sábado, 14 de janeiro de 2012

A disciplina do litisconsórcio no Projeto de Código de Processo Civil (brevíssimas considerações)

Texto de Flávio Luiz Yarshell

A esta altura dos acontecimentos, tudo leva a crer que o Projeto de Código de Processo Civil, na versão remetida do Senado para a Câmara dos Deputados, não prevalecerá. Já há notícia da apresentação de um substitutivo e, a se confirmar a informação, as atenções devem se voltar para esse novo texto.

Sem prejuízo disso, este trabalho se ocupa da disciplina até aqui proposta para o litisconsórcio, até porque é razoável presumir que, se novas modificações houver, não serão substanciais.

No tocante ao litisconsórcio facultativo, a regra do art. 112 do Projeto mantém a amplitude hoje vigente por força do disposto no art. 46 do CPC: lá como aqui são muito largas as hipóteses em que a lei faculta a formação do litisconsórcio, ativo ou passivo, bastando observar que isso poderá ocorrer diante da simples "afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito".

Da mesma forma, o Projeto mantém a possibilidade de limitação do litisconsórcio facultativo. A alteração a respeito consiste na previsão de que a medida pode ocorrer também na "fase de execução". Assim, às hipóteses de prejuízo à rápida solução do litígio e de dificuldade à defesa, foi acrescida a hipótese de afetação negativa do "cumprimento da sentença".

Afora a circunstância de o Projeto se referir, num mesmo artigo, a duas terminologias diversas para designar a mesma fase (execução e cumprimento), não há muito o quê dizer. Talvez o Projeto pudesse ser mais claro a respeito de pontos que suscitaram dúvida quando o instituto da limitação foi introduzido entre nós. Quiçá, poder-se-ia registrar o modo pelo qual ela se faz (nunca com exclusão de pessoas ou extinção parcial em relação a elas). Mas, a omissão não deve ter conseqüências relevantes, até mesmo pela relativa escassez na aplicação de uma norma que fazia sentido antes da disseminação dos mecanismos de tutela coletiva em sentido lato.

Modificação relevante foi proposta a respeito do litisconsórcio necessário.

Preservada convicção diversa, a redação proposta pelo art. 113 não é a melhor. Certo que ela não incide na imperfeição do que hoje está enunciado no art. 47, que fala da sentença uniforme para todas as partes; quando muito assim poderia ser para os litisconsortes. É conhecida a brincadeira a respeito: sentença uniforme para todas as partes é aquela que julga a causa empatada e condena o escrivão nas custas... Contudo, a fórmula engendrada não revela o conteúdo do instituto, mas indica uma conseqüência de sua constatação: a citação de todos que devam ser litisconsortes é imperativo decorrente do caráter necessário do litisconsórcio, mas não corresponde a sua essência. Como sabido, será necessário o litisconsórcio quando a lei ordenar ou quando se tratar de litisconsórcio unitário; esse sim corretamente definido pelo art. 115 do Projeto.

A importância disso reside na proposta do art. 114, que estabeleceu conseqüências diversas para as hipóteses de falta de observância do caráter necessário do litisconsórcio. No caso de litisconsórcio necessário unitário, a lei estabelece a invalidade da sentença porventura proferida. Já nos casos de litisconsórcio necessário simples - só se imagina que isso possa ocorrer por força de lei - então o que decorre da omissão é a ineficácia da sentença para os que não foram citados.

De outra parte, o parágrafo único do art. 115 corrige a fórmula do que hoje está enunciado no art. 47: a integração do litisconsórcio passivo necessário é ônus a cargo do autor e o que juiz pode determinar não é a integração compulsória, mas a emenda da inicial. Ninguém é obrigado a demandar e, diante da premissa do litisconsórcio necessário, ainda resta ao autor desistir do processo.

Contudo, o Projeto não resolve o problema análogo do litisconsórcio ativo. Embora as hipóteses de ocorrência desse último sejam sabidamente escassas (porque limitam o direito de ação), subsiste a dúvida sobre se a falta do litisconsorte gera a extinção do processo sem julgamento do mérito (por ilegitimidade ativa) ou se o juiz poderia determinar a citação da pessoa faltante no pólo ativo para integrar o pólo passivo. Há divergência doutrinária e pretoriana a respeito e conviria que o Projeto tomasse partido, de preferência pela primeira e mais correta solução.

Jornal Carta Forense, segunda-feira, 3 de outubro de 2011