser habitado. Apesar disso os desembargadores entenderam que a sentença deveria ser mantida e explicaram: "Embora, a apelada não resida no apartamento citado, porque ainda está em construção, isto não constitui óbice para configurá-lo como bem de família. Afinal, tal qualificação pressupõe a análise caso a caso acerca da finalidade que será dada ao imóvel. Ou seja, ainda que o bem esteja em construção, é possível considerá-lo impenhorável visto que a família tem a intenção concreta de nele residir tão logo fique pronto".

0708956-16.2019.8.07.0005

Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2020, 7h27

https://www.conjur.com.br/2020-set-29/imovel-construcao-tambem-considerado-bem-familia

Pelo CC/1916, revogação de adoção só pode ocorrer quando adotado é maior de idade

 29 de setembro de 2020, 12h48

Se uma adoção ocorreu ainda sob a vigência do Código Civil de 1916 (CC/1916), a sua revogação consensual só pode ocorrer depois que o adotado atinge a maioridade, uma vez que são necessárias a sua manifestação e a dos pais adotivos. Esse entendimento foi utilizado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça para manter a anulação da escritura pública que revogou a adoção de uma menina.

O recurso analisado pelo STJ tratava de uma adoção ocorrida em 1970

A adoção em questão ocorreu em 1970, quando a adotada tinha apenas dez meses. Em 1984, quando ela estava com 14 anos, foi lavrada a escritura de revogação da adoção pelos pais adotivos e pelos pais biológicos. Porém, em 2011, ela ajuizou uma ação declaratória de nulidade do documento.

A ação foi extinta em primeiro grau por causa do reconhecimento da prescrição arguida pelo herdeiro dos pais adotivos. Porém, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina deu provimento à apelação da adotada e reconheceu a nulidade da revogação, em razão de ter sido lavrada quando ela era menor, sem poder manifestar validamente a sua vontade. A corte estadual observou ainda que os pais adotivos, mesmo após a revogação, continuaram dispensando tratamento de filha à adotada.

O filho dos adotantes, então, apelou ao STJ com o argumento de que, embora fosse menor na época da revogação, a adotada foi representada por sua mãe biológica, em ato que contou com a presença do Ministério Público. Considerando desnecessária a manifestação de vontade da adotada, ele argumentou que seria suficiente a participação dos adotantes e dos pais biológicos no ato de revogação.

A corte superior, no entanto, negou provimento ao recurso. A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que, na vigência do CC/1916, a adoção possuía natureza de ato jurídico negocial, ou seja, tratava-se de uma convenção celebrada entre os pais biológicos e os pais adotivos, por meio da qual o menor passaria a pertencer a um núcleo familiar distinto do natural.

Segundo ela, cabe aos pais adotivos, e não aos biológicos, a representação do adotado menor em todos os atos da vida civil, "o que afasta, por si só, a possibilidade de a revogação da adoção ocorrer mediante negócio jurídico celebrado entre os pais adotivos e os pais biológicos".

Para a ministra, é "absolutamente descabido" cogitar a possibilidade de o menor adotado ser representado pelos pais adotivos na revogação de sua própria adoção, "na medida em que haveria evidente conflito de interesses se os pais adotantes, por si e em representação do menor, pudessem celebrar o referido negócio jurídico, o que, inclusive, tornaria unilateral um ato jurídico que o artigo 374, I, do CC/1916 claramente estabelece ser bilateral", argumentou a ministra.

Quanto à alegação de prescrição da pretensão de nulidade da escritura pública de revogação, a relatora destacou que "em se tratando de ações pertinentes ao estado das pessoas, como na hipótese, a regra, inclusive na vigência do CC/1916, é a da imprescritibilidade da pretensão, ressalvadas as específicas hipóteses em que o próprio legislador excepcionou a regra e fixou prazo para exercício do direito de ação". Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2020, 12h48

Imóvel sem regularização também deve ser partilhado em ação de divórcio

 29/09/2020

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)

Em ações de divórcio, não apenas as propriedades constituídas formalmente compõem a lista de bens adquiridos pelos cônjuges na constância do casamento e sujeitos à partilha, mas também tudo aquilo que tem expressão econômica e que, por diferentes razões, não se encontra legalmente regularizado ou registrado sob a titularidade do casal. É o caso das edificações em lotes irregulares sobre os quais os ex-cônjuges têm direitos possessórios.

Estabelecendo essa tese, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, que, ao julgar processo de divórcio litigioso, entendeu que não seria possível a partilha dos direitos possessórios sobre um imóvel localizado em área irregular. Para a Justiça paulista, caso houvesse a regularização posterior do bem, poderia ser requerida a sobrepartilha.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, lembrou que a partilha do patrimônio, seja por motivo de falecimento ou dissolução de vínculo conjugal, está normalmente associada à ideia de divisão final das propriedades constituídas anteriormente, possuindo “ares de definitividade” na solução quanto à titularidade dos bens.

