terça-feira, 30 de outubro de 2018

Capacidade civil e deficiência mental: novas perspectivas na vigência da lei 13.146/2015

Por Angeline Altair da Silva, do núcleo de Inovação e Gestão Jurídica do IEAD

Publicado por Instituto de Estudos Avançados em Direito

Lei 13.146/15 – que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), advinda da aprovação do texto da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Nova York, 2007) – é assunto polêmico na comunidade jurídica e vem sendo explorado por cuidar de tema que causa grande impacto não somente no âmbito jurídico, mas também na sociedade como um todo; pois, agora, os indivíduos portadores de qualquer deficiência, inclusive mental (independente do grau), até mesmo psicopatas, passam a ter capacidade plena, podendo inclusive, constituir união estável, casar e exercer guarda e curatela de outrem.

Aborda-se a relação existente entre capacidade civil e deficiência mental, bem como os avanços, retrocessos ou simplesmente, as novas perspectivas, na vigência da Lei 13.146/15. A teoria das capacidades (de fato e de direito), os elementos que caracterizam a capacidade civil¹ do indivíduo, e sua correlação com a insuficiência mental, de modo a verificar se a alteração legislativa promoveu proteção (dignidade-vulnerabilidade) ou se houve tão somente igualdade (dignidade-liberdade) e/ou inversão dos institutos já previstos nos artigos e , e 114 a 116, CC/02.

Na antiga redação do art. , CC/02, eram absolutamente incapazes: os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Com a entrada em vigor da Lei n. 13.146/15 – todos os três incisos do art. , CC, foram revogados, exceto o que tange ao menor de 16 anos, este continua a ser absolutamente incapaz quanto aos atos da vida civil.

O conteúdo do art. , CC, também foi alterado. A redação previa que eram relativamente incapazes a certos atos, ou à maneira de os exercer: os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo e os pródigos.

São considerados relativamente incapazes os ébrios habituais e os viciados em tóxico e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não possam exprimir sua vontade. Verifica-se que os indivíduos portadores de qualquer deficiência (inclusive mental) passam a ter capacidade plena, podendo inclusive, constituir união estável, casar e exercer guarda e tutela de outrem (previsão expressa no art. , Lei 13.146/15).

Flávio Tartuce explica que da alteração legislativa se extrai que, agora, somente os menores de dezesseis anos serão considerados como absolutamente incapazes, de modo que não há maiores absolutamente incapazes e o escopo da Lei foi a “plena inclusão da pessoa com algum tipo de deficiência, tutelando a dignidade humana dela”. O antigo Estatuto da Pessoa com deficiência bem como o Código Civil, e demais legislações, tratavam tais pessoas como vulneráveis, no entanto, a nova sistemática substituiu a dignidade-vulnerabilidade pela dignidade-liberdade.

Na acepção da dignidade-vulnerabilidade, protege-se a dignidade da pessoa considerando-a vulnerável em relação aos demais. O antigo art. , incisos II e III, CC, então, conferia incapacidade absoluta (além dos menores de dezesseis anos) àqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem o necessário discernimento e àqueles que, por causa transitória, não pudessem exprimir a própria vontade, isto é, caso praticassem pessoalmente os atos da vida civil, estes seriam nulos² de pleno direito pelo ordenamento pátrio (art. 166, inciso I, CC). O art. , CC, também sofreu alterações pontuais diante da vigência da Lei 13.146/2015, mas continua conferindo o instituto da incapacidade relativa, ou seja, caso os atos da vida civil sejam pessoalmente praticados, tais atos são anuláveis³ (art. 171, inciso I, CC).

Interessante observar que as seguintes expressões foram completamente abolidas: “deficiência mental”, “excepcionais”, “sem desenvolvimento mental completo” e “discernimento reduzido”. O Professor Cristiano Sobral sintetizou algumas situações: i) não há falar em ação de interdição absoluta no sistema civil; ii) todos que eram absolutamente incapazes passam a ser, em regra plenamente capazes, valorizando, assim, a chamada dignidade-liberdade e se afastando a dignidade-vulnerabilidade; iii) podemos em certos casos, chamar de relativamente incapazes, aqueles que eram absolutamente incapazes 4 .

Para os Juízes de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em exercício na Vara de Família, Infância, Juventude e idoso, Aline Maria G. Massoni da Costa e Eric Scapim Cunha Brandão (denominados COSTA e BRANDÃO) 5, a Lei 13.146/15 teve o claro objetivo de promover os direitos humanos das pessoas com deficiência, proporcionando integração e inclusão destas na sociedade, de modo a garantir seus direitos e liberdades fundamentais, plena e equitativamente.

O art. 12 (Convenção), prevê que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, em diversos aspectos da vida. COSTA e BRANDÃO entendem que, para fins de incapacidade absoluta, o legislador apenas utiliza o critério cronológico; pois, abole-se o critério biológico/psíquico/intelectual, o qual rotulava como absolutamente incapaz os indivíduos com alguma enfermidade mental. Ademais, os juízes acima mencionados sustentam que foram materializados os objetivos da Convenção Interamericana, na legislação infraconstitucional brasileira, de modo que afirmam: “(...) nada mais razoável que a pessoa com deficiência seja plenamente capaz para o exercício dos direitos pessoais, não dependendo de terceira pessoa para praticar atos jurídicos; desde que este possa expressar sua vontade, este é considerado plenamente capaz”.

