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domingo, 30 de setembro de 2018
Equiparação entre companheiro e cônjuge no plano sucessório
(...)
2. A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL
No ano de 2017, o Supremo Tribunal Federal, por maioria e nos termos do voto do Relator, Ministro Roberto Barroso, deu provimento ao Recurso Extraordinário nº 878.694 / MG[5], para reconhecer de forma incidental a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, declarando o direito da companheira de participar da herança de seu companheiro em conformidade com o regime jurídico aplicável aos cônjuges, isto é, segundo o artigo 1.829 do Código Civil.
Para fins de repercussão geral e vinculação de outras demandas em curso, foi firmada a seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.
Evidente, portanto, que o STF, ao proferir tal decisão, foi ao encontro do entendimento defendido por boa parte da doutrina, reconhecendo a flagrante inconstitucionalidade na distinção legal, para fins sucessórios, de cônjuges e companheiros, por inexistir hierarquia entre as diferentes formas de unidade familiar, harmonizando assim o regime sucessório na união estável com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação ao retrocesso.
Contudo, apesar de incidirem na união estável as regras aplicáveis ao casamento que guardem como fundamento a solidariedade familiar, cumpre ressalvar que o julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 / MG não igualou a união estável ao casamento.
A propósito, na VIII Jornada de Direito Civil, promovida em 2018 pelo Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o Enunciado 641, com a seguinte redação:
A decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil não importa equiparação absoluta entre o casamento e a união estável. Estendem-se à união estável apenas as regras aplicáveis ao casamento que tenham por fundamento a solidariedade familiar. Por outro lado, é constitucional a distinção entre os regimes, quando baseada na solenidade do ato jurídico que funda o casamento, ausente na união estável.
Nesse mesmo sentido é a lição de Flávio Tartuce (2018), ao afirmar que a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil equiparou as duas entidades familiares somente no plano sucessório, conferindo ao companheiro a condição de herdeiro necessário:
Em suma, a minha posição é que da decisão do Supremo Tribunal Federal retira-se uma equiparação sucessória das duas entidades familiares, incluindo-se a afirmação de ser o companheiro herdeiro necessário. Porém, ao contrário do que defendem alguns, não se trata de uma equiparação total que atinge todos os fins jurídicos, caso das regras atinentes ao Direito de Família. Em outras palavras, não se pode dizer, como tem afirmado Mario Luiz Delgado, que a união estável passou a ser um casamento forçado. Em resumo, o decisum do Supremo Tribunal Federal gera decorrências de equalização apenas para o plano sucessório.
Desde o referido julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça vem proferindo decisões[6] que reconhecem a inconstitucionalidade do referido dispositivo e, por consequência, garantem ao companheiro os direitos sucessórios inerentes ao cônjuge.
Em 2017, a Quarta Turma do STJ deu provimento ao Recurso Especial nº 1.337.420 / RS[7], declarando a ilegitimidade ativa de colaterais (irmãos e sobrinhos) para a propositura de ação de anulação de adoção após o falecimento do adotante (de cujus), em razão de existir uma companheira sobrevivente.
No voto do Relator, Ministro Luis Felipe Salomão (que menciona a posição doutrinária de Flávio Tartuce), foram apontados possíveis efeitos civis decorrentes da equiparação da união estável e do casamento no plano sucessório, podendo-se destacar: a) a aplicação, para o companheiro, do regramento previsto para o cônjuge (CC, art. 1.829); b) a inclusão do companheiro no rol de herdeiros necessários (CC art. 1.845); c) o dever do companheiro de declarar os bens recebidos em antecipação, sob pena de serem considerados sonegados (CC, arts. 1.992 a 1.996); d) o reconhecimento do direito real de habitação do companheiro (CC, art. 1.831).
Apesar de não haver, até o presente momento, pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da totalidade dos efeitos civis decorrentes da declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, é certo que para a sucessão do companheiro será aplicável o regramento da sucessão legítima, prevista no artigo 1.829 do Código Civil:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único[8]); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Portanto, como passou a ocupar a mesma posição do cônjuge na ordem de sucessão legítima, o companheiro: i) a depender do regime de bens adotado para a união estável, irá concorrer com os descendentes; ii) independentemente do regime de bens adotado na união estável, concorrerá com os ascendentes; iii) na falta de descendentes e de ascendentes, receberá a herança sozinho, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avós e sobrinhos-netos).
O Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil, promovida em 2004 pelo Conselho da Justiça Federal, ao interpretar o inciso I do artigo 1.829 do Código Civil, esclarece que o direito de concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do de cujus é restrito aos bens particulares, e será assegurado somente quando o regime de bens do casamento for: a) o da separação convencional; b) o da comunhão parcial; c) o da participação final nos aquestos. Quanto aos bens comuns, a partilha se dará exclusivamente entre os descendentes, considerando que esta classe bens, a depender do regime adotado, é transmitida ao cônjuge a título de meação.