Fatores que levam à falta de regularização do imóvel

Andrighi lembrou que, em alguns casos, a falta de regularização do imóvel que se pretende partilhar não ocorre por má-fé ou desinteresse das partes, mas por outras razões, como a incapacidade do Poder Público de promover a formalização da propriedade ou, até mesmo, pela hipossuficiência das pessoas para dar continuidade aos trâmites necessários para a regularização.

Nessas situações, esclareceu a relatora, os titulares dos direitos possessórios devem, sim, receber a tutela jurisdicional. Ao dar provimento ao recurso, Andrighi concluiu que a melhor solução para tais hipóteses é admitir a possibilidade de partilha dos direitos possessórios sobre o bem edificado em loteamento irregular, quando não for identificada má-fé dos possuidores.

A solução, segundo a ministra, resolve “em caráter particular e imediatamente, a questão que diz respeito somente à dissolução do vínculo conjugal, relegando a um segundo e oportuno momento as eventuais discussões acerca da regularidade e da formalização da propriedade sobre o bem imóvel”. O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

https://www.ibdfam.org.br/noticias/7782/Im%C3%B3vel%20sem%20regulariza%C3%A7%C3%A3o%20tamb%C3%A9m%20deve%20ser%20partilhado%20em%20a%C3%A7%C3%A3o%20de%20div%C3%B3rcio

Erro essencial sobre a pessoa: quando um fato desconhecido pode acabar com o casamento

 Possibilidade de se anular o casamento por fato desconhecido sobre o outro está previsto no CC desde 1916.

Maria e Joaquim se casam. No entanto, a felicidade do matrimônio não dura muito: Joaquim descobre, por meio de terceiros, que sua esposa estava envolvida com drogas, mesmo antes de se casarem. Para Joaquim, divórcio é pouco. Em razão do fato novo, ele vai à Justiça pedir que seu casamento seja anulado.

Os nomes do caso acima são fictícios, mas a história é real. O pedido de anulação de casamento foi julgado procedente em 2013 pela 1ª câmara Cível Isolada do TJ/PA. O colegiado constatou, no caso, o erro essencial quanto à pessoa do outro, aquele em que se descobre algo que é anterior ao ato nupcial, desconhecido pelo cônjuge enganado e que, após descoberto, torna insuportável a vida comum.

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Desde 1916, o Código Civil estabelece as possibilidades de anulação de casamento por erro quanto à pessoa do outro. De acordo com o advogado Cassio Namur, especialista em Direito de Família, o erro essencial é aquele de tal importância que, sem ele, o ato do casamento não ocorreria.

Os motivos que podem levar à anulação, por erro de pessoa, mudaram muito ao longo dos anos. No primeiro CC, por exemplo, uma das possibilidades previstas era o defloramento da mulher, desconhecido pelo marido. Em outras palavras, era a possibilidade da anulação do casamento em casos nos quais o homem descobrisse, em até dez dias, que a esposa não havia se casado virgem. Essa previsão só deixou de existir, de fato, após a entrada em vigor do CC de 2002 - mesmo com a equiparação entre homens e mulheres prevista pela Constituição Federal de 1988.

Atualmente, o CC considera, para que se configuere "o erro essencial quanto à pessoa do outro", aspectos mais subjetivos, como, por exemplo, o que diz respeito à identidade, honra e boa fama. Cassio Namur explica que essa questão é sensível, uma vez que depende de critério individual do que pode, por exemplo, afrontar a boa fama de alguém. 

O advogado exemplifica: o desconhecimento do marido à vida anterior de sua esposa, que poderia ter sido prostituta ou garota de programa, ou que ela tenha sido atriz de filmes pornográficos. "Isso poderia ser motivo de anulação de casamento?", questiona. Para algumas pessoas, esse caso pode ser uma situação muito grave, que enseja a anulação mas, para outras, pode ser relativizado.  Para estas questões, portanto, cabe ao Judiciário a decisão final.

"Invertendo o exemplo, será que o conhecimento da esposa de que seu marido tenha sido 'garoto de programa', sem que ela antes soubesse, poderia ser motivo para anulação de casamento? Eu entendo que sim, em ambos os casos, mas dependendo da situação em específico. Não se pode generalizar, mas há que se verificar caso a caso." 