Interessante observar a ressalva feita por COSTA e BRANDÃO, a qual a pesquisadora do presente trabalho concorda, no sentido de que isso não significa que as alterações promovidas aniquilaram o instituto jurídico das incapacidades, no caso das pessoas com enfermidade ou deficiência mental. Embora a regra seja a da “capacidade”; quando o indivíduo não puder exprimir sua vontade de forma livre e consciente, dever-se-á reconhecer e decretar a incapacidade daquele indivíduo.

COSTA e BRANDÃO salientam que, em momento algum, desprestigia-se os objetivos alcançados com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência física e, pelo Novo Estatuto. O escopo maior é garantir dignidade e proteção ao indivíduo. Caso este não possa expressar a própria vontade, encontrando-se, obviamente, vulnerável, de modo que se deve sim aplicar a ele a teoria das incapacidades, que, aliás, tem caráter protetivo. Referida teoria não aniquila a almejada inclusão, ao contrário, garante maior proteção a quem continua a exercer direitos e deveres na sociedade, ainda que com o auxílio de terceiro.

O art. 84, § 1º, Lei 13.146/15, expressamente consigna que o indivíduo com deficiência, quando necessário, deverá submeter-se à curatela, com isso, verifica-se claramente, que a efetivação da inclusão deve ser analisada caso a caso. Conclui-se que para a maioria das deficiências (exemplo: física, sensorial ou motora), pode aplicar a dignidade-liberdade, contudo, em se tratando de doença ou deficiência mental, defende-se que ainda prevaleça o instituto da dignidade-vulnerabilidade, de modo a evitar atropelos e incoerências, sociais ou jurídicas.

Angeline Altair da Silva é advogada, atua no escritório Marques Sandre e em processos particulares – cíveis e trabalhistas, pós-graduação em direito civil e processual civil, Membro do núcleo de Inovação e Gestão Jurídica do Instituto de Estudos Avançados em Direito, Membro da Comissão Especial de Estudos Processuais da OAB-Goiás, Palestrante em escolas públicas do Estado de Goiás.

Seu e-mail para contato é angeline@apjur.adv.br
Está no instagram como @angelinejur e no Facebook como Angeline Altair da Silva.

1 Capacidade civil é o grau de aptidão da pessoa para adquirir direitos e praticar, por si ou por outrem, atos não proibidos. (FREITAS, 1952, p. 24-25).

2 O ato NULO padece por vício insanável, não pode ser convalidado, não produz efeitos válidos entre as partes, e compromete direito de terceiro. Disponível em: <http://www.forumconcurseiros.com/forum/forum/disciplinas/direito-administrativo/atos-administrativos.... Acesso em: jan. 2018.

3 O ato ANULÁVEL possui vício sanável e pode ser convalidado, diante disso, produz efeitos válidos entre as partes, e não compromete direito de terceiro. Loc. Cit. Acesso em: jan. 2018.

4 PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Código Civil anotado. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Editora JusPodivm, 2017. Disponível em: < https://www.editorajuspodivm.com.br/cdn/arquivos/e7d051808de2d218d2a34dd00f7c9e99.pdf>. Acesso em: jan. 2018.

5 COSTA, Aline Maria Gomes Massoni da, e BRANDÃO, Eric Scapim Cunha. Artigo: As alterações promovidas pela Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da pessoa com deficiência) na teoria das incapacidades e seus consectários. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/documents/ 10136/3543964/artigo-interdicao.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2018.

Fonte: https://ieadireito.jusbrasil.com.br/artigos/643324112/capacidade-civil-e-deficiencia-mental-novas-perspectivas-na-vigencia-da-lei-13146-2015?utm_campaign=newsletter-daily_20181030_7746&utm_medium=email&utm_source=newsletter&fbclid=IwAR1jy1jMHDblz0SjvzlY9j2GpWULypgw-PbU0mPqi75Vk-mccKW2dipg3M8

Reajuste de plano de saúde coletivo por idade tem respaldo normativo e na realidade da vida

Decisão é do TJ/DF.
segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A 1ª Turma Cível do TJ/DF manteve sentença que entendeu não ser abusivo reajuste da mensalidade de plano de saúde coletivo tendo por base critério etário.
O cerne da controvérsia tratou da aferição da legalidade do reajuste da mensalidade do plano de saúde coletivo contratado após atingida a última faixa etária - 59 anos ou mais. A parte alegou violação ao Estatuto do Idoso, diante de tratamento discriminatório com base no critério etário.
Em 1º grau, os pedidos foram julgados improcedentes porquanto “visam apenas manter o equilíbrio atuarial do sistema, para que o patrocínio não se torne oneroso, também em face de outros participantes, permitindo a continuidade da cobertura”.
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O relator da apelação, desembargador Teófilo Caetano, consignou que nos planos de saúde coletivos os índices de reajuste por variação de custos são definidos com observância de cálculos atuariais, não estando sujeitos à aprovação nem vinculados aos parâmetros firmados pela ANS.
A compartimentação dos reajustes das mensalidades do plano de saúde de conformidade com a variação etária do participante encontra respaldo normativo e na realidade da vida, que é refletida na base atuarial manejada pelas seguradoras com lastro precipuamente no aumento da sinistralidade decorrente do simples incremento da idade, não se afigurando viável que, sem comprovação de previsão discriminatória desguarnecida de lastro atuarial, seja reputada como abusiva a aplicação do reajustamento previsto para a derradeira faixa etária desde que convencionado o plano e estabelecidas as faixas etárias na conformidade da regulação suplementar (Lei nº 9.656/98, arts. 15 e 16, IV; Resolução ANS nº 63/03).
Conforme o relator, no caso em exame, o contrato firmado entre as partes previra expressamente o incremento da contraprestação dos beneficiários em função da mudança de faixa etária.
Destarte, considerando que o contrato fora firmado em 2008, a aplicação do reajuste por faixa etária nele estabelecida não é ilegal, porquanto observara as faixas etárias e os limites percentuais entre elas, conforme previsto na Resolução ANS 63/2003.”
O desembargador também anotou no voto que em se tratando de plano de saúde coletivo, não se lhe aplicam os limites percentuais de reajustes fixados pelas resoluções da ANS, porquanto se referem a reajustes de planos individuais de saúde.
A decisão do colegiado em negar provimento à apelação foi unânime, e incluiu também a majoração dos honorários advocatícios impostos à apelante.
O escritório Advocacia Fontes Advogados Associados S/S atuou na causa pela Vision Med Asssistencia Médica Ltda.
Veja o acórdão.

