sábado, 21 de janeiro de 2012

Distinção entre "chargeback" e o direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC

Há quem confunda o chargeback com o direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC, isto é, aquele em que o consumidor desiste de uma conratação, obtendo a devolução do valor efetivamente pago ao fornecedor, monetariamente corrigido. Entretanto, como restará demonstrado, essas situações não se confundem, e guardam diferenças sensíveis.

De comum, o chargeback e o direito de arrependimento só possuem uma característica: a devolução, ao consumidor, de valores por ele despendidos. A semelhança pára por aí.

Como podemos perceber através do conceito descrito linhas acima, o chargeback não se confunde com o direito de arrependimento previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, pois, nesse caso, não está o consumidor obrigado a declinar o motivo do cancelamento do negócio, ao passo que, no chargeback, existe uma causa (ou causas) específica que o legitima.

Em outras palavras, para que haja o chargeback, é necessária a ocorrência de uma das causas anteriormente mencionadas, a saber:
1) o não reconhecimento, por parte do titular do cartão, da compra que gerou o débito lançado na respectiva fatura;
2) o descumprimento de normas afetas ao contrato firmado entre o fornecedor de produtos ou serviços e a administradora de cartões, fato que autoriza esta a não creditar valores na conta daquele.

Resumindo, pode-se dizer que o chargeback exige relevante motivo de direito para que seja legítimo, pois, do contrário, poderá resultar em abuso de direito por parte do consumidor ou da própria administradora de cartões de crédito. Em suma, é pressuposto para o chargeback a ocorrência de alguma ou ambas as situações acima descritas.

Por sua vez, o direito de arrependimento conferido ao consumidor pela regra do art. 49 do CDC é um direito potestativo, isto é, exercido livremente pelo consumidor, dentro de um prazo que, no caso, é o chamado prazo de reflexão. São sete dias conferidos ao consumidor, contados da assinatura do contrato ou do ato de recebimento do produto ou serviço, e ao qual o fornecedor estará obrigatoriamente sujeito, independentemente da ocorrência de alguma causa.

Para que o consumidor exercite o seu direito de arrependimento não há a necessidade da ocorrência de qualquer evento, bastando a sua vontade de não mais contratar, isto é, de prosseguir com o negócio. Não há necessidade, por exemplo, da ocorrência de vícios do produto ou do serviço para que o consumidor desista de contratar. O direito de desistir do negócio celebrado carece de motivação, devendo o consumidor receber, imediatamente, a quantia eventualmente paga, monetariamente corrigida.

Sendo assim, a razão de existência das normas, ou, em outras palavras, a ratio essendi das normas é diversa.

No chargeback, o cancelamento da venda, com o consequente estorno de valores, seja ao consumidor ou à administradora de cartões (a depender da causa que motiva o ato) ocorre mediante relevante razão de direito. Por parte do consumidor, pode ocorrer quando terceiro se apoderar do número e da senha de seu cartão (fraude, furto ou roubo do cartão etc.), e então passar a realizar compras em nome daquele. Como não foi o consumidor quem realizou a transação, poderá, legitimamente, contestá-la, devendo obter o ressarcimento do que lhe for eventualmente cobrado, inclusive valendo-se da regra do parágrafo único do art. 42 do CDC, que lhe confere o direito à repetição do indébito, "por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

Uma observação se faz necessária: deve-se atentar para a parte final do preceptivo, pois, o fornecedor desavisado poderá alegar que houve engano justificável na venda ou até mesmo que agiu com boa-fé, uma vez que confiou que portador do cartão era de fato seu titular.

Ledo engano.

Tendo o CDC desenvolvido o sistema de responsabilidade civil objetiva com base na teoria do risco do empreendimento, o fornecedor deverá arcar com eventuais prejuízos causados ao consumidor, na medida em que, aventurando-se a adotar um sistema de vendas mais informal, estará sujeito ao risco de estar negociando com uma pessoa que não é efetivamente a titular do cartão de crédito. Lembrando o personagem Severino, incorporado pelo brilhante ator Paulo Silvino, nas vendas à distância é praticamente impossível realizar o "cara – crachá", fazendo com que o fornecedor de produtos e serviços deva suportar os riscos nessa modalidade de negócio e, portanto, o dever de indenizar.

De seu turno, a ratio do direito de arrependimento, ou seja, da norma etiquetada no art. 49 do CDC, é a vulnerabilidade do consumidor, evidenciada pela ausência de contato direto com o produto ou serviço que irá adquirir ou contratar. Quando contrata fora do estabelecimento comercial, o consumidor não exerce contato físico com o produto; não tem condições de verificar se a cor corresponde à desejada, se o tamanho do produto é de fato o esperado etc.

Por outro lado, examinando pessoalmente o produto, o consumidor reúne condições de verificar se este realmente corresponde à suas expectativas, pode testá-lo no local da aquisição para conferir seu funcionamento, consultar outros consumidores que, porventura, adquiriram o mesmo produto, ouvindo as respectivas opiniões etc. Da mesma forma, quando tem acesso direto ao conteúdo de um contrato, é possível ao consumidor verificar, via de regra, se as cláusulas não são abusivas, se as condições do negócio não lhe são desfavoráveis etc.

Em resumo, negociando em contato com o objeto do negócio, o consumidor tem mais chances de consumir refletidamente, conscientemente, firme na ideia de que está contratando o que quer e como quer.

Lado outro, se contrata à distância, correrá o risco de o objeto do negócio não corresponder ao que espera, tendo e vista as diversas técnicas de "maquiagem" do produto para torná-lo mais atraente (vide hambúrgueres de redes de fast food), publicidades com apelo emocional, mostrando famílias sorridentes, felizes, de vida aparentemente perfeita, como ocorre com publicidade de planos de saúde, seguros, contratos de time sharing etc.

Esta é, portanto, a razão de ser do direito de arrependimento, a ser exercido no prazo de reflexão: leva-se em conta o aumento da vulnerabilidade do consumidor, em razão da ausência de contato direto com o objeto do negócio.

Sintetizando, no chargeback inexiste arrependimento do consumidor em relação ao negócio sacramentado, pois sequer há tratativas entre este e o fornecedor. Há, sim, a ocorrência de uma fraude por parte de terceiros, ou até mesmo por má-fé do consumidor, ou por parte de próprio fornecedor, ao descumprir as regras que regulamentam o contrato entre este e a administradora do cartão.

De seu turno, no direito de arrependimento inexiste fraude ou descumprimento de qualquer regra contratual a ensejar a desistência do consumidor em prosseguir com o negócio. Como dito, é um direito potestativo, despido de qualquer justificativa por parte do consumidor para que ocorra. O consumidor, após refletir sobre a conveniência ou oportunidade da contratação, simplesmente desiste de prosseguir com o negócio, se arrepende, e ao fornecedor resta apenas o dever de acatar a decisão do consmidor.

GUGLINSKI, Vitor Vilela. O chargeback e suas repercussões no e-commerce e nos direitos do consumidor e da empresa. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20896/o-chargeback-e-suas-repercussoes-no-e-commerce-e-nos-direitos-do-consumidor-e-da-empresa>.

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