quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Exame de Ordem é constitucional, decide Supremo

Por unanimidade, o STF decidiu, nesta quarta-feira (26/10), que o Exame de Ordem é constitucional. De acordo com os ministros, a exigência de aprovação na prova aplicada pela OAB para que o bacharel em Direito possa se tornar advogado e exercer a profissão não fere o direito ao livre exercício do trabalho previsto na Constituição Federal.

Segundo a decisão, o Exame de Ordem é um instrumento correto para aferir a qualificação profissional e tem o propósito de garantir condições mínimas para o exercício da advocacia, além de proteger a sociedade. "Justiça é bem de primeira necessidade. Enquanto o bom advogado contribui para realização da Justiça, o mau advogado traz embaraços para toda a sociedade", afirmou o relator do processo, ministro Marco Aurélio.

Sobraram críticas à proliferação dos cursos de Direito de baixa qualidade no país e ao fato de que grande parte das faculdades vende sonhos, mas entrega pesadelos, como disse Marco Aurélio. "O crescimento exponencial dos bacharéis revela patologia denominada bacharelismo, assentada na crença de que o diploma de Direito dará um atestado de pedigree social ao respectivo portador", sustentou o ministro.

O relator do recurso entendeu que a lei pode limitar o acesso às profissões e ao seu exercício quando os riscos da atuação profissional são suportados pela sociedade. Ou seja, se o exercício de determinada profissão pode provocar danos a outras pessoas além do indivíduo que a pratica, a lei pode exigir requisitos e impor condições para o seu exercício. É o caso da advocacia.

Em um voto longo, o ministro Marco Aurélio rebateu todos os pontos atacados pelo bacharel em Direito João Antonio Volante, que recorreu ao STF contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que julgou legítima a aplicação do Exame de Ordem pela OAB. O recurso foi infrutífero.

De acordo com o relator do recurso, o exercício de determinadas profissões ultrapassa os interesses do indivíduo que a exerce. Quando o risco da profissão é apenas do próprio profissional, como no caso dos mergulhadores, o Estado impõe reparação em dinheiro, com adicionais de insalubridade, por exemplo. Mas quando o risco pode determinar o destino de outras pessoas, como no caso dos médicos e dos engenheiros, cabe ao Estado limitar o acesso a essa profissão, impondo condições, desde que não sejam irrazoáveis ou inatingíveis.

As condições e qualificações servem para proteger a sociedade, disse Marco Aurélio. Segundo ele, é sob essa ótica que se deve enxergar a proteção constitucional à dignidade humana na discussão do Exame de Ordem. O argumento contrapõe a alegação do bacharel, de que a prova da OAB feria o direito fundamental ao trabalho. Logo, seria uma afronta à dignidade humana.

A alegação não surtiu efeito. "O perigo de dano decorrente da prática da advocacia sem conhecimento serve para justificar a restrição ao direito de exercício da profissão?", questionou Marco Aurélio. Ele mesmo respondeu: "A resposta é positiva."

Decisão unânime
Os outros oito ministros presentes no julgamento também decidiram que o Exame de Ordem vem ao encontro do que determina o inciso XIII do parágrafo 5º da Constituição: "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer." Para os ministros, o Estatuto da Advocacia atende exatamente ao comando constitucional.

Ao votar depois de Marco Aurélio, o ministro Luiz Fux afirmou que o Exame de Ordem é uma condição para o exercício da advocacia pela qual se verifica se o indivíduo tem qualificação técnica mínima para exercer a profissão. E que não conhece forma melhor para verificar essas qualificações. Não admitir a verificação prévia da qualificação profissional é como admitir "o arrombamento da fechadura para só depois lhe colocar o cadeado".

Fux, no entanto, fez críticas aos critérios de transparência da OAB. Para ele, a OAB tem de abrir o Exame para a fiscalização externa. Hoje, a Ordem aplica a prova e faz a fiscalização. De qualquer maneira, o ministro destacou que o Exame é baseado em critérios impessoais.

