Devido à constante instabilidade econômica e às elevadas taxas de juros que o Brasil vivenciou no passado, empresas encontraram no mercado imobiliário uma forma de proteção, ante à estabilidade do patrimônio em relação às variações cambiais e econômicas corriqueiramente experimentadas. A partir disso, houve consolidação dessa mentalidade no meio empresarial, criando o entendimento de que, se a posse de bens imóveis, principalmente das próprias instalações, os protegia das flutuações macroeconômicas eventualmente ocorridas — já que os bens podem ser usados como garantia para linhas de financiamento de capital de giro.
Nas últimas décadas, com o advento de maior estabilidade monetária e redução significativa da inflação, o mercado de capitais tomou novos rumos, como com a facilitação de financiamentos bancários, por meio de condições mais flexíveis — o que gerou um momentâneo aumento da liquidez (em definição extremamente simples: a disponibilidade de capital em caixa).
Entretanto, mesmo após os grandes avanços experimentados nos últimos anos, o cenário conservador perdurou. Grande parte dos financiamentos concedidos no período foram utilizados para aquisição de imóveis, imobilizando parcela significativa dos ativos das empresas.
Com o advento da crise que acometeu o país em 2015, houve súbita supressão do crédito disponível e a retração do mercado imobiliário como um todo. Ainda que passadas as maiores turbulências, os efeitos se protraem até o presente momento — como pode ser observado pela ausência de crédito disponível para empréstimos, com fim de obtenção de capital de giro e/ou liquidez para investimentos no core business da empresa. Tal situação se mostra presente mesmo quando os empresários possuem imóveis a serem dados em garantia.
Em muitos casos, os imóveis adquiridos são utilizados como instalações da empresa, tornando extremamente difícil a venda - uma vez que dependem de realocação de maquinário, pessoal e adaptação de eventual novo espaço às necessidades específicas da empresa. Nesse contexto, ganha importância a operação de Sale and Lease Back (SLB), que permite a liberação, ao empresário, do capital retido em seus imóveis sem a necessidade de abandonar o imóvel em que está instalado.
O 'sale and leaseback' pode ser definido como a operação em que uma propriedade é, simultaneamente, vendida (em geral, a uma operadora financeira, empresa especializada ou grupo de investidores) e alugada de volta ao empresário. A locação, como característica geral, é realizada por período compreendido entre 10 e 20 anos.
Os benefícios da operação são de fácil observação. Como exemplo, toma-se uma empresa que possui sua sede em um imóvel avaliado em R$ 15.000.000,00. A empresa, em meio à acirrada concorrência de seu mercado, entende que a aquisição de máquinas mais modernas poderia reduzir os custos de produção, sobressaindo-se no mercado pelo aumento do lucro na venda e/ou redução do preço do produto fabricado. O total necessário para o investimento seria de R$ 7.000.000,00. Entretanto, a empresa não possui o montante necessário em caixa. Resta, então, apenas a possibilidade de contratação de empréstimo bancário; grande corte de gastos (com redução de maquinário e pessoal); e venda de ativos.
As altas taxas de juros e contratações anteriores podem inviabilizar a tomada de empréstimos bancários. O corte de gastos pode ser contraproducente, tendo em vista a necessidade de aumento da produção para chegar ao fim pretendido. A venda de ativos é a melhor opção para obtenção dos valores necessários, porém, não se pode abrir mão daqueles essenciais à atividade.
Excluindo-se as empresas do ramo imobiliários, não se considera a propriedade imobiliária como essencial à atividade empresária. Há apenas a necessidade de possuir local fixo em que sejam alocados os funcionários, maquinário e estoque, por exemplo. Nesse sentido, a realização de 'sale and leaseback' pode ser a melhor alternativa para a obtenção dos valores desejados. A venda do imóvel a preço de mercado liberaria o capital que, antes, encontrava-se imobilizado e, como contraprestação ao comprador, seriam pagos aluguéis, sem que haja qualquer alteração na rotina da empresa – uma vez que continuará com o controle total do imóvel durante o período pactuado de locação.
Após o investimento de R$ 7.000.000,00 na compra do novo maquinário, o restante pode ser utilizado para amortização de dívidas ou capital de giro, permitindo novos investimentos que se destinem à atividade principal da empresa.
Para além da obtenção mais vantajosa do capital, ainda existem benefícios tributários associados. Por não deter a posse do imóvel, há vantagens contábeis e tributárias. Isso porque os gastos relacionados à remuneração dos serviços de construção e aluguéis[1] são computados como despesa operacional. Logo, a despesa de utilização será dedutível do IRPJ e cálculo de créditos para PIS/COFINS.
Há, também, melhora dos índices financeiros, reduzindo o LAIR (Lucro Anterior ao Imposto de Renda, índice que influi na base de cálculo do imposto de renda e ser usado para medir a alavancagem da empresa) e o ROA (Retorno sobre o Ativo, conhecido por ser um indicador que apresenta como a empresa é rentável em relação ao seu total de ativos, o ROA fornece uma visão de quão eficiente é a gestão da empresa na utilização de seus ativos para gerar ganhos).
Não obstante, há melhora em um dos índices mais utilizados no mercado financeiro: EBTIDA/LAJIDA (Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização. Em suma, o quanto a empresa gera de lucro/prejuízo apenas em suas atividades operacionais, sem considerar os efeitos financeiros e de pagamento de tributos).
A principal desvantagem, para ambas as partes do contrato, é a insegurança jurídica que pode existir. Isso em razão de a operação envolver contrato de locação e, por não existir regulamentação suficiente, há possibilidade de existirem ações típicas do contrato de locação — como a revisão do valor pago a título de aluguéis, fixados com vista à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro durante as décadas de vigência.
Desse modo, para que haja mitigação dos riscos inerentes ao contrato, faz-se necessária assessoria jurídica especializada — focando no aspecto de prevenção de conflitos e da reconvenção a modelos contratuais típicos — de maneira a reduzir eventuais riscos que envolvam a operação, garantindo maior tranquilidade às partes e estabilidade ao contrato.
NOTA
[1] Por força do inciso II do artigo 13 da Lei nº 9239/95, são dedutíveis as contraprestações de arrendamento mercantil e do aluguel de bens imóveis, quando relacionados ao core business da empresa.
ADVOGADOS, Malta Valle; ORY, Davi. Sale and leaseback. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5567, 28 set.2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/69267>. Acesso em: 29 set. 2018.
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