sábado, 8 de outubro de 2011

Abandono afetivo dos pais

Adentrando no dano extrapatrimonial, no âmbito das relações familiares, considero em tese ser viável e perfeitamente possível à reparação civil, desde que o magistrado valha-se de extrema cautela e analise o caso concreto com razoabilidade e atendimento aos requisitos legais.

Trago à baila o artigo 186, do Código Civil Brasileiro [02], verbis: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". (Grifos Nossos).

O Superior Tribunal de Justiça, acerca do assunto, exarou a Súmula nº 37 [03], litteris: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato". (Grifos Nossos).

Em ações desta natureza, as correntes maniqueístas não podem prevalecer, sob pena de gerar uma total monetarização das relações afetivas ou o descumprimento das Normas Constitucionais, do Estatuto da Criança e do Adolescente, Súmulas e da Legislação Alienígena sobre Direitos Humanos. O direito de família, por essência, deve resgatar e priorizar, como primeira medida, o respeito mútuo entre as pessoas.

A Convenção sobre os Direitos da Criança [04], adotada em Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, menciona, em seu art. 7.1, ser direito da criança "a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles". (Grifos Nossos).

A Carta de Outubro [05], no caput do art. 227, reza que é dever, como primeiro passo da família preservar, dentre outros, o Direito da Criança e do Adolescente à "convivência familiar",e "colocá-los a salvo de toda a forma de negligência (...)". (Grifos Nossos).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) [06], ratifica o direito da criança e do adolescente "a ser criado e educado no seio de sua família" (Art. 19), acarretando aos genitores "o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores" (Art. 22) (Grifos Nossos).

O Código Civil Brasileiro [07], em seu artigo 1.566 e inciso IV, suscita entre os deveres conjugais o de "sustento, guarda e educação dos filhos", e, conforme determinado nos artigos 1.584 e 1.586, a observância do princípio que atenda o melhor interesse do infante, no caso de separação ou divórcio dos pais. (Grifos Nossos).

A idéia central da Legislação Civil Brasileira, em harmonia com a Constituição Federal e as Convenções Internacionais é a preservação da criação, educação e convívio por parte dos pais, em relação aos filhos para, no futuro, não incidir consequências psíquicas na formação do menor.

Segundo textualiza a doutrina especializada, peritos em psicologia têm confirmado que a criança abandonada por seu pai sofre trauma e ansiedade, fatores que repercutirão em futuras relações, com sensível perda de confiança e auto-estima, o que vai de encontro ao conceito presente de família que é baseado na proteção dos direitos da personalidade.

Diante do já expositado, surge a seguinte pergunta: a paternidade e a maternidade são tão somente biológicas? No meu sentir, não. Ser pai pressupõe um dado socioafetivo estabelecido na convivência e não é uma mera decorrência do vínculo genético, como se fosse apenas um reprodutor para garantir a sobrevivência da espécie.
(...)
Por isso, a afetividade, o amor, o carinho (...), são indispensáveis ao convívio entre pais e filhos, caso contrário haverá lesão à dignidade moral destes. Destarte, a ofensa a um direito da personalidade acarreta a possibilidade da reparação civil, no caso, subjetiva e, imprescindivelmente, devem restar comprovados os requisitos previstos no art. 186, do Código Civil Brasileiro (culpa do agente, existência de dano e nexo de causalidade).

Na legislação brasileira hodierna não há nenhuma proibição de utilizar o instituto da responsabilidade civil nas relações familiares. O princípio da legalidade na seara privada é devidamente cumprido quando o indivíduo faz tudo aquilo que não está proibido por lei. Na presente questão, como já dito, o artigo 186, do Código Civil Brasileiro, prevê a possibilidade da reparação quando do surgimento de um dano moral.

