segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Condenados por homicídio devem indenizar namorada e filha de vítima

Considerando a profundidade do relacionamento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legitimidade da namorada de uma vítima de homicídio para propor ação indenizatória por danos extrapatrimoniais.
Segundo a corte, a legitimidade para propor este tipo de ação é, em regra,  reconhecida restritivamente em favor dos parentes mais próximos da vítima. Porém, complementou diz o acórdão, em situações especiais, pode ser admitida a legitimidade de outras pessoas em face de sua especial afinidade com a vítima.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do STJ condenou dois homens, já condenados por homicídio, a pagar indenização e pensão mensal à companheira e à filha da vítima.
De acordo com os autos, os réus foram condenados em processo criminal, sendo o primeiro por homicídio culposo, reconhecido o excesso na legítima defesa. O segundo foi condenado por homicídio doloso a 14 anos de prisão pela prática de homicídio duplamente qualificado.
No recurso apresentado ao STJ, os réus questionaram o acórdão do TJ-RS argumentando que o reconhecimento da legítima defesa afastaria a responsabilidade de um deles pelos danos causados. Postularam ainda a redução do valor da pensão e a limitação do pagamento até que a filha da vítima alcance a maioridade.
Além disso, apontaram que a mulher não teria direito a indenização pois, apesar de ser a mãe da criança, teve apenas um relacionamento amoroso por um curto período com a vítima.
Obrigação certa
Segundo o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, incide no caso o artigo 935 do Código Civil, combinado com o artigo 91, inciso I,do Código Penal, “pois a condenação criminal torna certa a obrigação de indenizar”.
O ministro afirmou que, embora inicialmente agindo em legítima defesa, o réu passou a agressor quando excedeu nos meios de que dispunha para se defender, conduta que configurou o ato ilícito na esfera penal, resultando na condenação criminal e na cominação de pena restritiva de liberdade, cuja execução foi, posteriormente, suspensa em face da concessão de sursis.
“Em que pese o recorrente possa ter, em algum momento do chamado iter criminoso, estado em situação de legítima defesa, desde que dela passou a usar imoderadamente, ingressou na seara da ilicitude e, assim, da punibilidade penal e, consequentemente, adentrou no âmbito da compensação civil dos danos por ele causados”, disse.
Profundidade do relacionamento
Ao negar o recurso dos condenados, o relator concluiu que a companheira e a filha do falecido têm legitimidade para a propositura da demanda e fazem jus à indenização por danos materiais e morais.
Segundo o relator, conforme registrado pelo TJ-RS, apesar de não possuírem relação conjugal, o direito à indenização, ainda assim, não poderia ser negado, tendo em vista a profundidade do relacionamento havido e mantido entre a mulher e a vítima.
"Apesar de a coautora, quando da data do fatídico assassinato, não manter relação conjugal com o pai de sua filha, logrou a instância de origem identificar que a relação mantida com o falecido possuía profundidade suficiente a evidenciar o seu abalo com a morte daquele com quem dividia a paternidade da coautora", concluiu o relator.
Os valores da indenização (R$ 75 mil) e do pensionamento para a menor (80% do salário mínimo regional do Rio Grande do Sul), além dos prazos estabelecidos pela corte de origem, foram mantidos pelo ministro Sanseverino. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.615.979
Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2018, 15h09
https://www.conjur.com.br/2018-ago-26/condenados-homicidio-indenizar-namorada-vitima

Segue trecho do Relatório e Voto:

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência
     RECURSO ESPECIAL Nº 1.615.979 - RS (2015⁄0075411-0) RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO RECORRENTE : RICARDO DO AMARAL SIQUEIRA RECORRENTE : ABÍLIO ALVES SIQUEIRA ADVOGADO : ERIC RAFAEL JACQUES DE MATTOS  - RS061292 RECORRIDO : D I F R REPR. POR : L M I F ADVOGADOS : ITAÚBA SIQUEIRA DE SOUZA JUNIOR  - RS048444   PAULO ODILON R DA SILVA  - RS049277 REPR. POR : LISIANE MEDIANEIRA IENSEN FOGAÇA   RELATÓRIO   O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):
(...)
"b) Direito à indenização pelos danos morais:
Os recorrentes, aqui, alegam que a coautora, mãe da filha do falecido e que com ele não mantinha relação conjugal, seja mediante casamento, seja mediante união estável, não teria direito à indenização pelos danos morais decorrentes de sua morte. O acórdão, no que respeita, é claro - e sua conclusão se revela escorreita -, no sentido de que, apesar de união estável inexistir à época do passamento, o direito à indenização, ainda assim, não poderia ser negado, tendo em vista a profundidade do relacionamento havido e mantido entre a autora e o falecido. A propósito: Na espécie, acresço que a despeito de não ter sido reconhecida a união estável entre a demandante LISIANE e o falecido GUILHERME, tal situação não é suficiente para afastar a indenização por danos morais.   "Ora", o caso em comento guarda questão sui generis, qual seja, a existência de um relacionamento entre as mencionadas pessoas, fato que culminou com o nascimento de uma criança - circunstância que diz com a continuidade da geração familiar.   A moldura fática do vínculo havido entre a coautora LISIANE e o falecido reflete mais do que um mero namoro mantido entre um jovem casal, tratando-se de ocorrência mais peculiar e que guarda maior profundidade emocional e afetiva.   Inegável, pois, o sofrimento extrapatrimonial decorrente da morte de pessoa com a qual manteve íntimo envolvimento do qual resultou o nascimento de uma descendente, circunstância que certamente rememorará a demandante do já mencionado vínculo afetivo. Dito assim, os abalos extrapatrimoniais, na espécie, se têm tanto pelo abalo próprio, como também por ricochete.   Em sede doutrinária, já defendi que a definição da legitimidade das vítimas por ricochete em face do dano morte apresenta grande relevância prática, em face da necessidade de se limitar o leque de pessoas atingidas reflexamente pelo evento danoso e, assim, de legitimados para postular a correspondente compensação. A propósito, ponderei ( in Princípio da Reparação Integral , Ed. Saraiva, 1ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: 2011, p. 294): Fatos graves, como a morte trágica de uma pessoa em desastre aéreo ou em acidente de trânsito, afetam drasticamente não apenas os parentes próximos (filhos, pais, cônjuge, irmãos), mas também atingem fortemente os amigos do falecido e demais familiares mais distantes. A dificuldade está em estabelecer os limites de parentesco ou de amizade para o reconhecimento da ocorrência desse dano extrapatrimonial pelo prejuízo de afeição, o que é relevante para efeito de se fixar a legitimidade para a propositura da ação indenizatória.   Analisando o direito comparado, conclui que a questão da legitimidade é enfrentada, com profundidade, pelo direito francês: Após uma fase inicial permissiva, a jurisprudência francesa, a partir de 1931, restringiu a legitimidade, passando a exigir a presença de dois requisitos: a) liame de parentesco; b) dano-morte. A jurisprudência posterior evoluiu para um ponto intermediário, exigindo a comprovação pelo terceiro interessado do seu especial sofrimento com o evento danoso. Atualmente, a jurisprudência francesa renunciou a critérios excessivamente rígidos, sendo exigido apenas pela Corte de Cassação que os prejuízos invocados pelo terceiro sejam pessoais, certos e lícitos.   No direito português, o art. 496, n. 2 e 3, do seu CC⁄66 estabelece textualmente que: 2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.   No tocante ao direito brasileiro, concluí seguir-se a mesma linha do direito europeu, sendo a nossa jurisprudência bastante restritiva no reconhecimento da legitimidade para o ajuizamento de ação de indenização por danos morais, em que pese sensível às peculiaridades do caso. A legitimidade para a propositura da demanda indenizatória por danos extrapatrimoniais, em regra, é reconhecida em favor dos parentes mais próximos da vítima falecida (cônjuge, companheiro, pais e filhos), mas, ainda assim, poder-se-á admitir a legitimidade de outras pessoas em face de sua especial afinidade. A propósito, destaquei ( op. cit. p. 295): O cuidado que se deve ter é que o critério principal é o laço de parentesco ou afinidade, não se exigindo, diferentemente da pensão por morte, a demonstração de dependência econômica, pois o prejuízo extrapatrimonial derivado do dano-morte independe da classe social ou da condição econômica das vítimas por ricochete. O STJ, em acórdão relatado pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, em ação indenizatória por dano moral derivado da morte da vítima, após afastar a necessidade da prova da dependência econômica dos autores em relação ao falecido, reconheceu, "em face das peculiaridades da espécie", que "os irmãos e sobrinhos possuem legitimidade para postular a reparação pelo dano moral''. Em relação aos parentes próximos, a presunção é de que exista a relação de afinidade. Essa presunção, porém, não é absoluta, admitindo prova em sentido contrário (juris tantum). Essa orientação flexível mostra-se mais consentânea com o princípio da reparação integral, particularmente em sua função concretizadora, permitindo o reconhecimento pelo juiz de que outras pessoas diretamente afetadas pelo dano-morte também detenham legitimidade para a propositura da demanda indenizatória por extrapatrimonial (prejuízo de afeição).   Nesse panorama, tenho que o acórdão recorrido merece ser mantido, até mesmo porque, na forma com que foram fundamentadas as suas conclusões, a revisão não prescindiria da reanálise do contexto fático probatório enfrentado. É que, apesar de a coautora, quando da data do fatídico assassinato, não manter relação conjugal com o pai de sua filha, logrou a instância de origem identificar que a relação mantida com o falecido possuía profundidade suficiente a evidenciar o seu abalo com a morte daquele com quem dividia a paternidade da coautora. A responsabilidade que decorre da criação de filhos, notadamente em tempos atuais, em que o educar e proteger está se tornando cada vez mais difícil e complexo, quando dividida entre pai e mãe acaba por revelar-se tarefa menos árdua do que a atribuída a apenas um dos genitores. Apenas com base no fato de que não haveria uma relação conjugal entre a autora e o falecido, não se tem como concluir pela ausência de especial afinidade a fazer reconhecida a existência de danos morais indenizáveis na espécie. Ademais, alterar a conclusão da Corte local, porque estar-se-ia a exigir deste Tribunal Superior revisitar as provas coligidas no cursa da ação, é providência vedada, como já antecipei, na forma do enunciado 7⁄STJ. Mantenho, assim, o reconhecimento do direito da mãe da infante à indenização pelos danos morais."
Fonte: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/590370487/recurso-especial-resp-1615979-rs-2015-0075411-0/relatorio-e-voto-590370496?ref=juris-tabs

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