Resolução define com clareza conceito de violência contra animais

Pela 1ª vez, resolução estabelece definições como “crueldade” e “maus-tratos” contra animais.
terça-feira, 30 de outubro de 2018

Foi publicado no DOU desta segunda-feira, 29, a resolução 1.236/18, que define e caracteriza conceitos como crueldade, abuso e maus-tratos contra animais. É a 1ª vez que uma norma conceitua e exemplifica estes tipos de violência.
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De acordo com a resolução, os seguintes conceitos são definidos como:
  • Maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais;
  • Crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus tratos continuamente aos animais;
  • Abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual.
A resolução considera maus-tratos quem, por exemplo, mantém o animal sem acesso adequado a água, alimentação e temperatura compatíveis com as suas necessidades (art. 5º, VIII). Outra conduta considerada como maltrato é a submissão do animal a eventos, ações publicitárias, filmagens, exposições e/ou produções artísticas e/ou culturais para os quais não tenham sido devidamente preparados física e emocionalmente ou de forma a prevenir ou evitar dor, estresse e/ou sofrimento.
A norma também define os deveres de médicos veterinários e o zootecnistas. Pela norma, os médicos veterinários e zootecnistas têm o dever de "previnir e evitar atos de crueldade, abuso e maus-tratos" por meio da recomendação de procedimentos "alinhados com as necessidades fisiológicas, comportamentais, psicológicas e ambientais das espécies".
Veja a íntegra da resolução.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

STJ: "Consumidor Por Equiparação. Casos em que a proteção do CDC pode existir mesmo sem a relação de consumo"

Pessoas que se machucam ao escorregar em piso molhado sem sinalização, embora não hajam comprado produtos ou serviços da empresa, foram, de algum modo, afetadas por um evento danoso que a colocou na condição de consumidor por equiparação.

Casos assim fazem parte da rotina do Judiciário e por isso fizemos para você uma matéria especial sobre o assunto. Confira na íntegra:http://bzz.ms/1Lno

#PraTodosVerem ilustração de um homem escorregando em um piso molhado e acima o texto "Consumidor Por Equiparação. Casos em que a proteção do CDC pode existir mesmo sem a relação de consumo"

Fonte: https://www.facebook.com/stjnoticias/photos/a.10150813555331852/10155561761701852/?type=3&theater