A propósito da matéria cito as considerações do Eminente Professor Rolf Madaleno [10]:
"A responsabilidade civil no Direito de Família é subjetiva, exige um juízo de censura do agente capaz de entender o caráter de sua conduta ilícita. É preciso demonstrar sua culpa, tanto que Sérgio Cavalieri Filho observa que: "A vítima de um dano só poderá pleitear ressarcimento de alguém se conseguir provar que esse alguém agiu com culpa; Caso contrário, terá que se conformar com sua má sorte e sozinha suportar o prejuízo"."(Grifos Nossos).
Na situação em comento, não se está falando em indenização por falta de amor dos pais em relação aos infantes, pois amor e afeto devem ser doados espontaneamente. A reparação civil deve ocorrer por violação de deveres paternais que causem danos, por exemplo: o abandono premeditado... .
(...)
Pensemo-nos: o Estado-Juiz tem o poder de obrigar os pais a sentirem carinho pelos filhos? Não. Entrementes, o Poder Judiciário deve, quando provocado, responsabilizar civilmente o genitor por abandono afetivo, em razão do descumprimento do dever de criar, educar e conviver com o filho, em harmonia, como alhures dito, com o art. 186, do Código Civil Brasileiro.

A Professora Maria Berenice Dias, em seu Manual de Direito das Famílias [12], aduz que:
"(...) Daí a atual orientação jurisprudencial que reconhece a responsabilidade civil do genitor por abandono afetivo, em face do descumprimento do dever inerente à autoridade parental de conviver com o filho, gerando obrigação indenizatória por dano afetivo (...)". (Grifos Nossos).
O STJ no Recurso Especial nº 514.350-SP[14], não aceitou à reparação civil de danos por abandono paternal, suscitando que o judiciário não pode obrigar alguém a amar ou a manter um relacionamento afetivo.

Mister se faz transcrever ementa do Acórdão acima mencionado, in verbis:
" RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.
1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do artigo 159, do Código Civil de 1916, o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária.
2. Recurso Especial conhecido e provido". (4ª Turma, Resp. nº 757.411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unanimidade, DJU de 29.11.2005).
Os Tribunais de Justiça Brasileiros, em especial, o do Rio Grande do Sul estão abalizando que a omissão afetiva no âmbito do direito familiar é, sabidamente, de interpretação restritiva e não se configura pelo simples fato de os pais não terem reconhecido, de pronto, o filho, como também não há dano o mero distanciamento afetivo entre pais e filho, por circunstâncias de fato da vida. É preciso a análise do caso concreto e o preenchimento do determinado no artigo 186 do CCB.

A Professora Maria Celina Bodim de Morais [15], assinala que:
"O que é preciso distinguir é se o pai sabia ou não da existência do filho e se se negou ou não a reconhecê-lo. A responsabilidade, em todos esses casos, é subjetiva, e será preciso demonstrar a negligência do pai. Se este não tinha conhecimento da existência do filho, evidentemente não poderá ser responsabilizado pela falta de convivência; se fazia alguma vaga idéia, mas não se negou a reconhecê-lo, tampouco deverá ser responsabilizado pelo reconhecimento não espontâneo. Outra será a situação quando se prove (e a prova é imprescindível) que tinha conhecimento e se negou ao reconhecimento, quando então caberá a reparação por abandono afetivo." (Grifos Nossos).
O receio de parte da doutrina e jurisprudência acerca das indenizações nas relações parentais de abandono é que o genitor condenado, como represália, jamais tornará a se aproximar do rebento. Será?

O que precisa em situações deste jaez é o magistrado, apoiado por profissionais habilitados, compreender o verdadeiro sentido da ação reparatória e, a priori, buscar a composição entre pai e filho, objetivando auxiliar o resgate ou iniciar a possibilidade de entendimento entre eles.

De mais a mais, em determinados casos, malsinadamente, o restabelecimento do amor e do carinho é, praticamente, impossível, pois já fora desfeito pelo longo tempo transcorrido diante de total ausência de contato e de afeto paterno. De outro lado, o que impera é a própria personalidade e conceitos de vida da figura paterna, daí, a pena indenizatória precisa ser aplicada, em alguns casos, com o escopo de reparar o reversível prejuízo causado ao filho que sofreu pela ausência do pai.

Uma pessoa que nunca foi amada, como pode amar? Alguém que não conhece o poder do abraço, como pode abraçar? Outrem, que não conhece a beleza do sentimento do beijo, como pode beijar? Dessa maneira, o judiciário deve respeitar a liberdade das escolhas, fruto de uma sociedade plural, todavia não poderá compactuar com o abandono irresponsável de pais que se vêem, meramente, como procriadores.