Depois de Fux, Toffoli votou acompanhando o ministro Marco Aurélio sem comentários. O voto foi comemorado como uma lição de racionalidade do julgamento. A ministra Cármen Lúcia, em seguida, fez pequenas considerações e também decidiu pela constitucionalidade do Exame de Ordem.

O ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto, também destacou a "higidez e transparência do Exame de Ordem" que, segundo ele, é fundado em critérios impessoais e objetivos e garante aos candidatos o direito ao contraditório. Ou seja, assegura o direito de recurso.

Ao votar também em favor do Exame de Ordem, o ministro Ayres Britto fez um paralelo com a exigência de concurso para juízes. "Quem tem por profissão interpretar e aplicar a ordem jurídica deve estar preparado para isso. O mesmo raciocínio se aplica ao Exame de Ordem", disse. Os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, completaram o julgamento que, por unanimidade, confirmou a constitucionalidade do Exame de Ordem.

Gilmar Mendes fez comentários com base em direito comparado e lembrou que em outros países também se sabe, de antemão, que o diploma é de bacharel em Direito e que para exercer a advocacia é necessário passar em testes de qualificação. Mas, como Luiz Fux, Mendes defendeu uma fiscalização maior para o Exame de Ordem. "É preciso que haja uma abertura para certo controle social do Exame para que ele cumpra sua função constitucional".

Para o ministro Celso de Mello, a exigência de Exame de Ordem é inerente ao processo de concretização das liberdades públicas. O decano do Supremo afirmou que a legitimidade da prova da OAB decorre, também, do fato de que direitos poderão ser frustrados se houver permissão para que "pessoas despojadas de qualificação e desprovidas de conhecimento técnico" exerçam a advocacia.

A sessão foi tranquila apesar do clima de animosidade entre bacharéis e dirigentes da Ordem. O presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Junior, foi levemente hostilizado em alguns momentos. Em um deles, no intervalo da sessão, quando foi abordado por um bacharel que reclamou do termo "imperícia" usado em sua sustentação oral. Ophir manteve-se tranquilo.

Quando o placar já apontava a constitucionalidade do Exame de Ordem, um bacharel se levantou e bradou: "Eu sou advogado". Os seguranças, então, retiraram o bacharel e outras dez pessoas do plenário que fizeram menção de se manifestar. Uma mulher retirada passou mal e foi atendida pelo serviço médico do Supremo. Alguns bacharéis choraram. Ao final da sessão, a segurança do STF estava alerta para qualquer nova manifestação, mas os bacharéis em plenário já estavam resignados.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, classificou como "uma vitória da cidadania brasileira" a decisão do STF. "Além de a advocacia ter sido contemplada com o reconhecimento de que a qualidade do ensino é fundamental na defesa do Estado Democrático de Direito, a cidadania é quem sai vitoriosa com essa decisão unânime do STF. Isso porque ela é a grande destinatária dos serviços prestados pelos advogados", afirmou Ophir ao conceder entrevista após as seis horas de julgamento da matéria em plenário.

Para Ophir, a constatação a que os nove ministros chegaram é a de que, em razão da baixa qualidade do ensino jurídico no país, o Exame de Ordem é fundamental tanto para incentivar os bacharéis a estudar mais quanto para forçar as instituições de ensino a melhorarem a formação oferecida. Segundo ele, quem mais ganha com isso é a sociedade.

Questionado no que a decisão do STF mudará o Exame de Ordem, o presidente da OAB afirmou que nada muda. No entanto, a decisão faz crescer a responsabilidade da entidade no sentido de trabalhar para aperfeiçoar a prova. "Trabalharemos mais para que o exame seja cada vez mais justo, capaz de aferir as condições técnicas e a capacitação daqueles que desejam ingressar na advocacia", finalizou.
Clique aqui para ler o voto do ministro Marco Aurélio.