A invisível violência doméstica contra o patrimônio da mulher

Por 
Aproveitando que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) completou 12 anos em agosto, volto a tratar da violência patrimonial contra a mulher, uma forma invisível de violência doméstica que costuma passar despercebida no bojo dos litígios conjugais. Tenho chamado a atenção para esse tema nos últimos anos, mas, infelizmente, vejo que quase nada mudou no panorama da violência doméstica patrimonial nesse período[1].
A Lei Maria da Penha, como se sabe, não criou novos tipos penais, mas propiciou uma releitura dos tipos penais existentes, ao mesmo tempo em que assegurou, no âmbito do processo penal, um tratamento diferenciado e protetivo da mulher (discriminação positiva), de modo a suprir as diferenças decorrentes do gênero. Ela mudou a forma de se interpretar a tipificação penal tradicional, ampliando o conceito de violência doméstica para abarcar certas condutas que antes eram excluídas dos tipos penais.
Além da violência física, sempre a face mais chocante da violência doméstica, a lei elasteceu a moldura normativa, possibilitando a incorporação na tipificação de outras formas de violência doméstica e familiar em razão do gênero, as quais, apesar de muito frequentes, eram pouco invocadas como instrumentos de proteção à mulher agredida. Entre elas, a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades[2]. Em outras palavras, a violência patrimonial está nucleada em três condutas: subtrairdestruir e reter.
O verbo subtrair conduz inicialmente a um tipo penal por todos conhecido: o furto, previsto no artigo 155 do CP. Se a subtração se deu com emprego de violência, temos o tipo denominado roubo. Assim, incorre nessa conduta típica tanto o cônjuge ou companheiro que subtrai às escondidas valores da mulher para compra de bebidas ou drogas (situações mais comuns) como aquele que subtrai da mulher a parte que lhe cabia dos bens comuns, alienando o automóvel ou os móveis da casa ou até mesmo o animal de estimação. Às vezes a subtração ocorre com finalidade de causar dor ou dissabor à mulher, pouco importando o valor dos bens subtraídos. Evidentemente que não é todo e qualquer furto contra a mulher, ainda que praticado por ex-cônjuge ou ex-companheiro, que irá caracterizar a violência patrimonial. É preciso que a subtração ocorra em situação de violência doméstica, ou seja, em razão do gênero.
No tocante à destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho e documentos pessoais, o tipo penal correspondente é o crime de dano, previsto no artigo 163 do CP. Se o crime é cometido com violência à pessoa ou grave ameaça, com emprego de substância inflamável ou explosiva, ou ainda por motivo egoístico (como é o caso do ciúme excessivo), temos o crime de dano qualificado, cuja pena passa a ser de detenção, de 6 meses a 3 anos. Em regra, a apuração do crime de dano só se procede mediante queixa, ou seja, a ação penal é privada, salvo se houver emprego de violência ou grave ameaça, substância inflamável ou explosiva, quando a ação de privada passa a ser pública incondicionada.
Na maioria das situações, o crime de dano sempre está associado a outras formas de violência, como é o caso da ameaça, ou mesmo violência psicológica, como ocorre nas situações em que o agressor provoca a destruição de objetos de alto valor sentimental ou ainda a morte de animal de estimação, visando atingir a vítima em seu estado psíquico. Nesses casos, ocorrem dois crimes em concurso.
Outros tipos penais relacionados diretamente à conduta “destruir” estão dispostos nos artigos 151 e 305 do CP. O artigo 151 versa sobre o delito de violação de correspondência, que abrange a sonegação ou destruição de correspondência alheia, embora não fechada, e prevê pena de detenção, de 1 a 3 anos. O artigo 305 trata da destruição, supressão ou ocultação de documentos, condutas sancionadas com pena de reclusão, de 2 a 6 anos, e multa, se o documento é público, e de 1 a 5 anos de reclusão, se o documento é particular. No que se refere, especificamente, à ocultação (ou retenção) de documentos, se essa conduta impossibilitar o exercício de qualquer direito trabalhista pela mulher, tem-se caracterizado, ainda, o crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, previsto no artigo 203 do CP, com pena de detenção de 1 ano a 2 anos e multa.
Finalmente, a violência patrimonial caracterizada pela conduta típica de reter bens ou valores tem a mesma natureza jurídica do seu tipo penal correspondente, que é a apropriação indébita, prevista no artigo 168 do CP. Especificamente quanto à retenção de bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades do cônjuge ou companheiro, podemos vislumbrar uma série de condutas típicas e, portanto, criminosas, que não são levadas ao juízo competente para a devida apuração.
E como se materializa essa conduta de “reter bens, valores e direitos ou recursos econômicos”? Ora, as formas são as mais diversas e todos os que militam na advocacia de família as conhecem muito bem. O cônjuge meeiro que toma para si o quinhão dos bens móveis que deveria repassar à mulher, usufruindo sozinho dos frutos dos bens comuns, está se apropriando de bem móvel alheio. O meeiro deixa de repassar à meeira os dividendos das ações de uma sociedade que pertencem aos dois. A conduta do homem, recebedor da integralidade dos alugueres de imóvel pertencente a ambos os cônjuges ou conviventes, por exemplo, equivale à retenção ou apropriação de bens ou recursos econômicos, exatamente como previsto na Lei 11.340/2006. Ou seja, apropriação indébita cometida com violência doméstica, na modalidade violência patrimonial.
Também configura violência patrimonial, mediante a retenção de recursos econômicos, furtar-se dolosamente ao pagamento de pensão alimentíciaarbitrada em benefício da mulher[3]. O tipo previsto no artigo 168 é essencialmente comissivo, ou seja, praticado mediante a ação de apropriar-se, e o objeto material é a coisa móvel. O cônjuge alimentante que, mesmo dispondo de recursos econômicos, adota subterfúgios para não pagar ou para retardar o pagamento de verba alimentar está, em outras palavras, retendo ou se apropriando de valores que pertencem à mulher, com o agravante de tais recursos destinarem-se à própria sobrevivência daquele cônjuge. Aqui, além da apropriação indébita, a violência patrimonial também se materializa pela prática do crime de abandono material, previsto no artigo 244 do CP, cabendo lembrar que o CPC de 2015 é expresso ao determinar, no artigo 532, que verificada a conduta procrastinatória do executado (por crédito alimentar), o juiz deverá, ex officio, dar ciência ao Ministério Público dos indícios da prática do crime de abandono material. Todavia, apesar do caráter mandamental da disposição, poucos juízes de Família têm feito a necessária comunicação ao MP para apuração do crime, ainda quando expressamente requerido pelas vítimas. E nas raras vezes em que a comunicação é feita, raríssimas são as denúncias oferecidas[4].
Além das dificuldades que transcendem a legalidade, como é caso do silêncio, da omissão e da inatividade da vítima, fatores que só impulsionam o ciclo da violência, do ponto de vista estritamente legal, os principais empecilhos para instauração dos processos criminais visando à proteção patrimonial da mulher decorrem das imunidades localizadas nos artigos 181 e 182 do CP, que isentam de pena quem comete crimes contra o patrimônio em prejuízo do cônjuge, na constância da sociedade conjugal, admitindo-se, excepcionalmente, que se proceda mediante representação, se o cônjuge estiver judicialmente separado. Por óbvio a interpretação desses dispositivos deve permitir a sua atualização, e onde se lê “separação judicial”, deve-se incluir “separação de direito ou de fato”, enquanto que a palavra “cônjuge” é também compreensiva de “companheiro”.
Ou seja, enquanto não se consumar a separação de fato ou de direito, o divórcio ou a dissolução da união estável, praticamente nada poderia ser feito. Salvo se o crime for cometido com emprego de grave ameaça ou violência contra a pessoa, ou ainda quando a vítima for maior de 60 anos[5].
A interpretação jurisprudencial mais conservadora, e ainda vigente, não recepcionou a tese de que os artigos 181 e 182 do CP teriam sido derrogados pela Lei Maria da Penha, vale dizer, o entendimento no sentido de serem inaplicáveis os artigos 181 e 182 do CP aos crimes de violência doméstica e familiar. O STJ vem decidindo que esses dispositivos não foram afastados pela Lei Maria da Penha.
Isso não deve nos desanimar ou servir de desestímulo ao uso das ferramentas do Direito Penal contra a violência patrimonial praticada contra as mulheres. Se o cônjuge já estava divorciado, separado de direito ou separado de fato, se a união estável já estava dissolvida, ou se já havia cessado a relação íntima de afeto, deve ser feita a representação para instauração da persecução penal. Se houve emprego de violência ou grave ameaça, ou se a vítima for maior de 60 anos, a ação penal poderá ser instaurada independentemente de representação e ainda na constância do casamento ou da união estável.