Mas, por que em pleno século XXI é necessário que ainda exista um dispositivo que preveja as possibilidades de se anular um casamento? Não bastaria só não querer mais estar em uma relação? O advogado explica que as referidas previsões são necessárias uma vez que estas questões estão sujeitas ao discernimento pessoal. "O que para uma pessoa pode ser admitido e até perdoado, para outra não pode, por exemplo, por motivo de convicção religiosa ou por motivo de quebra de confiança. Daí a importância de haver a previsão deste dispositivo no Código Civil", completa.

Por: Redação do Migalhas

Atualizado em: 19/9/2018 10:53

Marido enganado sobre paternidade consegue anular casamento por "erro essencial"

 Só depois do casamento o homem descobriu que não era o pai da criança, situação que configurou "erro essencial" quanto à pessoa da mulher.

Um homem conseguiu na Justiça a anulação de seu casamento após ter sido enganado pela esposa sobre a paternidade do filho. Decisão foi proferida pela 1ª camara Cível do TJ/PB. Ele se casou após descobrirem a gravidez, por entender que era o pai da criança, que chegou a registrar. Para a relatora, desembargadora Fátima Bezerra Cavalcanti, ficou demonstrado o "erro essencial" quanto à pessoa da mulher.

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Em 1º grau, o pedido foi julgado parcialmente procedente para declarar que o apelante não era pai biológico da criança, determinando a exclusão de seu nome da certidão de nascimento. No entanto, o juízo negou o pedido de anulação do casamento por entender que "não é possível que, em pleno século XXI, alguém afirme que foi obrigado a casar porque sua namorada estava grávida, e isso não significa que ela fosse uma desonrada".

Ao requerer a reforma da sentença, o apelante alegou que somente após o matrimônio, ficou sabendo que não era o pai, embora tenha reconhecido a criança como filho e o registrado. Tal comprovação veio a ser ratificada com o resultado do exame de DNA.

Relatou também que, ao casar, não tinha conhecimento da infidelidade da esposa, então namorada, e que o casamento somente se realizou por conta do estado de gravidez. Aduziu, assim, que houve erro essencial quanto à boa honra e boa fama da mulher, dada a falsa percepção que tinha da esposa.

Erro essencial

No julgamento, a relatora, desembargadora Fátima Bezerra, observou que a anulação do casamento sob a alegação de erro essencial tem previsão no artigo 1.556 do CC/02. De acordo com o dispositivo, considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge o que diz respeito a sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

Ela ressaltou que, como se infere nos autos, o erro essencial diz respeito ao fato de "o recorrente ter contraído núpcias, voluntariamente, ao compreender que seria o pai da criança, pois, ao seu entender, teria vivenciado um relacionamento com fidelidade, sem jamais desconfiar de relacionamentos paralelos da mulher".

Destacou que a mulher confirmou que ele não sabia das traições antes de se casar, muito menos que não seria o pai da criança.

"Pelos depoimentos, bem se percebe que o erro essencial se mostra evidente, vez que as dúvidas quanto à boa fama e a boa honra da recorrida se revelaram após a realização do casamento."

  • Processo: 0000092-42.2009.815.0301

Informações: TJ/PB. 

Por: Redação do Migalhas

Atualizado em: 17/10/2019 01:30

https://www.migalhas.com.br/quentes/313251/marido-enganado-sobre-paternidade-consegue-anular-casamento-por--erro-essencial

Bolsonaro sanciona lei de proteção a animais e promete corrigir distorção punitiva

 29 de setembro de 2020, 21h53

Por 

Justiça suspende revogação de normas que protegem restingas e manguezais

29 de setembro de 2020, 19h55

Por 

Pelo risco de "danos irrecuperáveis ao meio ambiente", a 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro suspendeu nesta terça-feira (29/9) a revogação das Resoluções 302 e 303 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Ministro Ricardo Salles é alvo de ação por revogação de normas ambientais
Agência Brasil

As normas fixam parâmetros de proteção para áreas de preservação permanente, como restingas, manguezais e outros ecossistemas sensíveis, com o objetivo de impedir a ocupação e desmatamento. As resoluções foram revogadas na reunião desta segunda (28/9) do Conama.

Em ação popular movida contra a União e o ministro do Meio Ambiente, os advogados Ricardo SallesRodrigo da Silva RomaLeonardo Nicolau Passos MarinhoRenata Miranda Porto e Juliana Cruz Teixeira da Silva afirmaram que a revogação das normas viola o direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, assegurado no artigo 225 da Carta Magna, assim como a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida na Lei 6.938/1981 e o Código Florestal (Lei 12.651/2012).

A juíza federal Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho concedeu antecipação dos efeitos da tutela por entender que há risco de danos irreparáveis ao meio ambiente.

Clique aqui para ler a decisão
5067634-55.2020.4.02.5101

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2020, 19h55

https://www.conjur.com.br/2020-set-29/justica-suspende-revogacao-normas-protegem-restingas-manguezais