Enfim, a reparação civil resta caracterizada com a conduta ilícita, com culpa, do pai em relação ao filho, o nexo de causalidade e o dano. Esta indenização deve ser a ultima ratio do julgador.

De outra banda, a liberdade parental está subdividida em dois aspectos:
a) Objetivo

b) Subjetivo

IX- CONCLUSÃO.

O afeto é impagável, e não pode substituir a grandeza de um abraço e de um beijo entre pai e filho, entretanto, o descumprimento dos deveres paternais, em uma responsabilização subjetiva (art. 186, do CCB), deve ensejar uma ação indenizatória, como forma punitiva e dissuasória.
(...)
 a autonomia afetiva dos pais de conceder ou não afeto aos filhos. In casu, não gera nenhuma conseqüência sob pena de ferir o direito à liberdade paterna de escolher os próprios sentimentos.: são os direitos e deveres dos pais que inobservados, no aspecto material, geram ações de alimentos; e no aspecto extrapatrimonial, a perda do poder familiar (inciso II, art. 1.638, do Código Civil Brasileiro). Entendo que existe o direito indenizatório do filho, desde que haja ofensa aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais (proteção, educação, convivência, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio do ser em desenvolvimento, etc.), atendendo o disposto no artigo 186 da Legislação Substantiva Civil.
JÚNIOR, Antônio Dantas de Oliveira. A incidência do art. 186 do Código Civil Brasileiro no abandono afetivo dos pais: é possível?. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3018, 6 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20148>.

A aplicação do processo civil e a execução fiscal

Abordam-se os instrumentos e poderes concedidos aos órgãos jurisdicionais para eficazmente satisfazer o crédito público cobrado em execução fiscal e indagar o porquê de o Estado-Juiz não os utilizar plenamente.

1 Introdução

O Congresso Nacional reproduz, das mais diversas formas, pleitos da sociedade brasileira. Quando constrói um consenso sobre estes pleitos, o parlamento brasileiro cristaliza-os em normas jurídicas, contidas na lei.

Na realidade brasileira atual, por meio dos atos legislativos, a sociedade brasileira passa uma mensagem inequívoca: não se tolera um Judiciário que não consiga oferecer, com eficácia, a prestação jurisdicional (exemplo, art. 5º, LXXVIII, da Constituição federal).

Esta mensagem, diga-se de passagem, não é transmitida apenas por meio de discursos de parlamentares brasileiros, neste ponto deve-se fazer justiça ao legislador: passa-se da palavra, para a ação.

Há muito, o Congresso Nacional debate e aprova inúmeros instrumentos normativos que concedem aos órgãos do Judiciário, poderes para oferecer uma eficaz prestação jurisdicional.

Neste pequeno texto, pretende-se tratar dos instrumentos e poderes concedidos aos órgãos jurisdicionais para eficazmente satisfazer o crédito público cobrado em execução fiscal e indagar o porquê de o Estado-Juiz não os utilizar plenamente.

2 O direito processual parnasiano e a cultura da forma

Nosso Código de Processo Civil de 1973, sem dúvidas, é, sob a luz da técnica jurídica, um marco para o ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, a impressão que se evidenciou foi que este diploma legislativo, pela sua própria constituição, fomentou nos juristas brasileiros a noção de que podia existir uma "processualística" absolutamente autônoma em face do direito material.

Talvez estas conclusões advieram da teoria da condição da ação e a sua relação de distanciamento (de abstração) para com o bem da vida disputado. O direito processual civil brasileiro ganhou vida própria, uma existência absolutamente autônoma, em face do direito material.

O problema deste fenômeno foi que, no âmbito do processo civil, vive-se uma experiência parnasiana [01] em que a idolatria da forma relegou o problema da eficácia da prestação jurisdicional a um segundo plano, tendo em vista que o essencial era o debate sobre como a lógica processual deveria se organizar, a fim de permitir a construção de um sistema processual impecável.

A preocupação com a forma pôs de lado a perspectiva de que o processo deveria ser apenas um instrumento para concretizar outros direitos, a ponto que direitos materiais inequívocos poderiam ser sacrificados por falhas procedimentais.