[1] Ver, por todos: https://www.lex.com.br/doutrina_27138477_A_VIOLENCIA_PATRIMONIAL_CONTRA_A_MULHER_NOS_LITIGIOS_DE_FAMILIA.aspx
[2] Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: (...) IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
[3] Nesse sentido o enunciado aprovado no X Congresso Brasileiro de Direito de Família, em outubro de 2015: “Enunciado 20. O alimentante que, dispondo de recursos econômicos, adota subterfúgios para não pagar ou para retardar o pagamento de verba alimentar incorre na conduta descrita no art. 7º, inc. IV da Lei nº 11.340/2006 (violência patrimonial)”.
[4] PENAL. ABANDONO MATERIAL. DEIXAR DE PAGAR PENSÃO ALIMENTÍCIA JUDICIALMENTE FIXADA. DOLO CONFIGURADO. JUSTA CAUSA NÃO DEMONSTRADA. Aquele que deixa de prover a assistência ao filho menor, frustrando o pagamento de pensão alimentícia, sem demonstrar justa causa para o inadimplemento, responde pelo crime do art. 244 do Código Penal. (TJMG; APCR 1.0084.14.000322-3/001; Rel. Des. Júlio Cezar Guttierrez; Julg. 22/07/2015; DJEMG 28/07/2015).
[5] Art. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores: I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;(...) III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003).
Mário Luiz Delgado é advogado, professor da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp) e da Escola Paulista de Direito (EPD), doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) e do Instituto de Direito Comparado Luso Brasileiro (IDCLB).
Revista Consultor Jurídico, 28 de outubro de 2018, 8h00

domingo, 28 de outubro de 2018

YAHOO: O contrato de namoro não tem nada a ver com um ato amoroso e é uma forma de proteger seus bens

Publicado em: 06/07/2018

Quando você escuta contrato de namoro o que vem à cabeça? Um gesto romântico? Um novo tipo de aliança de compromisso? Nada disso! Esse documento lavrado em cartório, na verdade, é mais focado na praticidade do que no romantismo.
 
Advogado no Brasil e nos Estados Unidos, Rogerio Urbano conheceu o contrato de namoro no exterior e avaliou que algumas modificações poderia ser aplicadas com ele e sua namorada na época. “Tenho quatro filhos que são herdeiros do patrimônio que eu construí em 20 anos de advocacia. Não sou herdeiro e entendi que seria o caso de ter uma proteção sobre o meu patrimônio quando comecei a namorar”, conta.
 
Urbano colocou as cartas na mesa no início do namoro e contou que sua namorada, que hoje é sua companheiro por meio da união estável, não se aborreceu com o tema. “Ela aceitou na hora e reiterou que não estava comigo pelos bens, mas sim pelo nosso sentido, relembra.
 
Mas afinal no que consiste um contrato de namoro? Andrey Guimarães Duarte, presidente do Colégio Notarial do Brasil — Seção São Paulo, explica: “É um instrumento público (feito no cartório de notas perante o tabelião) ou privado, que tem como objetivo principal criar uma prova pré constituída para resguardar o interesse patrimonial e jurídico do casal contra futuros e possíveis conflitos que possam surgir com o término da relação”, fala.
 
Ou seja, o principal objetivo do contrato de namoro é ser um documento capaz de afastar a configuração da união estável, já que nele está expresso que o casal de namorados não convive em união estável.
 
Duarte não consegue precisar quando esse tipo de contrato passou a existir, mas acredita que a demanda aumentou após a publicação da Lei 9.278 que aboliu os critérios objetivos para a configuração da união estável, por exemplo, a convivência superior a cinco anos ou filhos. “Passaram a admitir a existência da  união estável pelo simples fato do casal conviver juntos, de forma pública e duradoura. No banco de dados dos notários, administrado pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, que reúne os atos notariais praticados nos tabelionatos brasileiros, o primeiro contrato de namoro consta do ano de 2006”, revela.
 
A principal vantagem desse tipo de contrato, na opinião de Urbano e Duarte, é que quando feito no cartório de notas ele agrega valor de documento público ao namoro. “O notário é o profissional competente para atestar, por meio da sua fé pública, que as partes eram capazes e manifestaram livremente sua vontade à época da lavratura da escritura pública. Claro que o documento será submetido a apreciação judicial em caso de litígio, mas ele dará mais força jurídica em uma disputa judicial, pois servirá como indício de que ambos não entendiam estar em união estável”, finaliza Duarte.
 
