sábado, 21 de janeiro de 2012

Repetição de indébito x responsabilidade civil por chargeback

Passando ao campo da responsabilidade por chargeback, verificada a ocorrência de fraude, o consumidor, tendo sido cobrado ou tendo quitado o que não devia, terá direito à repetição do indébito, nos exatos termos do parágrafo único do art. 42 do CDC. A natureza jurídica dessa medida, como aponta a melhor doutrina, é de caráter sancionatório, isto é, é uma sanção aplicada ao fornecedor que age canhestramente, cobrando o consumidor pelo que ele não deve ou cobrando em excesso, isto é, mais do que ele efetivamente deve. Portanto, é medida de caráter pedagógico, imposta ao fornecedor com o escopo de educá-lo para que não volte a atuar da mesma forma.

No caso de má-fé do próprio consumidor, isto é, naqueles casos em que este comunica falsamente uma fraude, diz não reconhecer uma compra que ele mesmo efetuou etc., e em decorrência disso tem os valores indevidamente estornados para o seu cartão, certamente poderá ser punido, inclusive criminalmente, a depender do caso. Na órbita civil, deverá ser condenado a ressarcir o fornecedor lesado por sua prática, sendo que, nesse caso, a medida tem caráter indenizatório, e não sancionatório, já que visa restituir ao lesado o status quo ante, indenizando-o verdadeiramente.

Passo à análise de interessantes questionamentos articulados pelo professor Pablo Stolze Gagliano em seu editorial. O eminente civilista indaga:
Em caso de cancelamento da compra, pelo não reconhecimento do consumidor, seria juridicamente possível a repartição dos riscos e dos prejuízos entre o lojista e administradora de cartões de crédito ou débito, em virtude da própria atividade lucrativa que exercem no mercado de venda de produtos a distância? Afigurar-se-ia, em tese, viável que o lojista não arcasse sozinho com o risco e o ônus do chargeback? A administradora de cartões poderia ser considerada co-responsável pela venda frustrada? (http://pablostolze.ning.com/)

Para responder a estas indagações, antes é necessário identificar as relações envolvidas em um contrato de cartão de crédito. ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS nos explica o que é um contrato de cartão de crédito, bem como as relações que o cercam:

Trata-se de contato por meio do qual uma instituição financeira, a operadora do cartão, permite aos seus clientes a compra de bens e serviços em estabelecimentos comerciais cadastrados, que receberão os valores das compras diretamente da operadora. Esta, por sua vez, cobra dos clientes, mensalmente, o valor de todas as suas compras realizadas num determinado período. Chama-se cartão de crédito, então, o documento por meio do qual o cliente realiza a compra, apresentando-o ao estabelecimento comercial cadastrado.

Do que foi exposto, pode-se então distinguir três relações jurídicas distintas numa operação com carta de crédito: (i) a da operadora com o seu cliente; (ii) a do cliente com o estabelecimento comercial; (iii) do esabelecimento comercial com a operadora (Direito Empresarial Esquematizado. 1ª Ed. São Paulo: Método, 2011, p. 485).

Analisando o articulado pelo insigne autor, de modo a responder às indagações do professor Pablo Stolze, é possível afirmar que as duas primeiras relações, isto é, a da operadora com o seu cliente, e a do cliente com o estabelecimento comercial, são relações de consumo, portanto sujeitas às regras do CDC.

Em sendo relações de consumo, submetem-se à regra de responsabilidade civil objetiva, agasalhada pelo sistema consumerista. Significa que, perante o consumidor, tanto o comerciante quanto a administradora do cartão responderão, independentemente da existência de culpa por eventuais danos causados ao consumidor em razão de chargeback, pois ambos se enquadram no conceito de fornecedor, insculpido no art. 3º do CDC.

Assim, respondendo à primeira indagação, é, sim, "juridicamente possível a repartição dos riscos e dos prejuízos entre o lojista e administradora de cartões de crédito ou débito, em virtude da própria atividade lucrativa que exercem no mercado de venda de produtos a distância", uma vez que estaremos de vício na prestação do serviço, sujeito à regra do art. 19 do CDC (salvo comprovada má-fé do próprio consumidor, obviamente, o que caracteriza sua culpa exclusiva), "embora seja mais comum a verificação de um único fornecedor na cadeia de consumo, no caso o que prestou o serviço", como nos informa LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA (Direito do Consumidor: código comentado e jurisprudência. 7ª ed. rev. amp. e atual. Niterói: Impetus, 2011, p. 179).