Assim, haja vista a atual equiparação do casamento e da união estável no plano sucessório, a sistemática acima descrita mostra-se aplicável, no que couber, ao companheiro sobrevivente, com o fim de evitar distorções entre as entidades familiares para o recebimento de herança.
A despeito da ausência de regra legal expressa a respeito, a doutrina e a jurisprudência também admitem a concorrência sucessória entre o cônjuge supérstite e o companheiro sobrevivente na sucessão legítima (Enunciado 525 da V Jornada de Direito Civil), entendimento que se consolida com a inclusão do companheiro no rol de herdeiros necessários através do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 / MG.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar a equiparação entre companheiro e cônjuge no plano sucessório, o presente artigo abordou o reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar, as mudanças legislativas sobre o tema ao longo dos anos e, especialmente, a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida no julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 / MG, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil.
Esse polêmico dispositivo legal, desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002, foi criticado por especialistas, em razão de: a) restringir a sucessão do companheiro aos bens adquiridos onerosamente; b) prever diferentes regras de sucessão para os casos de concorrência com descendentes comuns ou com descendentes exclusivos do autor da herança; c) colocar o companheiro em posição de inferioridade em relação aos colaterais do autor da herança; d) tratar de maneira diferente a sucessão do companheiro e do cônjuge; e) ter deixado de prever o direito real de habitação para o companheiro sobrevivente.
Assim, a decisão do STF, em observância aos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação ao retrocesso, equiparou o regime sucessório da união estável com o do casamento, determinando a aplicação, em ambos os casos, das regras previstas no artigo 1.829 do Código Civil.
Nesse contexto, a sucessão se restringe aos bens particulares do de cujus, e o companheiro sobrevivente: i) a depender do regime de bens adotado para a união estável, concorrerá com os descendentes; ii) independentemente do regime de bens adotado na união estável, irá concorrer com os ascendentes; iii) na falta de descendentes e de ascendentes, receberá a herança sozinho, excluindo os colaterais.
É possível afirmar que a equiparação entre companheiro e cônjuge no plano sucessório se apresenta também em conformidade com o princípio da função social, que também deve ser observado no direito sucessório, de acordo com Paulo Lôbo (2014, p. 42-43):
O princípio da função social determina que os interesses individuais dos titulares de direitos econômicos sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem. Não pode haver conflito entre eles, pois os interesses sociais são prevalecentes. A propriedade e a sucessão hereditária dela não podem ter finalidade antissocial (por exemplo, contrariar o meio ambiente). A função social implica imposição de deveres socialmente relevantes e tutelados constitucionalmente. O direito civil é palco, nessa quadra histórica, do conflito entre a marca funcional do direito na solidariedade e a busca do sujeito de realizar seus próprios interesses com liberdade: no direito das sucessões, a marca da solidariedade para com os seus deve se harmonizar com a solidariedade para com todos os outros.
Desse modo, considerando que o direito das sucessões também deverá cumprir a função social, diante da mudança paradigmática decorrente da Constituição de 1988, que suplantou o antigo modelo individualista e patrimonialista, resta concluir que a igualdade de regime sucessório entre cônjuges e companheiros se coaduna com os princípios da igualdade, da liberdade, da não discriminação, da vedação do retrocesso, da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da afetividade, da boa-fé objetiva e da função social.
(...)
OLIVEIRA, João Daniel Correia de. Equiparação entre companheiro e cônjuge no plano sucessório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5567, 28 set. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/69154>. Acesso em: 29 set. 2018.
Sale and leaseback
Devido à constante instabilidade econômica e às elevadas taxas de juros que o Brasil vivenciou no passado, empresas encontraram no mercado imobiliário uma forma de proteção, ante à estabilidade do patrimônio em relação às variações cambiais e econômicas corriqueiramente experimentadas. A partir disso, houve consolidação dessa mentalidade no meio empresarial, criando o entendimento de que, se a posse de bens imóveis, principalmente das próprias instalações, os protegia das flutuações macroeconômicas eventualmente ocorridas — já que os bens podem ser usados como garantia para linhas de financiamento de capital de giro.
Nas últimas décadas, com o advento de maior estabilidade monetária e redução significativa da inflação, o mercado de capitais tomou novos rumos, como com a facilitação de financiamentos bancários, por meio de condições mais flexíveis — o que gerou um momentâneo aumento da liquidez (em definição extremamente simples: a disponibilidade de capital em caixa).
Entretanto, mesmo após os grandes avanços experimentados nos últimos anos, o cenário conservador perdurou. Grande parte dos financiamentos concedidos no período foram utilizados para aquisição de imóveis, imobilizando parcela significativa dos ativos das empresas.
Com o advento da crise que acometeu o país em 2015, houve súbita supressão do crédito disponível e a retração do mercado imobiliário como um todo. Ainda que passadas as maiores turbulências, os efeitos se protraem até o presente momento — como pode ser observado pela ausência de crédito disponível para empréstimos, com fim de obtenção de capital de giro e/ou liquidez para investimentos no core business da empresa. Tal situação se mostra presente mesmo quando os empresários possuem imóveis a serem dados em garantia.