O documento feito em cartório fica arquivado eternamente nos livros do cartórios, podendo as partes envolvidas requisitar uma certidão do mesmo a qualquer momento. “Mas é importante ressaltar que o contrato não surtirá efeito quando for aplicado com a finalidade de “maquiar” uma união estável, ou seja, não  terá efeito quando for utilizado como meio de fraude”, explica Duarte.
 
Urbano, inclusive, recomenda a todos seus clientes adeptos ao contrato de namoro a inserção de uma cláusula prevendo a união estável. “Todo relacionamento evolui e isso é natural. Por isso, sempre recomendo no contrato de namoro já prever como será o regime se ele migrar para uma união estável. O meu, por exemplo, evoluiu e já estava estabelecido em contrato a separação dos bens”, fala o advogado.
 
Ficou interessado em fazer um contrato de namoro? Ele é um serviço simples de ser contratado. Basta que os interessados dirijam-se até o cartório de notas de sua confiança munidos de CPF e de documento de identificação pessoal válido no território nacional, por exemplo, o RG. O valor varia de acordo com o Estado, já que os emolumentos cartoriais são fixados por meio de lei estadual. Em São Paulo, o valor é de R$ 406,35 mais o ISS (Imposto Sobre Serviço) relativo a cada município.
Fonte: Yahoo

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TJGO: Unimed é condenada a indenizar conveniado pela recusa em custear material para cirurgia ortopédica

martelo e estetoscópioA juíza Eliana Xavier Jaime Silva, da 6ª Vara Cível da comarca de Anápolis, condenou a Unimed Goiânia Cooperativa de Trabalho Médico a pagar indenização no valor de quase R$ 60 mil a José do Vale Martins, por não ter autorizado fornecimento de material solicitado para uma cirurgia ortopédica, em face de uma doença degenerativa. Os danos morais foram fixados em R$ 30 mil e os materiais, em R$ 29,3 mil.
José do Vale Martins sustentou que a Unimed Goiânia, por duas vezes, em 2012 e 2013, negou o fornecimento do material solicitado pelo seu médico para que fossem realizadas as cirurgias, vez que foi diagnosticado com lombociatalgia esquerda e lombalgia intensa e hipertrofia facetária, embora tenha autorizado as cirurgias. Ele afirmou que, por orientação de seu médico, adquiriu o material necessário para o procedimento cirúrgico, tendo em vista ser a doença degenerativa. Sustentou que o seu cirurgião assinalou que não poderia realizar o procedimento sem o material solicitado “devido ao risco à sua saúde e por ser uma cirurgia invasiva”.
Ao se manifestar, a Unimed Goiânia justificou a negativa de autorização de custeio do material alegando tratar-se de “procedimento experimental não previsto pela Agência Nacional de Saúde (ANS), cuja exclusão é clara no contrato. E mais, que a autorização foi negada “por ausência de evidência médica quanto a eficácia desses materiais no tratamento da moléstia diagnosticada, estando o procedimento cirúrgico num plano meramente experimental”.
Risco
Eliana Xavier Jaime Silva ressaltou que se mostra abusiva e sem fundamentos contratual e legal a negativa excludente de custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento indicado pelo médico ao autor, pois colocou-o em risco e contra o próprio objeto do contrato, qual seja, a preservação da saúde. Para ela, a Unimed, como operadora de plano de saúde, integrante da saúde suplementar, dentro do seu âmbito de atuação, tem o dever de assegurar aos seus contratantes e usuários o direito fundamental saúde, que representa consequência constitucional indissociável do direito à vida.
A magistrada observou que a recusa da ré, em custear o material pleiteado, inviabilizou o tratamento cirúrgico necessário, retardando-o e impondo ao autor custeá-lo, com suas próprias expensas, ante a urgência de tentar sanar seu sofrimento físico. Segundo ela, o dano material foi devidamente comprovado por farta documentação e, da mesma forma, o mora, “pela via peregrinada pelo autor, por meses a fio, até solucionar, por conta própria, buscando meios pecuniários peculiares, a par do pagamento regular de um plano de saúde, com o qual contava, para ver-se atendido, em momentos de infortúnios como o ocorrido”. Processo nº 201400591079. (Texto:Lílian de França – Centro de Comunicação Social do TJGO)

sábado, 27 de outubro de 2018

Os filhos participam da partilha de bens dos pais obrigatoriamente


💰💰Filhos e cônjuges são herdeiros em primeira classe na ordem de sucessões, conforme artigo 1.829 do Código Civil. Os filhos participam da partilha de bens dos pais obrigatoriamente, pouco importando se são frutos do primeiro casamento, do segundo ou até mesmo de uma relação extraconjugal. A fatia de cada um deles deve ser igual. Já a fatia da herança pertencente ao cônjuge dependerá do regime de bens adotados pelo casal. Confira: http://bit.ly/PartilhaEntreFilhos

Descrição da imagem #PraCegoVer e#PraTodosVerem: colagem com uma casa partida ao meio, com uma mão feminina e uma mão masculina pegando cada metade. Texto: Uma herança, duas famílias. Quando uma herança está em disputa entre duas famílias, os filhos de diferentes relacionamentos têm os mesmos direitos, mesmo aqueles que são fruto de uma relação fora do casamento. Artigo 1.829 do Código Civil. CNJ

É possível lavrar escritura declaratória de união de estável de pessoa casada?