Rodrigo Haidar é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico

Figura responsabilidade objetiva e subjetiva

Fonte: http://estudosesucesso.blogspot.com/2011/09/responsabilidade-civil-ou.html

Responsabilidade objetiva e subjetiva

Saiu na Folha do dia (20/04/10):
O IML (Instituto Médico Legal) de Goiânia confirmou ontem que o pedreiro Ademar Jesus da Silva, 40, morreu enforcado, mas espera um exame para saber se foi suicídio.
Acusado de estuprar e matar seis jovens em Luziânia (GO), ele foi achado morto domingo na cela onde estava isolado, na Delegacia de Repressão a Narcóticos de Goiânia. Ele foi preso no dia 10 em Luziânia e levado para a capital goiana por segurança.
O gerente do IML, Décio Marinho, disse que, embora as lesões no pescoço não indiquem agressão de outra pessoa, o Instituto de Criminalística fará exame toxicológico para verificar se Silva não foi drogado.
A Corregedoria da Polícia Civil ouvirá hoje os dois policiais de plantão no momento da morte. A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa quer investigar se houve negligência policial.
 
Vamos falar um pouco mais sobre esse caso e sobre a responsabilidade do Estado e dos servidores.
 
Como vimos ontem, o Estado é responsável pela integridade física daquele que está sob sua custódia. Porém, os servidores púbicos envolvidos também podem ser responsáveis se agiram com dolo ou culpa. A responsabilidade do Estado e de seus agentes pode ser solidária. Neste caso, o servidor torna-se responsável se deixou o fato acontecer, enquanto o Estado é responsável porque ele falhou em sua responsabilidade de escolher as pessoas certas para agir em seu nome e depois vigiá-las (o que chamamos de culpa in eligendo e culpa in vigilando. A culpa na escolha e na vigília das pessoas que trabalha para você).
 
Não sei se será o caso aqui (caberá à Justiça decidir), mas é importante sabermos que, em muitos casos o Estado não é responsável apenas quando seu servidor age com dolo ou culpa. É o que chamamos responsabilidade objetiva. Ou seja, em muitos casos não cabe saber se seus agentes agiram com dolo (quiseram causar o resultado) ou culpa (foram negligentes, imprudentes ou imperitos): basta a relação causal. Relação causal é o vinculo entre uma ação (ou omissão) e a consequência: foi aquela ação ou omissão que gerou aquela consequência. É o q se entende lendo os artigos 43 e 927 de nosso Código Civil:
 
"Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."

(Aliás, muito parecido com o que a Constituição fala no artigo 37: "§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.")

"Art. 927 - Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
 
Repare que as partes em negrito dão a entender que Estado é responsável mesmo que ele tenha feito tudo que era necessário para proteger o direito alheio. Novamente: na responsabilidade direta não importa se houve culpa ou dolo do servidor público: o Estado é responsável pelo que aconteceu.
 
Se lermos a segunda parte do mesmo artigo 43 ("ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo"), vemos que o servidor, por outro lado, só é responsabilizado se agiu com dolo ou culpa (ou seja, se quiseram causar o resultado, ou foram imprudentes, negligentes ou imperitos). O Estado só tem direito de regresso contra seus servidores se eles agiram com dolo ou culpa. Se os servidores públicos agiram com dolo ou culpa, o Estado terá de ressarcir quem sofreu o dano, e depois terá direito de cobrar de seu servidor o que foi forçado a pagar à vitima do dano.
 
Isso porque os servidores públicos têm o que chamamos de responsabilidade subjetiva (só respondem se agiram com dolo ou culpa), enquanto o Estado tem a responsabilidade objetiva (responde pelo fato ter ocorrido, não importando se seus servidores tomaram todo o cuidado possível para prevenir o dano).

Parece estranho, não? Isso ocorre por causa de algo que chamamos em juridiquês de teoria do risco. A teoria do risco nada mais é do que a seguinte lógica transformada em lei: algumas pessoas (no caso, o Estado) assume um risco exercendo determinadas atividades que lhe geram proveitos ou lucro. Se esses riscos se materializam, essa pessoa (e.g., o Estado) passa a ser responsável pelos danos ocasionados. Exceto se o dano for ocasionado por força maior ou por culpa exclusiva da vítima do dano. E foi por isso que eu disse que não poderia dizer se, no caso da matéria acima, haverá culpa direta ou não. Caberá à Justiça decidir se a culpa é somente da pessoa que cometeu o suicídio.
Fonte: http://direito.folha.com.br/1/category/culpa%20in%20eligendo/1.html