A sociedade sentiu isto nas relações jurídicas cotidianas: surgiu a crença na ineficácia e na morosidade de um Estado-Juiz que, por causa de um infinito, burocrático e incompreensível (aos olhos de leigos e de não-leigos), labirinto processual, as demandas se eternizavam em um sem número de instâncias, agonizando-se lentamente, sem encontrar um fim. 

Surgiu o discurso do "procure os seus direitos", ou seja: para que cumprir espontaneamente os seus deveres se vale à pena litigar perante o Judiciário?

Evidente que a sociedade brasileira não poderia tolerar esta situação e o Parlamento brasileiro reagiu e concedeu, aos órgãos do Judiciário, poderes que, sem dúvida, na execução fiscal, poderiam solucionar tais demandas.

3 A execução fiscal e a aplicação da inércia do Judiciário e da menor onerosidade

Na execução fiscal se cobra um crédito público, isto é um crédito do Povo. A sociedade tem interesse na satisfação do crédito porque é por meio dele que as políticas públicas poderão ser financiadas e, portanto, implementadas.

Diante deste manifesta importância, concedeu-se ao Estado-Juiz poderes para, de ofício, tornar indisponíveis bens do devedor (art. 185-A, do CTN), bem como para penhorar dinheiro existente em aplicações financeiras (art. 655-A, do CPC), sem falar da clássica possibilidade de se arrestar bens do executado (art. 816, I, do CPC).

Entretanto, apesar de tudo isto, a prestação jurisdicional, nas execuções fiscais, continua sendo ineficaz, de modo que a satisfação dos créditos cobrados é ínfima.

Sem dúvidas, contribui para isto o superdimensionamento de dois princípios: inércia do Judiciário (art. 2º, do CPC) e menor onerosidade na execução (art. 620, do CPC).

A principiologia da inércia, contida no art. 2º, do CPC, criou uma cultura da neutralidade, a ponto de que o Judiciário viesse a aplicar as normas processuais sem levar em conta direito material que estava subjacente, sem considerar a disputa social objeto do conflito representado na relação processual.

Ora, em uma execução fiscal, a sociedade exige do devedor que este pague a um crédito público inscrito em dívida ativa, constituído após lançamento, em que houve um regular procedimento administrativo sob o contraditório. Trata-se de uma demanda promovida, em última análise, pelo Povo, sob a égide da lei!

Deveria o magistrado ficar insensível ao direito material que está sendo exigido?

Os resquícios da exigência de um juiz eqüidistante (o que muitos interpretam como ultradistante) das partes, fez com que a lógica processual cegasse o Estado-Juiz que passou a se concentrar, sobretudo e apenas, na correta aplicação das normas processuais, para maior glória do processo civil.

Outro aspecto que cerceou utilização dos poderes fornecidos pelas leis ao Judiciário, para a solução dos conflitos, adveio do superdimensionamento do princípio da menor onerosidade (art. 620, do CPC), de modo a transformá-lo em uma não-onerosidade.

Ressalte-se que toda execução (fiscal, ou não fiscal), necessariamente, tem de ser onerosa, já que o patrimônio do devedor deverá se submeter à pretensão do credor (art. 591, do CPC).

A lógica deveria ser simples: se o devedor está devendo, mas não paga, deve ter parte da sua riqueza constrita, por ato do Estado-Juiz, a fim de que o credor tenha o seu crédito satisfeito.

O que se vê é uma aplicação ultra-restritiva das normas, com a criação de requisitos (não previstos em lei), pelos quais o Estado-Juiz se limita, de modo a impedir, por exemplo, a aplicação plena do art. 185-A do CTN (REsp 796.485/PR, DJ 13.03.2006, p.305) ou da possibilidade de simples quebra do sigilo fiscal (AgRg no Resp 1041181/SP, DJe 05.06.2008) para fins de pesquisa de bens do devedor, com o respeito ao sigilo fiscal.

Outro dado relevante trata-se da destruição da penhora, pelo STF, nos RE nº 349703 e nº 466343, que concluiu pela impossibilidade de prisão civil do infiel depositário de bem penhorado, já que esta sanção deve ser aplicada apenas em face de inadimplemento inescusável (e voluntário) de obrigação alimentícia, manifesta mutação constitucional.