Por Rafael Depieri
Publicado em: 26/10/2018


A união estável possui matriz constitucional, tendo sido os Direitos dos companheiros assegurados segundo os ditames do §3º do art. 226 da Constituição Federal[1]. Ato contínuo, o referido artigo foi regulamentado pelo Código Civil de 2002, que conceituou a União Estável em seu art. 1.723 como uma “entidade familiar entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Evidencia-se, ainda, que a exigência de sexos distintos foi superada por decisão proferia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 132, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal, e, desse modo, excluir qualquer entendimento acerca do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Mas, considerando a consulta em epígrafe, a regra mais importante é trazida pelo §1º do referido artigo 1.723 do Código Civil, in verbis:
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

Na sequência, por apreço à didática, reproduz-se abaixo o inciso VI do art. 1.521 do Código Civil que atinge diretamente o tema tratado, in verbis:
“Art. 1.521. Não podem casar:
(...)
VI - as pessoas casadas;

Portanto, de imediato, o Código Civil revela duas premissas: i) é vetada a configuração de união estável para pessoas casadas; ii) para fins de legitimação dos sujeitos da união estável, não se consideram casados aqueles que estão separados de fato ou judicialmente.

Sobre a separação de fato, vale ressaltar que não há qualquer critério temporal para sua configuração, mas sim a demonstração de que inexiste vínculo conjugal propriamente dito. Melhor explica Maria Berenice Dias[2]:

“Não obstante a dissolução da sociedade conjugal ocorrer com o divórcio, é a separação de fato que, realmente, põe um ponto final no casamento. Todos os efeitos decorrentes da nova situação fática passam a fluir da ruptura da união. [...] O fim da vida em comum leva à cessação do regime de bens - seja ele qual for -, porquanto já ausente o ânimo socioafetivo, real motivação da comunicação patrimonial.”

A separação de fato produz os mesmos efeitos jurídicos da separação convencional ou do divórcio, tanto no campo obrigacional quanto no patrimonial, fazendo cessar, inclusive, o dever de fidelidade. Desta forma, estando os cônjuges separados de fato, não se vislumbra a impossibilidade de contrair união estável com terceiros e tão pouco a situação apresentada pelo art. 1727 do Código Civil, abaixo reproduzido:

“Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”

Nessa senda, vale, ainda, citar a definição de União Estável para o autor Álvaro Villaça de Azevedo[3]:

“A convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato.”

Pois bem, acerca da manutenção do casamento (onde não existe separação de fato) concomitante com união estável, cola-se abaixo julgado que ilustram o tema:

“DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. HOMEM CASADO. OCORRÊNCIA DE CONCUBINATO. INDAGAÇÕES ACERCA DA VIDA ÍNTIMA DOS CÔNJUGES. IMPERTINÊNCIA. INVIOLABILIDADE DA VIDA PRIVADA. SEPARAÇÃO DE FATO NÃO PROVADA. ÔNUS DA PROVA QUE RECAI SOBRE A AUTORA DA AÇÃO. 1. A jurisprudência do STJ e do STF é sólida em não reconhecer como união estável a relação concubinária não eventual, simultânea ao casamento, quando não estiver provada a separação de fato ou de direito do parceiro casado. 2. O acórdão recorrido estabeleceu que o falecido não havia desfeito completamente o vínculo matrimonial - o qual, frise-se, perdurou por trinta e seis anos -, só isso seria o bastante para afastar a caracterização da união estável em relação aos últimos três anos de vida do de cujus, período em que sua esposa permaneceu transitoriamente inválida em razão de acidente. Descabe indagar com que propósito o falecido mantinha sua vida comum com a esposa, se por razões humanitárias ou qualquer outro motivo, ou se entre eles havia "vida íntima". 3. Assim, não se mostra conveniente, sob o ponto de vista da segurança jurídica, inviolabilidade da intimidade, vida privada e dignidade da pessoa humana, discussão acerca da quebra da affectio familiae, com vistas ao reconhecimento de uniões estáveis paralelas a casamento válido, sob pena de se cometer grave injustiça, colocando em risco o direito sucessório do cônjuge sobrevivente. 4. Recurso especial provido. (REsp 1096539/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 25/04/2012)”

Note-se que é uníssona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao tratar da manutenção concomitante de casamento e união estável. Entretanto parte da doutrina vem admitindo a possibilidade de cumulação de duas ou mais relações, quando caracterizada a boa-fé do companheiro.

A título de estudo, longe de se esgotar o tema nesta ocasião, vale a reflexão de alguns doutrinadores de que caso o companheiro tenha ciência da união marital havida na qual esteja envolvida a outra parte, tem-se a existência da má-fé, denominando-se assim concubinato impuro. Lado outro, reconhece-se a existência pura de tal união, qual seja, a existência de todos os requisitos da união estável sem que o companheiro saiba do casamento da outra parte, restando configurada a boa-fé, cuja principal repercussão será a produção de efeitos no campo patrimonial, tendo tal companheiro os mesmos direitos aplicáveis ao cônjuge. Nessa linha, Álvaro Villaça Azevedo[4]:

“[...] concubinato impuro ou concubinagem, não deve merecer apoio dos órgãos públicos e, mesmo, da sociedade. Entendemos, ainda, que deste não deve surtir efeito, a não ser o concubinato de boa-fé, como acontece, analogamente, com o casamento putativo, e para evitar-se locupletamento ilícito.”