Destarte, a responsabilidade por vício do serviço é solidária e objetiva. Além disso, como foi dito, o sistema de responsabilidade civil objetiva, agasalhado pelo CDC, funda-se na teoria do risco do empreendimento. Sendo assim, se o comerciante adere às vendas por meio de cartão de crédito, se ele já sabe de antemão que atualmente o volume de fraudes na utilização de cartões de crédito é grande, sujeitar-se-á aos riscos inerentes, pois, como se sabe, não deverá o consumidor suportar os prejuízos daí advindos.

Isto posto, perante o consumidor, haverá repartição dos riscos, devendo tanto a operadora de cartões quanto o comerciante, responderem.

Para responder ao segundo questionamento, deve-se frisar que a relação entre o comerciante e a operadora de cartões, por sua vez, é eminentemente empresarial. Ou seja, o contrato firmado entre esses dois sujeitos é de natureza empresarial; é um contrato entre iguais.

Num primeiro momento, é possível afirmar que, por estarem em pé de igualdade, o comerciante e a operadora de cartão de crédito gozam de plena liberdade de contratar (faculdade de realizar ou não o negócio) e de liberdade contratual (relacionada ao conteúdo da avença), em homenagem ao princípio da autonomia da vontade.

Assim, por serem, em tese, iguais, e embora o contrato firmado entre comerciante e operadora de cartão de crédito seja de adesão, não se vislumbra a vulnerabilidade que caracteriza o consumidor. Como informa ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS, "no âmbito do direito empresarial, o norte interpretativo deve ser sempre, na nossa modesta opinião, a autonomia da vontade das partes. Caso contrário, o que se instaura é a insegurança jurídica, que se manifesta especificamente nas atividades econômicas como um obstáculo ao desenvolvimento" (Op. cit., pág. 435).

Destarte, nesse primeiro momento, entendo que sendo o contrato empresarial de adesão, embora presente, em tese, a autonomia da vontade, dificilmente o comerciante conseguirá discutir os termos afetos aos riscos envolvendo o chargeback. Pode até ser que contratos dessa natureza sejam leoninos, como afirmado por JOSIANE OSÓRIO, praticamente prevendo somente vantagens para a operadora de cartões de crédito e riscos para o comerciante e, por isso, o correto, no meu entender, seria o compartilhamento de riscos entre esses dois sujeitos. Contudo, dificilmente isso ocorrerá. Dificilmente as operadores de cartão de crédito passarão a assumir um risco que as tirará da zona de conforto em que se encontram, a não ser que haja uma debandada por parte dos comerciantes, deixando de adotar essa modalidade de pagamento, o que, talvez, faria com que as operadoras de cartão repensassem seu modelo de compartilhamento de riscos.

Contudo, tal atitude por parte dos comerciantes pode significar o insucesso do empreendimento, já que o volume de contratações por meio de cartão de crédito é bastante grande. O mais interessante é que, da mesma forma, igual insucesso poderá experimentar, já que o volume de fraudes também é considerável, podendo levar ao fechamento do negócio. É, portanto, uma "faca de dois gumes" para o comerciante.

Concluindo, possíveis soluções para a diminuição do chargeback são apontadas por especialistas em e-commerce. Uma delas seria o uso de intermediários de pagamento como os conhecidos Pagseguro (UOL), Pagamento Digital, Mercadopago (Mercado Livre), pois, nesse caso, a venda seria garantida. O problema é que essa medida importa em aumento de custos, o que, certamente, será repassado ao consumidor pelo comerciante. Outra alternativa seria a contratação de uma empresa especializada em análise de risco, atitude adotada por grandes empresas atualmente (http://www.lojavirtualy.com/seguranca/o-que-e-chargeback-e-como-evitar-o-chargeback).
 

GUGLINSKI, Vitor Vilela. O chargeback e suas repercussões no e-commerce e nos direitos do consumidor e da empresa. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20896/o-chargeback-e-suas-repercussoes-no-e-commerce-e-nos-direitos-do-consumidor-e-da-empresa>.
Certamente, o tema não se esgota aqui. É um assunto novo, atual, complexo e instigante. Como afirmado pelo professor PABLO STOLZE no editorial citado neste texto, "ainda não temos repostas consolidadas na jurisprudência. Mas o tema, em respeito aos próprios empresários e aos consumidores, merece ser trazido à luz dos debates acadêmicos".

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