Em muitos casos, os imóveis adquiridos são utilizados como instalações da empresa, tornando extremamente difícil a venda - uma vez que dependem de realocação de maquinário, pessoal e adaptação de eventual novo espaço às necessidades específicas da empresa. Nesse contexto, ganha importância a operação de Sale and Lease Back (SLB), que permite a liberação, ao empresário, do capital retido em seus imóveis sem a necessidade de abandonar o imóvel em que está instalado.
O 'sale and leaseback' pode ser definido como a operação em que uma propriedade é, simultaneamente, vendida (em geral, a uma operadora financeira, empresa especializada ou grupo de investidores) e alugada de volta ao empresário. A locação, como característica geral, é realizada por período compreendido entre 10 e 20 anos.
Os benefícios da operação são de fácil observação. Como exemplo, toma-se uma empresa que possui sua sede em um imóvel avaliado em R$ 15.000.000,00. A empresa, em meio à acirrada concorrência de seu mercado, entende que a aquisição de máquinas mais modernas poderia reduzir os custos de produção, sobressaindo-se no mercado pelo aumento do lucro na venda e/ou redução do preço do produto fabricado. O total necessário para o investimento seria de R$ 7.000.000,00. Entretanto, a empresa não possui o montante necessário em caixa. Resta, então, apenas a possibilidade de contratação de empréstimo bancário; grande corte de gastos (com redução de maquinário e pessoal); e venda de ativos.
As altas taxas de juros e contratações anteriores podem inviabilizar a tomada de empréstimos bancários. O corte de gastos pode ser contraproducente, tendo em vista a necessidade de aumento da produção para chegar ao fim pretendido. A venda de ativos é a melhor opção para obtenção dos valores necessários, porém, não se pode abrir mão daqueles essenciais à atividade.
Excluindo-se as empresas do ramo imobiliários, não se considera a propriedade imobiliária como essencial à atividade empresária. Há apenas a necessidade de possuir local fixo em que sejam alocados os funcionários, maquinário e estoque, por exemplo. Nesse sentido, a realização de 'sale and leaseback' pode ser a melhor alternativa para a obtenção dos valores desejados. A venda do imóvel a preço de mercado liberaria o capital que, antes, encontrava-se imobilizado e, como contraprestação ao comprador, seriam pagos aluguéis, sem que haja qualquer alteração na rotina da empresa – uma vez que continuará com o controle total do imóvel durante o período pactuado de locação.
Após o investimento de R$ 7.000.000,00 na compra do novo maquinário, o restante pode ser utilizado para amortização de dívidas ou capital de giro, permitindo novos investimentos que se destinem à atividade principal da empresa.
Para além da obtenção mais vantajosa do capital, ainda existem benefícios tributários associados. Por não deter a posse do imóvel, há vantagens contábeis e tributárias. Isso porque os gastos relacionados à remuneração dos serviços de construção e aluguéis[1] são computados como despesa operacional. Logo, a despesa de utilização será dedutível do IRPJ e cálculo de créditos para PIS/COFINS.
Há, também, melhora dos índices financeiros, reduzindo o LAIR (Lucro Anterior ao Imposto de Renda, índice que influi na base de cálculo do imposto de renda e ser usado para medir a alavancagem da empresa) e o ROA (Retorno sobre o Ativo, conhecido por ser um indicador que apresenta como a empresa é rentável em relação ao seu total de ativos, o ROA fornece uma visão de quão eficiente é a gestão da empresa na utilização de seus ativos para gerar ganhos).
Não obstante, há melhora em um dos índices mais utilizados no mercado financeiro: EBTIDA/LAJIDA (Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização. Em suma, o quanto a empresa gera de lucro/prejuízo apenas em suas atividades operacionais, sem considerar os efeitos financeiros e de pagamento de tributos).
A principal desvantagem, para ambas as partes do contrato, é a insegurança jurídica que pode existir. Isso em razão de a operação envolver contrato de locação e, por não existir regulamentação suficiente, há possibilidade de existirem ações típicas do contrato de locação — como a revisão do valor pago a título de aluguéis, fixados com vista à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro durante as décadas de vigência.
Desse modo, para que haja mitigação dos riscos inerentes ao contrato, faz-se necessária assessoria jurídica especializada — focando no aspecto de prevenção de conflitos e da reconvenção a modelos contratuais típicos — de maneira a reduzir eventuais riscos que envolvam a operação, garantindo maior tranquilidade às partes e estabilidade ao contrato.
NOTA
[1] Por força do inciso II do artigo 13 da Lei nº 9239/95, são dedutíveis as contraprestações de arrendamento mercantil e do aluguel de bens imóveis, quando relacionados ao core business da empresa.
ADVOGADOS, Malta Valle; ORY, Davi. Sale and leaseback. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5567, 28 set.2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/69267>. Acesso em: 29 set. 2018.
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