Feito esse breve passeio sobre o instituto da União Estável frente ao casamento pré-existente, vale agora analisar a questão no mundo notarial. Em primeiro plano, deve-se recordar que embora a Escritura de Declaração de União Estável possa ser registrada no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais e no Registro de Imóveis, o referido ato notarial não é constitutivo, mas sim declaratório, uma vez que a União Estável é situação de fato que é configurada pelo preenchimento dos critérios estabelecidos no artigo 1.527 do Código Civil.

Logo, o Notário quando recebe a demanda para lavrar a Escritura Pública de Declaração de União Estável deve ter em mente afastar as ilegalidades, não sendo possível imputar a ele a investigação da vida privada do cidadão, restando, neste aspecto, apenas captar as declarações das partes. Em outras palavras, se está evidente que existe casamento válido, não é possível lavrar a escritura, pois estar-se-á diante de uma evidente ilegalidade.

Por outro lado, a separação de fato não se mostra evidente e, portanto, não pode obstar a lavratura da escritura pública, mas também não autoriza ao Tabelião de Notas a afirmar em seu ato que a parte é separada de fato, restando nesse caso consignar que a parte assim se declarou, ficando a necessidade de prova para momento oportuno, caso se faça necessário.

Portanto, a negativa à pergunta em tela é evidente em relação às pessoas que tenham seus casamentos válidos e positiva para aqueles com casamentos formalmente desfeitos, mas no que toca aqueles que apenas se separaram de fato, o Tabelião de Notas deve avaliar bem o caso e compreender, dentro de sua independência funcional, se não há indícios de grave risco à fraude ou ineficácia, remanescendo a possibilidade de consignar a declaração das partes sobre seus respectivos estados civis. E, finalmente, o mesmo ocorre ainda em relação aos que se declaram solteiros.

[1] “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
2 DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias. 10. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
3 Azevedo, Álvaro Villaça. União Estável, artigo publicado na revista advogado nº 58, AASP, São Paulo, Março/2000.
4 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de Fato, 2001. p. 211.

Fonte: CNB/SP

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TJSC: reconhece pensão em favor de mulher que cuida de filho autista

ADFAS out 26, 2018

A 3ª Câmara Civil do TJ de Santa Catarina manteve decisão que concedeu pensão alimentícia de três salários mínimos em benefício de uma mulher que, separada aos 60 anos, dispensa cuidados boa parte de seu tempo ao filho portador de autismo. Seu ex-marido, em apelação, contestou o pleito, criticou a utilização da enfermidade do jovem como argumento e garantiu que tudo não passa de “artimanha” da mulher para garantir sua pensão.
Ele pediu a exoneração dos alimentos ou sua redução para patamar mais baixo, assim como o estabelecimento de um termo final para pagamento do benefício. Nada foi acolhido. “O processo indica que a situação de cada um dos envolvidos configura os elementos exigidos para atender o binômio necessidade/possibilidade para a concessão de alimentos, pois a ex-esposa não possui condições de prover o seu sustento”, interpretou o desembargador Fernando Carioni, relator da matéria, em decisão seguida de forma unânime. O processo tramitou em segredo de justiça.
Fonte: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Leia Acórdão na íntegra:
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sexta-feira, 26 de outubro de 2018

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

STJ: DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL NÃO ADMITE ALUGUEL OU EMPRÉSTIMO DO IMÓVEL

Publicado em: 24/10/2018

Assim como no casamento, não é permitido ao companheiro sobrevivente de união estável, titular do direito real de habitação, celebrar contrato de comodato ou locação do imóvel com terceiro.
 
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de uma pessoa que, alegando não dispor de meios para manter um imóvel de luxo localizado em área nobre, havia celebrado contrato de comodato com terceiro após o falecimento de seu companheiro.
 
Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, não há nenhuma singularidade na união estável que justifique eventual tratamento diferenciado em relação ao casamento, especificamente quanto às condições de exercício do direito real de habitação.
 
A ministra destacou que a regra do artigo 7º da Lei 9.278/96 deve ser interpretada em conjunto com o artigo 746 do Código Civil de 1916, vigente à época, no sentido da impossibilidade de alugar ou emprestar o imóvel objeto do direito real de habitação.
 
“Interpretação em sentido diverso estabeleceria uma paradoxal situação em que, tendo como base o mesmo instituto jurídico – direito real de habitação – e que tem a mesma finalidade – proteção à moradia e à dignidade da pessoa humana –, ao cônjuge supérstite seria vedado alugar ou emprestar o imóvel, mas ao companheiro sobrevivente seria possível praticar as mesmas condutas, não havendo, repise-se, nenhuma justificativa teórica para que se realizasse distinção dessa índole”, afirmou a ministra.
 
Dificuldades financeiras
 
No recurso, a recorrente alegou ter sido vítima de esbulho possessório praticado pela filha do seu falecido companheiro – e reconhecido em sentença transitada em julgado. Disse que, ao retomar a posse do imóvel, encontrou-o danificado, e não tinha condições financeiras para os reparos necessários, nem para a manutenção de rotina. Por isso, optou por assinar contrato de comodato com uma pessoa que teria se comprometido a reformar e conservar o imóvel.
 
A ministra explicou que o esbulho não justifica a flexibilização da regra legal que veda o comodato do imóvel sobre o qual recai o direito real de habitação. Segundo ela, não há nexo de causalidade entre o esbulho possessório e a posterior celebração do contrato de comodato.
 
Nancy Andrighi lembrou que a recorrente poderia ter adotado outras condutas na tentativa de superar as dificuldades que encontrou para conservar o imóvel após o esbulho, inclusive pleitear indenização para recompor a situação anterior.
 
Leia o acórdão.
 
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1654060.

Fonte: STJ

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