sábado, 7 de abril de 2012

A responsabilidade civil subjetiva

O Código Civil de 1916 incorporou ao Direito brasileiro a teoria da responsabilidade civil pela prática de atos ilícitos, da seguinte forma: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” (CCB de 1916, art. 159).

A responsabilidade civil subjetiva é aquela em que o indivíduo responde pelos atos que praticar culposamente, dos quais resultem dano a outrem. É a modalidade de responsabilidade civil aquiliana por essência, vez que surgiu, com a Lei Aquília, justamente para coibir a prática dos atos intrínsecamente ilícitos, dos quais se subsome a culpa do sujeito, conforme a jurisprudência romana, posteriormente positivada pelos franceses no Código de 1804, que, por sua vez, serviu de modelo para o brasileiro de 1916. O surgimento da idéia de culpa representou a natural evolução do instituto. No caso da lei brasileira do século passado, deixava-se claro que seria considerado responsável aquele que agisse ou se omitisse voluntariamente, ou com negligência ou imprudência, e desse ato resultasse dano a outra pessoa. Consagrava-se a responsabilidade subjetiva no Direito brasileiro, que é a modalidade de responsabilidade civil fundada na culpa.
Perceba-se a evolução jurídica do tema da responsabilidade civil, em que o que antes se considerava genericamente de delito passou a ser nominado de quase-delito, separando-se assim o ilícito sumamente cível da noção de crime. Explica-se então a terminologia empregada pelo código francês. Se o ato ilícito ocorrer exclusivamente no âmbito civil, não teremos um delito, mas um quase-delito. Porém, face à origem comum dos dois ramos jurídicos, o fundamento para a responsabilização do agente, tanto no âmbito cível quanto no criminal, será sempre a culpa.  Não havendo culpa, não há ato ilícito, qualquer que seja.
A culpa, para colocar definição nossa, é uma violação de comportamento ou regra de conduta, legalmente imputável ao agente, e que não seria cometida por uma pessoa diligente, avisada, em circunstâncias normais. Por pessoa avisada, entenda-se aquela de tirocínio ou diligência normal, que atua de modo a prever as consequências de seus atos. Isto é especialmente importante quando se estuda a culpa em sentido estrito, consubstanciada na negligência, imprudência ou imperícia. Essas modalidades de culpa stricto sensu são conceitos delicados, no que se convencionou estipular um marco referencial a definir se, em determinado caso concreto, há ou não a culpa. Esse marco referencial é o homem médio; denominado de bonus pater familias.
Quanto aos elementos citado no art. 159, CCB/1916, a negligência é o agir displicente, é o descuido puro e simples, a falta de cuidado, de atenção. Revela a personalidade indolente, despreocupada, inerte do agente para com os riscos de seus atos. Caso clássico é o do pai que deixa uma arma carregada em casa, ao alcance de crianças. Já a imprudência é o agir perigosamente, imprevidentemente, que denota precipitação na conduta. Tanto naquela – a negligência – quanto nesta – a imprudência – há a falta de cuidado do agente, mas se diz, para diferenciá-las, que, enquanto a negligência é o “ir aquém”, a imprudência é o “ir além”. Exemplo melhor de imprudência é o ato de dirigir em alta velocidade, “costurando” o trânsito.
A imperícia – conceito que nossos códigos civis não trouxeram – é também modalidade culposa, conforme paralelo traçado com o Direito Penal, que a incorporou no Direito brasileiro desde a edição do Código Penal de 1940 (Dec.-Lei 2.848/1940, art. 15, II, redação original; art. 18, II, redação atual). A imperícia é a falta de qualificação técnica, de habilitação ou de preparo técnico ou científico, teórico ou prático, para praticar determinada conduta, como no caso do profissional da medicina que atua sem o devido diploma. No âmbito do Direito Civil, como não foi citado no art. 159 do CCB de 1916, nem o é no art. 186 do CCB de 2002, o conceito de imperícia incorpora-se aos dois anteriores.
O referencial do homem médio é importante porque o que pode ser considerado imperícia para uns, pode não ser para outros, a depender da qualificação técnica do autor da conduta, bem como o que pode ser imprudente para alguém pode não sê-lo para outrem, mais bem capacitado em suas habilidades. Daí a razão de existir da referência doutrinária do “bom pai de família”, que servirá para identificar o grau de culpa presente na conduta – particularidade irrelevante, pois toda culpa deve ser considerada, a teor da teoria de Ulpiano, que fundamenta a responsabilidade subjetiva – ou a própria existência da culpa – e aqui, sim, a referência ganha relevo. Portanto, para evitar que em casos semelhantes se possa decidir pela presença da culpa em sentido estrito, e em outros não, utiliza-se o referencial do homem médio, razoavelmente diligente, cujo conceito Maria Helena DINIZ (2009, p. 44) complementa:
(...) o bom pai de família seria o protótipo do cidadão médio, prudente, normal, atento, dotado de ordinária inteligência, hábil, empenhado e dedicado. Seria o paradigma do homem abstratamente diligente que cumpre seus deveres legais ou convencionais sem que se considerem sua cultura, aptidão, instrução.
Noutro giro, se a culpa é grave, leve ou levíssima, como muitos autores frisam, entendemos que tal constatação não é relevante para a configuração da responsabilidade subjetiva, mas tão-somente para fixar o quantum indenizatório.
Esta a teoria clássica da responsabilidade civil, ou teoria da responsabilidade civil subjetiva, onde a culpa é o fundamento da obrigação de reparar o dano. Se não há culpa, não há responsabilidade. Denota-se dessa teoria, portanto, que a questão da culpa reveste-se de natureza eminentemente probatória: aquele que se sentir lesado com a conduta de alguém deverá provar em juízo, no bojo de uma ação civil, a culpa do autor do dano.
O CCB de 1916 estipulava algumas situações em que o agente não seria punido, mesmo agindo, a priori, culposamente. Sob a égide do antigo código, situações havia nas quais, conquanto agindo com dolo o agente, este não seria alcançado pelo instituto da responsabilidade civil. Cuida-se das excludentes de ilicitude, como a legítima defesa e o estado de necessidade (art. 160 do CCB de 1916), também denominadas excludentes de culpabilidade. Nestas circunstâncias, o agente não seria responsabilizado, pois tais institutos excluiriam a ilicitude da conduta, o que reforçava a tese, segundo a doutrina mais antiga, de que a ilicitude (ou a culpa) deveria ser considerada elemento da responsabilidade civil.
___________________________________________________________
VERÇOSA, Alexandre Herculano. Responsabilidade civil do Estado e de particulares em acidentes de trânsito provocados por animais. Análise da doutrina da responsabilidade civil e apanhado da jurisprudência nacional . Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3194, 30 mar. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21387>.

Nenhum comentário:

Postar um comentário