Não há mais limites para que o devedor de má-fé (fiel depositário dos seus próprios bens penhorados, art. 666 do CPC) aliene todo o seu patrimônio.

Alguns dirão, então, que, como alternativa, seria possível a declaração de prática de ato atentatório à dignidade da justiça (art. 593 e art. 600, I, do CPC), com aplicação, no máximo, de multa de 20% (art. 601, do CPC).

Ora, se o devedor não se intimidou com a cobrança da dívida principal, expondo-se à execução fiscal, por que se atormentaria com a aplicação de uma pequena sanção pecuniária? De fato, não existe mais nenhuma preocupação para o depositário infiel. A penhora, como meio de garantia do juízo, descansa em paz.

4 Conclusão

Talvez a inspiração para solução dos problemas mencionados possa ser encontrada no processo do trabalho, ao se atribuir ao Estado-Juiz o dever de conduzir a relação processual, como previsto nos arts. 765; 876, parágrafo único; e 878, da CLT.

Note-se que, no Processo do Trabalho, o juiz preside o processo, com ampla liberdade, e é ele que é o responsável pelo impulso processual, tendo por meta, na execução, a concreta satisfação do direito material.
Em outras palavras o Estado-Juiz age, tendo interesse na solução da lide, com a satisfação do crédito. O Estado-Juiz deve atuar de modo a que o direito material, representado pelo título executivo, seja efetivamente concretizado!

Em verdade, tecendo uma reflexão, o Estado-Juiz, em qualquer caso, teria interesse na solução de todas as lides já que, como monopoliza a jurisdição, se interessaria que estas demandas recebessem a devida prestação jurisdicional (art. 126, do CPC), para que possa haver paz social.

Se a preocupação com a eficácia não existir, o risco que se corre é que a sociedade passe a ver que o Judiciário (e o próprio Estado) como algo absolutamente inoperante, logo, as demandas sociais (que não desaparecessem no ar, apenas porque não são julgadas pelo Estado-Juiz...) passariam a ser solucionadas pelos próprios indivíduos (exemplo, reintegração de posse, diante de invasão promovida por movimentos sociais): admitir esta possibilidade seria uma subversão da própria lógica do Estado moderno.

Uma outra solução, ao menos para a cobrança de créditos fiscais, seria permitir que a execução fiscal se apresentasse como instrumento subsidiário para a satisfação do crédito público inadimplido, possibilitando meios eficazes de transação (art. 171, do CTN), de formas acessíveis de pagamento do débito fiscal (como, por exemplo, dação de bens móveis) e de outras modalidades de renegociação do débito fiscal (conciliação judicial, por exemplo).

O leitor deste ensaio, por fim, poderia indagar: o autor pretende criar um Estado totalitário para cobrar o crédito público, talvez até, por absurdo, restaurando o nexum romano?

Sem dúvidas não! Mas é evidente que algo necessita ser feito para permitir que o Estado-Juiz empregue todos os poderes que lhes foram concedidos pelo legislador. Não se pede nada além da aplicação da lei existente, e que não é utilizada.

Neste artigo, um trabalho de livre interpretação, não se está eximindo a Fazenda Pública de responsabilidade pelo deficiente impulso da execução fiscal, mas o máximo que tal órgão pode fazer é diligenciar em busca de bens (com os poucos recursos que possui) e requerer ao Estado-Juiz sua atuação, nos termos da lei.

Antes de deixar cair o pano, merece menção o fato de que as prerrogativas da Fazenda Pública, contidas na legislação processual (por exemplo, art. 188, do CPC), nada mais são que um tênue reflexo, no direito processual, da importância conferida pelo legislador ao direito material que está sendo posto sob apreciação do Estado-Juiz.

O poder de decidir se encontra, de fato, sob o Estado-Juiz, que poderá (ou não) concretizar as expectativas da sociedade por uma Justiça célere e eficaz.

CAMPELLO, André Emmanuel Batista Barreto. A aplicação do processo civil e a execução fiscal. O triunfo do parnasianismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3019, 7 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20169>.