sábado, 7 de abril de 2012

A teoria da responsabilidade civil extracontratual

Como se denota do anteriormente exposto, a presença da responsabilidade civil oriunda do ato legalmente reprovável remonta às civilizações primárias, enquanto sua teoria só veio a ser desenvolvida com os romanos (teoria do ato ilícito) e positivada com os franceses. Noutro passo, algo parecido aconteceu com a responsabilidade civil oriunda do descumprimento contratual. A doutrina especializada aponta a existência de normas regulamentadoras de contrato presentes desde os primeiros códigos, até uma posterior esmerilação romana. Assim, também nessa seara, a história se repetiu: os romanos levaram às ultimas conseqüências os ditames do direito contratual então elaborado por eles próprios, daí originando-se o princípio flamular desse ramo jurídico (pacta sunt servanda) que, mais tarde, vai ser incorporado (também) ao Direito francês. Sobre esse assunto, vide COELHO (artigo cit.).

Dessarte, a ciência jurídica abrange, como sempre abrangeu, duas espécies de responsabilidade civil, hoje bem separadas. A primeira se denomina responsabilidade contratual ou negocial, e é aquela presente em torno de um instrumento de contrato celebrado entre duas partes interessadas, tidas como contratante e contratada. Caso alguma dessas partes descumpra seus deveres contratuais, causando dano ao outro contratante, exsurgirá para si a responsabilidade e as respectivas sanções pela não observância dos deveres do contrato.

Já a segunda espécie de responsabilidade civil, objeto deste estudo, denomina-se responsabilidade civil extracontratual, extranegocial ou aquiliana. Cuida-se da responsabilidade que tem o indivíduo frente à prática de atos ou a ocorrência de fatos que a lei reputa ilícitos ou em relação aos quais se lhe atribui a responsabilização. Caso descumpra as normas legais, causando dano a outrem, assumirá o infrator as respectivas sanções.

Nas palavras de GONÇALVES (2008, p. 26):
Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal, e, na contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe uma convenção prévia entre as partes que não é cumprida. Na responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a vítima e o causador do dano,quando este pratica o ato ilícito.
Foi CAVALIEIRI (2007, p. 02) quem teceu a famosa definição aglutinadora de ambas as espécies de responsabilidade – contratual e extracontratual – quando definiu que “responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”. Assim, a depender do instituto emanador desse dever jurídico originário (se a lei ou o contrato), ter-se-ia então identificada a espécie de responsabilidade civil presente no caso (aquiliana ou contratual).

Enfim, a responsabilidade havida em decorrência da mera prática de ato civil, sem referência a qualquer contrato, é do tipo extracontratual.

A responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, para se configurar, deve apresentar três elementos fatais: a conduta, o dano e o nexo causal. A conduta é a ação, a atitude do agente que causa o prejuízo à vítima. No que tange à responsabilidade civil extracontratual, pode-se dizer – com lastro no que até agora foi visto – que a responsabilidade do agente decorre de uma conduta sua que viola direito de outrem, e se assim o é, significa que sua conduta é ilícita, pois o que viola direito de terceiro não pode ser lícito. A conduta é o ato ilícito prenunciador da responsabilidade civil, embora, como se verá mais adiante, nem toda conduta ensejadora de responsabilidade civil seja ilícita. Fica a observação de que tanto a ação quanto a inação podem levar à responsabilidade civil. É que, para o direito, a omissão consciente, quando sabia o indivíduo ter o dever de agir, equivale a ação. Em verdade, a omissão é uma ação negativa, que, se ilícita, gerará, do mesmo modo, a responsabilidade.

O segundo elemento da responsabilidade civil é o dano. O dano é o prejuízo experimentado pela vítima da conduta, e que se apresenta como consequência desta. No dizer de CAVALIERI (op. cit., p. 79), “o dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano.”. Importante deixar marcado que o dano a que se refere a lei e a maior parte da doutrina é qualquer prejuízo causado à pessoa, seja patrimonial ou moral.

Como terceiro e último elemento da responsabilidade civil, tem-se o nexo causal, que é o liame fático entre a conduta e o dano. Quando há nexo causal, tem-se que o dano só ocorreu porque a conduta foi praticada. Se o dano ocorreria conquanto não houvesse conduta, o nexo de causalidade não se configuraria, e sem ele, não haveria, no caso concreto, responsabilidade. É o caso do incêndio causado por um raio, que termina por destruir um imóvel de A, em que residia B. Se B acendeu velas (conduta) durante a tempestade que cortou a energia da residência, e a casa veio a pegar fogo (dano), mas se sabe que o incêndio foi provocado pelo evento natural, não se vislumbra o nexo causal entre a conduta imputada ao agente e o dano que a ela se quer relacionar. Não há, pois, neste caso, responsabilidade civil aquiliana.

Apenas por este exemplo, pode-se perceber que o nexo causal, muitas vezes, é de difícil identificação, porque outros fatores podem ter concorrido para a causação do prejuízo. No exemplo dado, o raio, assim como em geral o caso fortuito e a força maior, ou a culpa exclusiva da vítima, são excludentes de responsabilidade, por remover, na espécie, o nexo de causalidade. Isto pode ser aplicável a acidentes causados pela presença de animais na pista, como se comentará à frente.

 Alguns doutrinadores colocam a culpa como um quarto elemento da responsabilidade civil. Nos dias atuais, a tese não prospera, porque a noção de culpa (lato sensu) diz com a vontade do agente. Tem culpa aquele que age porque assim quer, visando a deliberadamente causar prejuízo ao algoz (residindo aí o já citado “ato intrinsecamente ilícito”), bem como tem culpa quem age descuidadamente, negligentemente, e do ato displicente resulta prejuízo a outrem (cuida-se da “culpa levíssima” de Ulpiano). No primeiro caso, diz-se que a conduta é dolosa; no segundo, culposa. Em ambos os casos, há culpa em sentido amplo, porque o agente, ao praticar o ato, quis o resultado danoso, ou assumiu, com sua negligência ou imprevidência, o risco de causá-lo. Portanto, a culpa é inerente à vontade do agente. Se assim, quando muito, poderá ser elemento da conduta; não da responsabilidade. Colocar a culpa como quarto elemento da responsabilidade civil seria redundante, pois esta, via de regra, já está imersa no elemento volitivo. Ademais, há modalidades de responsabilidade nas quais não se cogita de culpa.

Estes os elementos que compõem, em restritíssima suma, a responsabilidade civil. A responsabilidade civil existirá quando presentes todos eles, no caso sub judice.
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VERÇOSA, Alexandre Herculano. Responsabilidade civil do Estado e de particulares em acidentes de trânsito provocados por animais. Análise da doutrina da responsabilidade civil e apanhado da jurisprudência nacional . Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3194, 30 mar. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21387>.

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